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Por Mouzar Benedito*
Participei do Congresso da União Brasileira de Escritores, realizado em Ribeirão Preto entre 12 e 15 de novembro, fazendo uma palestra sobre um tema sugerido pelos organizadores. O texto básico da palestra é esse a seguir. É extenso… Paciência, leitores.
Vou começar contando uma historinha usando o vocabulário “moderno”, usado principalmente por jovens:
A fulana estava insatisfeita e teve um insight: se morasse um pouco no Primeiro Mundo, seria um up-grade, inicializaria uma nova vida. Foi para a América num voo charter.
Morou em New York, onde trabalhou como baby-sitter e às vezes cuidando de pets. Em pouco tempo teve dinheiro para comprar uma bike num shopping-center, com 30% off por pagar in cash. Era uma bike made in China (não se esqueça: a pronúncia correta é Chaina). Tinha um defeito, mas fizeram recall. 
Mudou-se então para Miami, morando em down-town. Fez MBA (não vá pronunciar errado: é embiei) em financial domestic. Para ir à faculdade, fazia sempre um pit stop para um happy hour. Deletou o Brasil de sua memória, mas como user, mantinha contato direto com a family, pela Internet.
Não era uma vida soft, pois morava com loft com várias pessoas, comendo pizzas delivery, que era o que dava para comprar com o cachê de atriz em filmes trash. Mas voltou para o Brasil com um novo look e know-how para ter um happy-end.
Estamos falando em português, a língua pátria, ou, como podemos preferir, vernáculo?
Ah, mas pegaria mal contar essa história de outro jeito:
A fulana estava insatisfeita e teve um estalo: se morasse um pouco em algum país desenvolvido seria uma melhora para iniciar uma nova vida. Foi para os Estados Unidos num voo fretado.
Morou em Nova York, onde trabalhou como babá e às vezes cuidando de animais de estimação. Em pouco tempo teve dinheiro para comprar uma bicicleta num centro comercial, com 30% de desconto por pagar à vista. Era uma bicicleta fabricada na China. Tinha um defeito, mas fizeram reposição dela.
Mudou-se então para Miami, morando no centro da cidade. Fez mestrado em economia doméstica. Para ir à faculdade, dava uma parada para uma bebidinha no final da tarde. Apagou o Brasil de sua memória, mas como usuária de computador, mantinha contato com a família pela Internet.
Não era uma vida suave, pois morava num cômodo tipo sótão com várias pessoas, comendo pizzas entregues em domicílio, que era o que dava para comprar com o que ganhava como atriz, trabalhando em filmes vagabundos. Mas voltou para o Brasil com um novo visual e conhecimentos para ter um final feliz.
Pois é, se podemos falar em inglês, ou mesmo linguagem de computador, por que falar em português?
Muita gente fala assim hoje em dia. E não se limita a isso. Já ouvi gente falando beach em vez de praia, e não foi em tom de brincadeira, foi falando sério. E quase ninguém fala em fazer uma cópia de segurança de alguma coisa. É back-up.
Algodão, para eles, é cotton. Roupa 100% cotton! Sem contar algumas coisas que estão mais ou menos definitivas na linguagem dos brasileiros, como feedback em vez de resposta. E as competições fitness? E os alimentos diets e lights?
Recentemente, em São Paulo, vi uma matéria de jornal sobre uma encrenca por causa de uma “house party”, em que se pagava 25 reais de entrada com direito a “open bar”. Apareceram centenas de pessoas num lugar que não cabia 60.
O que estranhei é a tal de “house party”, que, fiquei sabendo, não era nada mais do que uma festa em casa. E o “open bar” queria dizer que quem pagou os 25 reais tinha acesso livre às bebidas.
Chegou a um ponto em que eu mesmo me surpreendi ao procurar um lugar para acessar a Internet, vi uma placa indicando um lugar desses no primeiro andar de um prédio e, quando subia pela escada um homem já velho me perguntou: “Você vai ao lanhouse?
Ele pronunciava lanhouse como se fosse uma palavra da língua portuguesa, em vez de lan rause, como se diz em inglês. Eu sorri e confirmei. Ele me informou que estava fechada e fiquei pensando: eu mesmo falo lan rause e estranhei que ele tenha pronunciado lanhouse.
Lembrei-me dos franceses pronunciando as palavras que vêm de fora, inclusive nomes próprios, com sotaque francês. Basta lembrar o exemplo de Santos Dumont, que foi muito popular em Paris, onde era conhecido como “Santos”.
E mesmo os hispano-americanos fazem isso. Por exemplo: foram os espanhóis que colonizaram a Flórida. E Miami fica lá. Os hispano-americanos pronunciamflorida, com a sílaba tônica no ri, e miãmi, e não se sentem mais burros por isso.
Aliás, como tiraram o trema do português, houve uma ameaça de tirar o til em cima do n, em espanhol, e não deixaram. Nem por isso o espanhol ficou pior.
Aqui, não. Temos que nos internacionalizar a qualquer custo. De preferência assimilando tudo o que vem dos Estados Unidos. É de se espantar como falar corretamente inglês, e usar no cotidiano expressões em inglês pronunciadas “corretamente”, se tornou uma exigência para muitos brasileiros.
Falei para uma conhecida que assisti a um filme no canal HBO – pronunciei agá bê ó – e ela me corrigiu: eigibiôu.
Conheço gente que não sabe escrever uma frase sem erro em português e corrige a escrita e a pronúncia inglesa – de preferência com sotaque estadunidense – de quem ousa não falar e escrever como os anglófonos.
E isso não se restringe à linguagem, parecem querer exigir da gente costumes “de primeiro mundo”. Essas pessoas adoram se referir à Europa e aos Estados Unidos como “primeiro mundo”. Quando reconhecem alguma coisa boa no Brasil, dizem que “até parece de primeiro mundo”.
Até nos mitos elas são assim. Por exemplo: já vi adesivos de carros com os dizeres “Gnomo – eu acredito”. Vá dizer para uma pessoa dessas que acreditaem Curupira, Saci, Iara ou Boitatá! Aliás, elas acham ridículo fazer festa do Saci em 31 de outubro, mas acham o máximo participar de festas do raloín – epa, Halloween.
Aí é que eu queria chegar para entrar no tema desta conversa.
E começo falando uma coisa óbvia: a literatura não é uma coisa isolada dentro da cultura, nem mesmo dentro do cotidiano das pessoas. Ela costuma refletir o que pensamos, nossos problemas, nossos ideais, e identifica uma nação.  
E o que nós, brasileiros, pensamos de nós mesmos, a nossa identidade, tem sido uma coisa meio negativa, nossa autoestima como nação não é das melhores. Isso aparece muito em jornais, e revistas e em parte da literatura brasileira produzida atualmente.
Finalmente estamos numa fase em que o brasileiro vem perdendo progressivamente o que Nelson Rodrigues chamava de “complexo de vira-lata”.
Mas ainda há um sentimento de inferioridade nossa na literatura e nos espelhamos muito no exterior. Isso se reflete no uso de um vocabulário com o maior número possível de palavras em inglês – mesmo tendo equivalentes em português.
Abro um parêntese aqui para a “vontade” de tornar o português uma língua mais conhecida internacionalmente, o que é bom, mas há coisas desastrosas, como o acordo ortográfico para unificação da língua portuguesa, que só o Brasil cumpre.
Uma das “desculpas” para o acordo era que com a unificação ficaríamos mais acessíveis ao resto do mundo, o que não passa de uma fantasia. Tudo para ficarmos mais “parecidos” com os gringos. Aliás, tem quem defenda eliminar todos os acentos, com o argumento de que “em inglês não tem”.
Foi um acordo altamente nocivo, que – afora eliminar o charmoso trema, por exemplo – custou e custa bilhões ao Brasil, pois bibliotecas escolares costumam transformar em lixo tudo que é “antigo”, quando se muda a ortografia, com a alegação de pedagogos que os livros com grafia antiga confundem os estudantes.
Em outros momentos, já ocorreram ações positivas de afirmação da cultura brasileira. Basta lembrar a Semana de Arte Moderna, de 1922.
E o que propomos é isso: uma afirmação da literatura brasileira, que inclui a abordagem de temas brasileiros, o uso de um vocabulário brasileiro e até a “contrarreforma” ortográfica, readotando o trema e até mesmo – eu radicalizaria – a volta dos acentos diferenciais e de colocação de acento grave nas sílabas subtônicas (ex.: cafèzinho).
No português do Brasil há influências indígenas, africanas e de imigrantes que enriquecem e diferenciam o vocabulário, com variações regionais enriquecedoras do idioma. Isso é bom, enriquece nosso português brasileiro. Só que é uma coisa que passa por um processo de assimilação de imigrantes, não é colocada sem mais nem menos de lá pra cá.
Vou defender aqui uma proposta que não é xenófoba. É de afirmação, mas sem preconceito nem desconhecimento do que acontece no mundo. Assimilar sim, muitas coisas, num processo antropofágico como o defendido por Oswald de Andrade. Mas não fazer festa pra tudo o que vem de fora e torcer o nariz para tudo o que nasce aqui.
Guimarães Rosa, Érico Veríssimo, Jorge Amado, Raquel de Queirós, Manuel Bandeira, Drummond, Antônio Callado,Castro Alves,Euclides da Cunha e muitos outros sempre fizeram uma literatura brasileiríssima, e duvido que alguém possa encontrar neles qualquer traço de xenofobia.
Mas o que tem o Saci com isso?
Em 1917, Monteiro Lobato passeava pelo Jardim da Luz, ponto de encontro da burguesia paulistana, e viu estátuas de nibelungos, fadas, gnomos… E concluiu: parece que estamos perto do Polo Norte! Perguntou: cadê o Saci? Cadê a Iara? Cadê o Curupira?
Foi para a redação do Estadinho (vespertino do Estadão) e pediu que os leitores escrevessem contando se nos locais onde moravam tinha Saci e o que ele fazia. Recebeu tantas cartas que publicou um livrão chamado Inquérito sobre o Sacy.
E o Saci representa bem o brasileiro: é pobre (nem roupa tem), negro e perneta… e vive alegre, é brincalhão. Além disso, ele era índio na origem, virou negro e ganhou o gorrinho mágico dos europeus. É mesmo a síntese do brasileiro. É ícone do nosso imaginário. E o que seria da literatura sem o imaginário?
Um pouco da história do Saci
Saci, em tupi-guarani significa “olho ruim” ou “olho doente”, porque segundo a lenda seu olho se mexia sem parar. Pererê é “saltitante” – aliás, é desta palavra que vem o nome da perereca.
O mito Saci surgiu entre os índios guaranis da fronteira do Brasil com a Argentina e o Paraguai. É uma região de Mata Atlântica. Era um curumim encantado que tirava da mata as pessoas perdidas.
Como os povos dominantes de hoje, os portugueses e espanhóis sabiam que um modo eficiente de domínio de um povo passava pela destruição de sua cultura, incluindo seus mitos. A mitologia tupi-guarani é muito ligada ao meio ambiente, cada mito é ligado a um elemento da natureza e o protege.
Os deuses principais são a Lua (Jacy), criadora e protetora dos vegetais, o Sol (Guaracy), criador e protetor dos animais, e Rudá, deus do amor, que faz com que as criaturas se amem e se reproduzam.
Sob Guaraci, estão os mitos Iara, protetora dos animais que vivem nas águas, e portanto protetora das águas também, Caipora, protetor dos pequenos animais e Anhanga, ou Anhangá, protetor dos grandes animais da floresta.
Sob Jacy estão o Curupira, protetor das matas e Boitatá, protetor dos campos. O Saci é um mito menor, bem abaixo destes, mas acabou se tornando o mais popular de todos.
Os jesuítas transformaram todos esses mitos em demônios, sem contar outros de origem não tupi, como o Jurupari, que aparece nos dicionários de português como o “diabo dos índios”. Mas ele é na verdade o grande legislador, que determina comportamentos bons e outros não bons, puníveis. E nos relatos antigos, punia os que violavam suas leis, batendo em crianças ou maltratando mulheres, por exemplo. A punição era feita através de terríveis pesadelos.
Voltando ao Saci, de curumim que ajudava as pessoas perdidas na mata, passou a ser um ser maligno, com cheiro de enxofre, como convém aos demônios dos cristãos.
Com o tempo, lá pelo fim do século XVIII e início do século XIX, acabou sendo adotado pelos negros. Na cozinha, se uma negra escrava errava na mão e punha sal demais, para não ser punida dizia que foi o Saci que jogou nas panelas. Nas senzalas, quando havia rebeliões em que o líder seria punido com torturas e talvez a morte, nada mais conveniente do que apresentar o iniciador dessas rebeliões o Saci.
Depois, os europeus deram também sua contribuição ao mito Saci, dando a ele o “capuz” mágico, presente em vários mitos europeus. E essa sua única vestimenta era também usada – não como única, claro – pelos republicanos durante a Revolução Francesa. Então, é um símbolo libertário.
Para reforçar essa ideia do Saci libertário, uma das versões para contar porque ele tem só uma perna é de que, quando se tornou negro, foi escravizado e à noite era mantido preso com grilhões em uma perna a um tronco da senzala. Uma noite resolveu cortar a perna presa e fugir. Preferiu ser um perneta livre a um escravo com duas pernas.
Então, vejam, o Saci, além de ser uma síntese do brasileiro, formado por índios, africanos e europeus, é um ser libertário. E é conhecidoem todo o Brasil.
Quando se fala do Saci em qualquer parte do território brasileiro não é preciso explicar “quem” é ele: todo mundo o identifica como um negrinho que usa um capuz vermelho, pita cachimbo, se movimenta num redemoinho e faz artes.
Repito: não estou defendendo aqui nada de xenofobia. Simplesmente acho que o preconceito não é daqui pra lá, mas de lá pra cá, e os colonizados engolem o preconceito e até gostam dele.
No mínimo, um mundo globalizado deveria ter mão dupla, não deveríamos aceitar a condição de repositório de tudo quanto é coisa vinda de fora, inclusive lixo cultural.
Tem um monte de gente que acha que temos que nos inspirar sempre nas coisas do “Primeiro Mundo”, principalmente dos Estados Unidos. Eu já brinquei com um cara desses, dizendo que conheci um sujeito com comportamento radical de Primeiro Mundo: não tomava banho de jeito nenhum.
Inicialmente, me irritava era com o currículo de certos articulistas de jornais, sempre com PhD na universidade de não sei onde. Não eram pós-graduados, eram PhD.
Não interessa se a faculdade em que fizeram esse tal PhD era uma daquelas de beira de estrada nos cafundós dos Estados Unidos, o que interessava era que o curso foi feito na “América”. Para esse tipo de gente, América é lá, aqui somos o quintal da América, apesar do nome ter sido dado ao continente muito antes dos europeus começarem a colonizar a América do Norte.
Seria como se a Alemanha, por exemplo, se apoderasse do nome Europa, tratando os demais países do continente europeu como quintal.
Sei que passou a ser comum gente ligada à música fazer questão de ressaltar que morou não sei quanto tempo em alguma cidade da “América”, como se isso lhe desse uma voz melhor, afinação melhor, musicalidade melhor.
Agora tenho visto um pouco disso também em literatura. Há autores que querem mostrar serem conhecedores do “Primeiro Mundo” ambientando seus romancesem Paris, Nova Yorkou outras cidades do dito-cujo. Às vezes tem sentido, mas muitas vezes fica uma coisa grotesca, mero exibicionismo.
É um direito de qualquer pessoa escrever com o “sotaque” que quiser e ambientar sua obra onde quiser. Que continuem escrevendo. Podem ser livros bons ou ruins, assim como livros escritos no mais estrito vernáculo podem ser bons ou ruins também. Mas acho que deveríamos ter uma maneira de mostrar ao leitor que um determinado livro tem características bem brasileiras.
Um troféu, talvez
O que defendo, o Saci como ícone de identidade da literatura brasileira, serviria sim para identificar e reconhecer um pouco uma literatura voltada para nós, diferentemente desse tipo pretensamente internacional. Minha proposta, se algum dia for aceita, seria criar uma espécie de “selo Saci”.
Livro que recebesse esse selo significaria que ele tem algo a ver com a nossa cultura. Não quer dizer que essa literatura seja nacionalista, nem voltada exclusivamente para o Brasil profundo. Pode ser ambientada em qualquer parte do país, inclusive em comunidades de migrantes, e neste caso obviamente o uso de expressões lingüísticas deles faz obviamente parte do contexto. O não uso delas é que seria anormal.
O Brasil é formado por um montão de povos, e cada um deu e dá sua contribuição à cultura brasileira.
Assim, há livros bem brasileiros que tratam, por exemplo, dos italianos vivendo aqui, de problemas da colonização. É exemplar o livro “Coronéis e Carcamanos”, de Júlio Chiavenatto, tratando da imigração italiana para a região de Ribeirão Preto, para trabalhar na cultura do café.
Falando de outros bem conhecidos, tem “Canaã”, de Graça Aranha, um romance que trata da imigração alemã no Espírito Santo. 
Fernando Moraes publicou há poucos anos o livro “Corações Sujos”, sobre japoneses que viviam no Brasil e não aceitavam a derrota de seu país de origem na Segunda Guerra.
Trata de uma coisa acontecida aqui, com gente que veio para cá e virou brasileira depois, apesar das diferenças inclusive físicas da maioria do nosso povo. Trouxeram sua cultura, tiveram dificuldades de adaptação, e isso faz parte da História e da formação do povo brasileiro.
Falando em japoneses, e extrapolando a literatura, quer mais brasileiro do que o filme “Gaijin”, de Tizuka Yamazaki? E os alemães de “Aleluia Gretchen”, de Sylvio Tendler?
Já que citei esses filmes, quero lembrar uma coisa sobre os civilizados do que chamam de Primeiro Mundo. Fiz uma parte da tradução da “Enciclopédia Contemporânea da América Latina”, da Boitempo Editorial, e entre os textos traduzidos havia um sobre cinema latino-americano.
Por ele, fiquei sabendo de uma coisa que não imaginava: existe um controle das distribuidoras sobre quantos filmes latino-americanos podem ser vendidos de um país para outro dentro do continente. Só quatro filmes por país.
Assim, se a Argentina produzir cinquenta filmes bons num ano, só quatro deles poderão vir para o Brasil, quatro para o Paraguai, quatro para o Chile etc. Não são necessariamente os mesmos quatro em todos os países, podem mandar quatro filmes para cá e outros quatro totalmente diferentes para o Chile, por exemplo.
Mas não adianta querermos mais do que isso. Existe um controle feito pelos distribuidores internacionais. Filmes dos Estados Unidos podem vir quantos forem, duzentos, trezentos por ano. Não tem limite.
Se a gente fizesse isso aqui, nós seríamos taxados de subdesenvolvidos, protecionistas, ignorantes e coisas piores, mas eles fazem, assim como ma economia, no comércio. São protecionistas e prepotentes, obrigam o continente a engolir filmes deles e impedem a chegada de filmes que não são da sua lavra. 
Sei que haverá quem queira ridicularizar essas coisas que falei aqui, como tentaram ridicularizar a instituição do 31 de outubro como Dia do Saci. Disseram ser ridículo comemorar o Dia do Saci, mas achavam normal e até interessante se vestir de bruxa e sair por aí festejando o que nem mesmo sabiam o que era.
Estamos sujeitos a rótulos e preconceitos de gente que se submete com prazer a uma pretensa superioridade primeiro-mundista.
Então, voltando à literatura, reafirmo que vejo algo de Saci e de qualidade literária nem um pouquinho inferior à do tal “Primeiro Mundo” em livros como “Os Sertões”, de Eulcydes da Cunha; “Grande Sertão, Veredas”, de Guimarães Rosa; “O quinze”, de Raquel de Queirós; toda a literatura de Jorge Amado, que só aprecio em parte, mas é incontestavelmente brasileira; “Galvez, Imperador do Acre”,de Márcio Souza,tudo de Graciliano Ramos, Érico Veríssimo, Machado de Assis, Lima Barreto e João do Rio, dos poetas João Cabral de Mello Netto, Carlos Drummond de Andrade, Manuel Bandeira, Mário Quintana, Manoel de Barros e Patativa do Assaré, entre muitos outros.
E também de todos que trazem para os leitores brasileiros temas e personagens que contribuíram para formar o Brasil e os brasileiros.
Para terminar, a União Brasileira de Escritores tem o troféu Juca Pato, para o intelectual do ano, e este ano quem o ganhou foi o geógrafo Aziz Nacib Ab’Saber, que tenho orgulho de dizer que foi meu professor. Além de maior geógrafo vivo do mundo, o professor Aziz é muito provavelmente a pessoa que mais conhece o Brasil, em seus detalhes físicos e humanos.
Por sinal, o professor Aziz nasceu em São Luiz do Paraitinga, sede da Sociedade dos Observadores de Saci e primeira cidade a adotar oficialmente o 31 de outubro como Dia do Saci e seus amigos.
Fiz esse preâmbulo para fazer uma sugestão, que não seria uma concorrência ao Juca Pato. Pensei, indo além da ideia de um “selo Saci”, em propor que tivéssemos também um “troféu Saci”, para nossos autores mais emblemáticos, juntando ao tema tratado uma qualidade literária superior.
Aliás, já teve um troféu Saci para as artes cênicas, dado pelo jornal “O Estadode S. Paulo”. Mas como ele não existe mais, e ninguém é dono do Saci, acho que o perneta pode pular para a literatura que tenha as características do próprio Saci: resistência, liberdade e denúncia contra a opressão e o preconceito.
Esse troféu não seria dado só para uma única pessoa anualmente.
Seria para cada autor que honrasse a nossa literatura, juntando qualidade e brasilidade. E gostaria também que existisse um oposto a ele, para os que mais se submetem à indústria cultural gringa, o “troféu Raloin”. Seria bom, não é? Aliás, para agradar melhor seus recebedores, escrevamos como eles gostam: Halloween.
Enfim…
Viva o Saci!
Viva a Iara!
Viva o Curupira!
Viva o Boitatá!
Vivam todos os mitos brasileiros!
*Mouzar Benedito, jornalista, Colabora com o Blog da Boitempo quinzenalmente.