A comédia O Palhaço, dirigida e protagonizada por Selton Mello, tem humor leve, inteligente, que não desfaz de ninguém. O tema – o circo – é uma alegoria para falar de nossas vicissitudes, onde caricatura o brasileiro e brinca com essa temática ao ir fundo nas questões com referência aos filmes muito populares de Mazzaropi e de Os Trapalhões para fazer rir e refletir sobre o povo em que nos transformamos, mas com clareza para mostrar que a história nos fez assim. Como cinema é principalmente imagem, ressalta-se a fotografia de Adrian Teijido, um dos pontos fortes da película.
A força da imagem, aliada a um roteiro bem amarrado e conexo, transforma o filme numa bela pintura que tem tudo para despontar como um dos grandes filmes já produzidos no país. E pelo que se nota atingir bilheteria para alçá-lo entre os mais vistos. É essa junção de fazer cinema com inteligência e ternura, almejando o grande público, que o transforma em novidade alvissareira. Há a influência do Cinema Novo – movimento que revolucionou o cinema nacional nos anos 1950 e 1960 –, em cujo teor desponta a vontade de refletir o país ao mostrar Minas Gerais, terra do diretor, ressaltando que somos um povo único.
A veia cômica transborda em simplicidade e alegoria, com um toque de Bye Bye Brasil (1979)
de Cacá Diegues, mostrando que temos história e vislumbrando a
possibilidade de mudança; remonta também à interiorização do país, como
em 2 filhos de Francisco (2005), de Breno Silveira.
Regional e universal
Mas a obra reflete sobre o brasileiro em que estamos nos transformando
com as mudanças dos últimos anos. É o caipira matreiro que vende um mapa
da Venezuela como se fosse da região, o policial que vai averiguar o
alvará de funcionamento do circo e, na inexistência deste, pede
ingressos para não cumprir com a exigência. É o delegado que para não
manter a trupe circense detida ao se envolverem em polêmica num bar pede
propina pois, afinal, não pode estar em casa para desfrutar a presença
de seu gato.
Numa fala esporádica um personagem conversa com o palhaço Puro Sangue (o
imperdível Paulo José), pai do protagonista (Selton). O personagem
conta a história de seu pai, que vendeu a fazenda para ingleses e perdeu
tudo e, em consequência, ele virou dono de um bar de estrada. E fala:
“o gato bebe leite, o rato come queijo e a gente faz o que sabe”. Num
diálogo com o palhaço Pangaré (Selton), Puro Sangue repete a frase para
tentar convencer o filho, que estava disposto a testar novas
possibilidades na vida, a permanecer no circo. O que de fato acontece.
Pangaré percebe que realmente a sua vocação é ser palhaço e, voltando ao
circo, diz ao pai: “o gato bebe leite, o rato come queijo e eu sou
palhaço”.
O circo é apresentado na tela grande como uma alegoria do país, mas
também como uma demonstração de resistência cultural à opressão massiva
de uma indústria ávida de grandes lucros. Com a valorização exacerbada
do que vem de fora, em detrimento da cultura nacional com suas
representações populares. Por isso o palhaço Pangaré aparece triste no
filme e num diálogo pergunta: “quem via me fazer rir?”, não por uma pura
crise existencial, mas criticando o niilismo de boa parte das produções
cinematográficas e apresenta uma esperança, aliás, o nome do circo.
Para dizer que agora o país tem esperança, assim como o circo
administrado por Pangaré.
O Palhaço mostra que o país ainda tem muitos problemas a
resolver. Mostra a necessidade de aprofundar o entendimento da vida do
país pelo interior adentro como na música de Milton Nascimento e
Fernando Brant, Notícias do Brasil, que diz: “Ficar de frente
para o mar/De costas pro Brasil/Não vai fazer deste lugar um bom país”.
Enfim, um filme para ser assistido por todos os brasileiros.
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