André Barrocal
BRASÍLIA – 18 de novembro de 2011 tem tudo
para ser encarado pelas gerações futuras como uma data histórica na
jovem democracia brasileira, ainda que alguns setores da sociedade, com
razão, vejam insuficiências a limitar o alcance da definição. Nesta
data, a abertura das estranhas do Estado torna-se uma regra. O passado
cinzento que violentou quem reclamava democracia será devassado. O
presente semitranslúcido avançará rumo a uma transparência quase total.
A
exposição intestina do Estado é uma imposição de duas leis sancionadas
nesta sexta-feira. Uma cria a Comissão Nacional da Verdade para trazer a
público tudo o que conseguir reunir, em dois anos, sobre violação de
direitos humanos cometida por agentes públicos motivados politicamente. A
outra é a Lei de Acesso à Informação, que inverte a lógica de que dados
e documentos públicos são confidenciais, podem ficar escondidos para
sempre e só vêm à luz por decisões individuais.
Daqui a seis
meses, todos os órgãos públicos estarão obrigados a divulgar na internet
informações sobre o que fazem com seus recursos – para quem repassam,
por exemplo –, quais as licitações em curso e quais os contratos
assinados. Vale para ministérios, secretarias estaduais e municipais,
Congresso Nacional, assembléias legistalativas estaduais, câmaras de
vereadores, tribunais, procuradorias de justiça. Só escapam prefeituras
de cidades com menos de 10 mil habitantes.
Papéis de conteúdo
sensível poderão ser taxados de “reservados”, “secretos” ou
“ultrassecretos”, mas nenhum poderá passar mais de 50 anos longe do
público. Em algum momento no futuro, será possível conhecer, por
exemplo, detalhes de negociações diplomáticas, registros de reuniões
presidenciais ou decisões de segurança nacional em casos que estiveram
perto de um conflito armado.
“As informações ou documentos que
versem sobre condutas que impliquem violação dos direitos humanos
praticada por agentes públicos ou a mando de autoridades públicas não
poderão ser objeto de restrição de acesso”, diz a lei.
Este
trecho da nova legislação vai ajudar a jogar luz sobre fatos que serão
trazidos à tona com a outra lei sancionada nesta sexta-feira (18), a que
cria a Comissão Nacional da Verdade.
A Comissão vai investigar
atentados aos direitos humanos praticados no país, mas não punirá do
ponto de vista judicial, o que é motivo de reclamação de que a data
histórica está "incompleta". O foco deve ser a ditadura militar
(1964-1985), apesar de a comissão ter um raio de ação maior (1946 a
1988). Todos os papéis, registros, qualquer coisa que ainda esteja com
Forças Armadas e revele tortura e assassinato terá de ser entregue à
Comissão, se requisitado.
“Com a vigência destas duas leis, o
cidadão ganha mais poder perante o Estado, mais poder de controle e
fiscalização, o que reverterá em benefício para a toda a sociedade com o
fortalecimento da democracia”, disse a presidenta Dilma Rousseff, ao
assinar os dois textos, em evento no Palácio do Planalto. “É uma data
histórica para o Brasil. É o dia que a partir de agora iremos comemorar a
transparência e celebrar a verdade.”
A visão presidencial ecoara
também nos dois discursos anteriores a Dilma, proferidos pelo ministro
da Justiça, José Eduardo Cardozo, e o presidente da Comissão Especial
sobre Mortos e Desaparecidos, Marco Antonio Rodrigues Barbosa. “Nós
estamos vivendo um outro momento. O Estado de direito veio para o Brasil
para nunca mais nos abandonar”, disse o ministro. “É inequívoco que
estamos a vivenciar um fato histótico na sanção destas duas leis”,
afirmou Barbosa.
As duas leis serão publicadas no Diário Oficial
da próxima segunda-feira (21). A da Comissão da Verdade não recebeu
nenhum veto. A de Acesso à Informação deverá ter ao menos um veto, para
impedir que indicados do Congresso e da Justiça participem da
classificação de documentos sensíveis pertencentes ao governo federal.
Fotos: Wilson Dias/AB
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