O
projeto, agora, é varrer a “era Lula”, preferentemente destruindo o
político Lula, ainda que seja ao preço de destruir a democracia, para
poder destruir o que ele representa.
Roberto Amaral - Carta Capital
O ponto de partida dessas reflexões é uma obviedade: a crise dos partidos, que no Brasil não é maior nem menor do que a crise dos partidos europeus e norte-americanos. No velho e exausto continente desapareceu a esquerda socialista e os socialdemocratas se confundem com os conservadores, e todos se afundam de braços dados na crise do capitalismo. Nos EUA, o bipartidarismo tacanho é construtor de impasses institucionais, de que é exemplo a negociação do teto da dívida. Em nosso país reproduz-se o esgarçamento ideológico dos partidos de esquerda e é crescente a distância entre a vontade do eleitor e o titular do mandato, construindo a falência do sistema representativo, de que a desmoralização do Legislativo e da vida parlamentar é exemplo acachapante. Ainda no caso brasileiro, talvez nos separando da crise europeia, identificamos perigoso desdobramento, a saber, a desconstituição da política, com a desmoralização do seu fazer e o anúncio de sua desnecessidade.
O ponto de partida dessas reflexões é uma obviedade: a crise dos partidos, que no Brasil não é maior nem menor do que a crise dos partidos europeus e norte-americanos. No velho e exausto continente desapareceu a esquerda socialista e os socialdemocratas se confundem com os conservadores, e todos se afundam de braços dados na crise do capitalismo. Nos EUA, o bipartidarismo tacanho é construtor de impasses institucionais, de que é exemplo a negociação do teto da dívida. Em nosso país reproduz-se o esgarçamento ideológico dos partidos de esquerda e é crescente a distância entre a vontade do eleitor e o titular do mandato, construindo a falência do sistema representativo, de que a desmoralização do Legislativo e da vida parlamentar é exemplo acachapante. Ainda no caso brasileiro, talvez nos separando da crise europeia, identificamos perigoso desdobramento, a saber, a desconstituição da política, com a desmoralização do seu fazer e o anúncio de sua desnecessidade.
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Tira-se a política da vida democrática, fica o quê?
Tiram-se os partidos do processo político, fica o que?
Tirem-se os políticos da política, ficará o quê?
Ainda que a expressão golpe sugira putsch,
ação rápida, virada de mesa, os golpes-de-Estado são longamente
preparados. A implantação do Estado Novo foi gestada já nas entranhas do
governo constitucional de 1934; o golpe militar que culminou com o
suicídio de Vargas e a posse de Café Filho, a serviço da UDN e dos militares,
foi longamente preparado pela grande imprensa que também preparou a
opinião pública para o golpe de 1964 que, na caserna, começou a ser
tramado pelo Gal. Denis (cf. suas memórias) no dia imediato da posse de
João Goulart.
De
comum, na retórica dos golpistas, a denúncia da corrupção, não como
fenômeno em si, mas como doença sistêmica do Estado e, agora, manipulada
pelos partidos que ousam ocupar os cargos para os quais seus
representantes foram eleitos pela vontade da soberania popular. Foi
igualmente o combate à corrupção que construiu Jânio Quadros
(“varre-varre vassourinha, a sujeira desse país”) e Fernando Collor (o ‘caçador de marajás’), com os resultados conhecidos.
Vargas,
homem probo, era acusado por Carlos Lacerda de governar sentado sobre
um “mar de lama”, que se revelou igual às ‘armas de destruição em
massa’ de Saddam.
Não afirmo que esteja em gestação um golpe-de-Estado
(como realmente esteve em 2005), mas digo que estão sendo criadas as
condições subjetivas que amanhã poderão tornar palatável um ataque ao
sistema democrático, como consequência natural da perseguida
desmoralização dos políticos, dos partidos, da democracia, da política e
do Poder Legislativo.
A
quem interessa essa desmoralização da vida pública, afastando o
cidadão da política, ao convencê-lo de que a corrupção é elemento
intrínseco ao fazer político?
Pode o sistema democrático-representativo conviver com a demonização dos partidos?
Quando
a imprensa reduz todos os problemas do país à corrupção, e a apresenta
como intrínseca à política – ameaçando a continuidade do processo
democrático –, ela está igualmente interditando o debate sobre as
questões centrais do país: a desfuncionalidade do regime capitalista.
No
Brasil, a crise dos partidos atinge indistintamente esquerda e
direita. A esquerda renuncia ao papel finalístico de crítica ao regime
econômico, a direita ora se esconde sob o disfarce da socialdemocracia,
ora se transforma em porta-voz de uma imprensa sem compromissos com a
democracia e os interesses nacionais. É esta imprensa, todavia, que
pauta a vida política nacional.
No
Brasil, ao invés de os partidos possuírem meios de comunicação ou de
utilizá-los em seu processo de vida, isto é, na batalha ideológica, é a
imprensa que possui partidos e nessa condição dita-lhes metas, temas,
ações e conspirações. Dessa forma a chamada “grande imprensa” articula a
oposição. A mesma imprensa que participou das operações de
desestabilização do governo Vargas e da preparação do golpe de 1964, por
ela sustentado, é a mesma que não consegue assimilar a emergência
social e política das parcelas menos aquinhoadas da população. Para essa
imprensa preconceituosa, é insuportável as ruas cheias de carros
dirigidos por pobres e pobres superlotando os aeroportos. E mais: é
insuportável que seja essa gente, a gente do povo, quem esteja decidindo
as eleições no Brasil.
Fernando
Henrique Cardoso, em um de seus inumeráveis momentos de excepcional
infelicidade, anunciou o fim da “era Vargas”, prometendo realizar o que
os militares não haviam logrado em 20 anos de ditadura. Também não
conseguiu. Mas a direita é renitente. O projeto, agora, é varrer a “era
Lula”, preferentemente destruindo o político Lula, ainda que seja ao
preço de destruir a democracia, para poder destruir o que ele
representa, e representou a frustrada experiência de João Goulart, donde
a sentença de morte executada no dia 1º de abril de 1964: a emergência
das massas.
Mas, lamentavelmente, não é só isso, pois é inesgotável o poço de preconceitos de nossas elites.
A
Presidência da República foi sempre um posto reservado “aos mais
iguais”, os marechais, os generais, os grandes fazendeiros ou seus
representantes, os doutores. Mas eis que uma disfunção sistêmica permite
a eleição de um outsider: um operário, um líder sindical, de
sobrenome Silva, sem passagem pela academia, expulso pela seca do rincão
mais profundo e pobre do sertão nordestino. E… escandalizam-se os repórteres,
um monoglota. Esse intruso, além de eleger-se, se reelege, e, suprema
humilhação, elege sua sucessora. Nada obstante toda a resistência que
provoca, Lula pode retornar ao poder – este o grande temor da direita
brasileira –, se não fisicamente, muito provavelmente mediante um
governo que seja a continuidade do seu.
Nesse
ponto se dão as mãos o reacionarismo da grande imprensa e a
degenerescência cultural de grande parte da classe-média brasileira:
ambas desprezam o povo, nosso povo, o homem comum das ruas, mestiço,
trabalhador, a quem negam as qualidades de pioneiro e construtor. Por
isso, a elite brasileira quer ser branca, fisicamente europeia e
culturalmente norte-americana; depois de sonhar com Londres e Paris,
construiu como meta de vida passear na Disneylândia. Para essa
elite, para essa classe-média, para essa imprensa é insuportável a
vitória do homem do povo, de um “Zé da Silva”. Pois foi um Silva,
nordestino (ainda mais um nordestino!) expulso de sua terra pela
inclemência do clima, que consertou o Brasil e refez a obra, a
desastrada obra de desconstituição do País, encetada pelo “príncipe” dos
sociólogos brasileiros, professor titular da orgulhosa USP.
É preciso, pois, demolir um sistema político que permite a eleição de um Lula.
O
ponto de partida é a destruição da política, depois da desmoralização
dos políticos e dos partidos. Como sabemos que é impossível sustentar
uma democracia sem políticos e sem partidos políticos…
Esta operação está em curso.
Nem
mesmo os néscios de carteirinha supõem que a atual campanha da grande
imprensa tem por objeto a defesa dos interesses de nosso povo ou de
nosso país. Senão a desmoralização da política.
No
Brasil, a liberdade de imprensa, que precisa ser a mais ampla
possível, limita-se à liberdade, sem responsabilidade, das grandes
empresas de comunicação, que expressam o pensamento único, não apenas
em seus editoriais (que ninguém lê), mas agora quase principalmente no
noticiário, seja nacional seja internacional (repertório das grandes
agências), nas reportagens e no pensamento de seus colunistas e
colaboradores. Estes são escolhidos ou por partilharem do pensamento
patrão, ou por a ele se haverem adaptado para serem colunistas. E nesta
hipótese, serviçais, procuram ser mais realistas do que o próprio rei.
Não
sejamos injustos, porém, atribuindo esse discurso único e a cantilena
reacionária exclusivamente ao mando dos interesses do baronato da
grande imprensa: ela é alimentada, cevada, por uma geração de
jornalistas e repórteres fiel a essa forma unilateral de ver o mundo.
Para essa gente a defesa dos interesses do país é um arcaísmo, a
especulação financeira um sinal de modernismo, a concentração de renda o
caminho do desenvolvimento, a política, um entrave, a democracia, um
“detalhe”.
Um
de seus subprodutos é o denuncismo gratuito, irresponsável, a acusação
que primeiro se faz, para depois perquirir a prova. O denunciado é
condenado já pela simples denúncia, sem possibilidade de reparação
pública. Se amanhã a acusação não se comprova, azar.
Nos
recentes tempos da recente ditadura seus opositores eram, primeiro
demitidos, presos, torturados e muitas vezes “desaparecidos”, para
depois serem processados e em alguns casos até “absolvidos”. Vencido o
terrorismo militar, os políticos são expostos à execração da opinião pública,
eviscerados em sua intimidade política, e ao fim destruídos
eleitoralmente, depois de assassinados moralmente, culpados ou não. A
regra é a mesma: primeiro a pena, depois o julgamento.
Se, por um lado, é plenamente respeitada e garantida a liberdade de imprensa, por qualquer de seus meios, falta ao povo a liberdade de informação ou o direito à informação isenta.
Faltam-nos meios de obter outras visões da mesma realidade, de uma
análise crítica das questões nacionais e internacionais, e qualquer
tentativa de alterar o lamentável quadro vigente é, de forma alarmante,
noticiada pelas empresas de comunicação como ameaça à liberdade de
imprensa.
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Ainda
sob os efeitos das vitórias de Lula, alcançadas sob o tiroteio
implacável de uma imprensa unanimemente opositora, os partidos de
esquerda tendem a subestimar o papel ideologicamente corrosivo exercido
pela grande imprensa – rádios AM, televisão, jornais e revistas —
exercem sobre as cabeças e mentes dos brasileiros.
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