Sob o meu olhar

Aqui neste blog, vocês poderão ver, ler e comentar a respeito do que escreverei. Por meio deste meu olhar sincero, tentarei colocar artigos e dar minha opinião sobre questões atuais como politica, problemas sociais, educação, meio ambiente, temas que tem agitado o mundo como um todo. Também escreverei poesias e colocarei poemas de grande poetas que me afloram a sensibilidade, colocarei citações e frases pequenas para momentos de reflexão.
É desta forma que vou expor a vocês o meu olhar voltado para o mundo.

12/03/2012

Os Paradoxos de Rabelais


Publicado por Óleo do Diabo
(François Rabelais, França 1494 - 1593)

Sabe como a capital da França recebeu o nome de Paris? Segundo Rabelais, o fidalgo Gargantua chegou na cidade pela manhã e provocou tal sensação, em virtude de suas proporções físicas literalmente gigantescas, que o povo lhe seguia de uma parte a outra. Tentando fugir da perseguição, Gargantua sobe ao cume da Notre Dame, e contempla a multidão cada vez maior que se aglomera embaixo. Então, ele desabotoa a braguilha, põe para fora seu bilau e despeja uma enorme torrente de urina, causando uma inundação que afoga milhares de pessoas. Os únicos sobreviventes são os que logram refugiar-se nas partes altas de Montmartre. 

Indagado por um de seus acompanhantes porque havia feito aquilo, Gargantua responde que foi somente "par ris", em francês arcaico. Pra rir. Por troça. Daí veio o nome de Paris. 

A própria história é uma grande piada, como de resto é toda a literatura rabelaisiana. Por razões que não me cabe explicar no momento, sou um francófilo e um estudante apaixonado de história e literatura francesa, e há dois anos li pela primeira fez o Gargantua, que junto a Pantagruel (que é o pai de Gargantua), são as duas obras-primas de François Rabelais, cujo papel na história da cultura gálica é similar ao de Dante na Itália, Shakespeare na Inglaterra, e Camões em Portugal. 

Mas Rabelais é, sobretudo, um magnífico sacana, o que foi uma surpresa para mim, que sempre ouvira falar nele apenas como um clássico tradicional. É uma leitura divertida, despretensiosa, onde topamos com todo tipo de pornografia, escatologia, guerras absurdas, comilança excessiva e, sobretudo, uma defesa incondicional do uso imoderado do vinho. 

É realmente divertido pensar no que significou este livro numa época terrivelmente conservadora (século XVI). A obra, claro, foi rechaçada pelos conservadores, em especial os religiosos. Mas outros defenderam Rabelais, inclusive alguns representantes mais esclarecidos do clero. Também me diverte pensar que a Igreja Católica já teve uma ala incrivelmente progressista em termos de cultura, como se pode constatar visitando a Capela Sistina.

Como uma obra assim passou a representar o marco inaugural do renascimento francês, um dos pilares deste humanismo alegre e irônico - e talvez por isso mesmo tão poderoso - que iria caracterizar a literatura francesa a partir de então?

Mas eu não vim aqui falar apenas de Rabelais, e sim procurar estabelecer uma ponte entre seu humor libertário, corrosivo, quase diabólico; seu entusiasmo transbordante pela vida; sua verve incendiária, que era ao mesmo tempo maligna, esperançosa, sarcástica e humanista; uma ponte entre Rabelais e o mau humor da literatura política contemporânea. 

Claro, é uma comparação puramente retórica. Os contextos são outros. No tempo de Rabelais, havia uma elite escrevendo para elite. O próprio Rabelais pertencia naturalmente a um estrato social superior. Mas os historiadores atestam, por outro lado, a enorme popularidade de Rabelais junto aos leitores mais humildes, ou mesmo entre analfabetos, que apenas ouviam falar de suas histórias. Ele era engraçado. Zombava dos grandes. Inventava causos incríveis e mágicos. Aliás, Rabelais baseia-se, para escrever suas obras, em folhetins extremamente populares na época, que narravam peripécias e trapalhadas de seres gigantes.

Na verdade não pretendo fazer nenhuma comparação, apenas iluminar um contraste. No tempo de Rabelais, havia uma censura drástica a qualquer crítica abertamente política. Com sua literatura quase desesperadamente hilária, Rabelais expressa, a seu jeito, as dores e misérias de seu tempo. O que me impressionou foi que o mundo levou a sério, muito à sério, a ponto de serem escritos volumes e volumes de "estudos rabelaisianos", todas aquelas histórias sobre intermináveis bebedeiras, comilanças, sonecas vespertinas, sexo e procedimentos fisiológicos. 

A leitura de Rabelais me chocou profundamente porque me pôs diante do contraste avassalador com a seriedade, correção política e convencionalismo dos dias atuais. Em nossos TV, rádio, imprensa escrita, cinema e literatura, mesmo em seus programas, seções e vertentes mais ousados e picantes, e mesmo com toda a falação contra censura, não vejo uma grama da liberdade de expressão (com raríssimas exceções na literatura) que encontro numa obra publicada no século XVI! 

Bem, ninguém tem culpa disso. É um fato cultural ou sociológico, e a equiparação, eu admito, entre século XVI e hoje é um tanto absurda, mas eu não consigo deixar de pensar nesse contraste enquanto navego pela blogosfera. 

Neste sentido, o romance de Reinaldo Moraes, Pornopopéia, é um oásis no deserto. Reinaldo é nosso Rabelais, tanto no conteúdo, focado no lado carnal e demasiadamente humano, quanto na forma, onde o sarcasmo, o humor, a ironia invadem e dominam a sintaxe. Toda a complexidade que outros escritores procuram dar à trama, ou à psique dos personagens, Moraes confere à relação entre os seres linguísticos. O protagonista de Moraes é a frase - na sua relação com outras frases, do mesmo sexo, do sexo oposto ou consigo mesma. 

O personagem principal, inclusive, é uma espécie de gigante sobrehumano, um Gargantua pós-moderno. Ele consegue, no mesmo dia, ingerir quantidades homéricas de álcool, cocaína, maconha, lsd, praticar sexo animal, repetidamente, com várias parceiras, e no dia seguinte, enquanto continua cheirando cocaína e fumando maconha, manter os nervos em forma para escrever fluidamente um romance magistral (pois o mesmo é narrado em primeiro pessoa). 

A vida às vezes é mais incrível que a realidade, talvez alguém poderia fazer isso tudo, mas o personagem de Moraes não cria a empatia que permitiria ao leitor perdoar a falta de verossimilhança. O leitor sente uma inveja tão grande (não do uso de drogas, mas da vitalidade algo divina deste anti-herói) que não consegue gostar tanto do texto.

Esta convergência entre verossimilhança, originalidade e empatia é uma fórmula poderosa, que produziu os grandes clássicos, porque ela enriquece a obra estética com densidade política. Não é a tôa que, durante séculos, a leitura da Ilíada era a base da educação da Grécia Antiga.

Verossimilhança, modernamente falando, não significa uma história "crível", ou amarrada aos fatos da realidade concreta; significa antes coerência interior, segundo os parâmetros particulares de cada obra.

No entanto, tão difícil quanto produzir um texto verossímil, e agora me refiro a literatura propriamente política (artigos, crônicas, posts) é conferir-lhe originalidade e empatia. Sem essas características, o texto, mesmo emitindo uma opinião aparentemente justa, não gera nenhuma energia nova. Não muda efetivamente nada. Ao contrário, muitas vezes um texto político aparentemente progressista, vocalizando protestos justos e mesmo urgentes, apenas ajuda a promover desânimo. Vemos isso em toda parte. Mídia e blogosfera às vezes parecem unidos no objetivo de nos fazer acreditar que o mundo é uma droga, o Brasil é uma droga, os políticos são uma droga, e que nem o Hermeto Pascoal enxerga muito bem.

À esquerda, um bando de chorões neurastênicos, a pretexto de exercerem militância ou ativismo virtual, vomitam discursos óbvios, raivosos e desesperançados. À direita, vicejam discursos verdadeiramente apocalípticos, alguns pintados com o sarcasmo mau-humorado e histérico de membros do Antigo Regime. 

Os segmentos mais engajados da juventude, com líderes assim, não vê nada melhor do que acampar na praça, tocando violão, e repetir discursos vazios, desconexos e tristes. "A política acabou". "Os partidos acabaram". "A democracia acabou". Fala-se em falta de perspectivas... Como assim? Até entendo que um jovem iraquiano mutilado e sem instrução pense assim, mas um jovem europeu? E a aventura do conhecimento, onde foi parar?

Na academia, inaugurou-se uma nova escolástica, com gente produzindo textos cada vez mais esquizóides, incompreensíveis, herméticos, para desespero de milhões de estudantes, que precisam fingir entendê-los, mas como isso é impossível, acabam se tornando repetidores cínicos.

Enquanto isso, o planeta gira e a cada ano a economia global incorpora centenas de milhões de seres humanos que, até há pouco, não conheciam o significado de democracia, nunca haviam estado num cinema, nem jamais consumiram quantidade satisfatória de proteínas. 

E acho injusto e equivocado que se atribua esses avanços sociais, que a humanidade vem experimentando, de maneira constante e firme, há séculos, à economia de mercado ou ao capitalismo. São vitórias da humanidade! Do instinto biológico ou divino que leva o homem a se organizar e a procurar instrução. O capitalismo não existe enquanto sistema econômico, ou antes, não é um regime organizado ideologicamente, mas esse é outro debate, que fica para depois.

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