A divulgação massiva das ocupações de comunidades pobres do Rio de
Janeiro por forças da segurança púbica remonta, segundo especialistas, à
República Velha, quando a hipervalorização dos presos buscava alcançar o
reconhecimento da sociedade para o trabalho policial. Segundo Michel
Misse, professor de sociologia e antropologia da Universidade Federal do
Rio de Janeiro (UFRJ) e diretor do Núcleo de Estudos em Cidadania,
Conflito e Violência Urbana (Necvu) da UFRJ, a pirotecnia fez lembrar
artigos da década de 1950 que criticavam a “aliança” entre imprensa e
polícia para supervalorizar as prisões.
“O interessante é que são artigos críticos de Silvio Terra, que hoje
dá nome à Academia de Polícia do Rio de Janeiro. Desde àquela época já
se identificava a tendência de tornar muito mais importante, inteligente
e perigoso aqueles que eram capturados pela polícia”, diz Misse. “Era
uma forma de hipervalorizar o trabalho [policial]. Desde aquela época,
já existia essa aliança entre a polícia e os veículos de comunicação,
com suas editorias de polícia”.
A anunciada ocupação das favelas da Rocinha e do Vidigal no Rio de
Janeiro domina o noticiário há uma semana. Mesmo antes da madrugada de
domingo (13), quando as forças policiais subiram o morro, a prisão dos
policiais que tentaram escoltar traficantes em fuga e a captura do
traficante Antônio Bonfim Lopes, o Nem, tiveram ampla cobertura
da imprensa nacional. O assunto também ganhou destaque internacional,
mostrando que o Rio investe para reforçar a segurança para receber dois
megaeventos esportivos mundiais: a Copa do Mundo em 2014 e das
Olimpíadas de 2016.Isso já havia ocorrido no primeiros semestre do ano,
quando as 13 favelas que formam o Complexo do Alemão, na zona norte do
Rio, foram ocupadas por forças da segurança pública.
“Essa aliança explica, em parte, a ênfase na divulgação da prisão de Nem, que era um traficante de varejo”, assinala o professor.
“O Nem já estava negociando com a Polícia Civil sua rendição. O advogado mantinha contatos com a polícia quando ele resolveu fugir”.
De acordo com Misse, o poder econômico do tráfico no Rio está em declínio e já deu vários sinais.
“Um deles foi o acordo feito por facções do Rio com facção de São Paulo. Foi a partir desse momento que o crack
começou a entrar no Rio, coisa que antes os traficantes cariocas não
permitiam”. O avanço das milícias (organizações formadas a partir da
associação entre criminosos e policiais) também demonstra esse
enfraquecimento, acrescentou o diretor do Núcleo de Estudos em
Cidadania, Conflito e Violência Urbana da UFRJ.
Para Marcelo Burgos, professor e coordenador da área de sociologia da
Pontifícia Universidade Católica (PUC) do Rio de Janeiro, a forte ação
midiática está no centro da política de implantação das unidades de
Polícia Pacificadora (UPPs). Segundo ele, o “efeito UPP” tenta vender o
conceito de uma cidade “pacificada”. “A UPP é uma política que se
diferencia de outras até pelas ações de caráter midiático. O que temos
no Rio não é só a UPP, mas também o “efeito UPP.”Embora ressalte que
entende a intenção do governo do Rio em apresentar Nem como um
“troféu”, oprofessor da PUC do Rio vê exagero na cobertura da imprensa.
“O interesse da mídia e a repercussão da prisão de um traficante do
porte do Nem não é compreensível. Apesar de não ser um pé
rapado, de ter domínio territorial (sobre a Favela da Rocinha), de
controlar um volume razoável de dinheiro e de mercadoria (droga), não se
pode considerá-lo um chefão do tráfico. É claro que houve uma
midiatização da prisão dele”.
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