Blog da Boitempo
Calma! Não pensem que é sacanagem eu falar que frequentei o Cu do Padre. Não é safadeza nenhuma, muita gente boa frequentou.
Oficialmente,
o estabelecimento que se localiza atrás da igreja de Nossa Senhora do
Monte Serrat, que fica no largo dos Pinheiros, em São Paulo, chama-se
Bar das Batidas. Mas justamente por causa dessa localização ele ficou
conhecido como Cu do Padre.
Acredito que
seja o primeiro bar de batidas de São Paulo. Foi fundado em 1954.
Recentemente ele foi vendido pelo herdeiro, filho do seu Narciso, que
manteve o bar e a freguesia cativa por décadas, até morrer no início de
2009.
Suas batidas
eram cheias de componentes secretos para ter um sabor especial,
“diferenciado”, para usar a palavra modernosa. Com o novo dono, não sei
se continua igual. Pelo que fiquei sabendo mudou pouco, mas os preços
subiram.
Cheio de
enormes provolones, mortadelas e linguiças penduradas no teto, com
aparência de que estavam ali há décadas, sua marca era o aspecto de
empoeirado, dando a impressão de que nunca um espanador andou por ali…
Mas alguns
frequentadores tradicionais diziam que aquilo era puro charme. Onde
interessava, quer dizer, na limpeza dos copos e dos alimentos
utilizados, era um rigor total. Até o chão era limpíssimo. “Você pode
lamber o chão”, disse-me um adepto incondicional do Cu do Padre.
Exagerou, mas tudo bem.
Foi no Cu do
Padre que tomei a primeira batida que não era simplesmente a de limão,
que já existia em vários lugares, ou aquelas engarrafadas industriais,
de coco, amendoim e não sei que mais, que nunca tive coragem de tomar.
Era 1964, eu
tinha 16 anos de idade, pouco depois de chegar a São Paulo para morar
numa pensão, e um irmão me levou lá, dizendo: “Hoje você vai conhecer
uma coisa diferente”. E era diferente mesmo, na época.
Mas além das
características já citadas, havia outra: o dono, que chamava todo mundo
de “sócio”, era corintiano fanático e durante muito tempo esperava
ansioso que o Corinthians ganhasse um campeonato paulista, na época não
havia o nacional. A decoração do bar incluía distintivos do Timão e uma
coleção de flâmulas penduradas no teto também.
Muitos
jovens nem imaginam que houve época em que havia gente que colecionava
flâmulas, aquelas bandeirinhas triangulares, com distintivos de times,
de empresas ou de qualquer coisa, com alguns dizeres.
Desde 1954,
por coincidência o ano da fundação do bar, o Corinthians não ganhava o
título perseguido, e surgiram então promessas feitas pelo seu Narciso.
Uma delas, segundo a lenda, é que ele tiraria o pó dos provolones e
mortadelas pendurados só quando o Corinthians fosse campeão – “o que vai
demorar muito”, gozavam os “sócios” até meados da década de 1970.
Aliás, um
monte de gente não sabe por que a torcida do Corinthians é chamada de
“Fiel”, e dos torcedores radicais surgiu a Gaviões da Fiel. É justamente
por causa do longo jejum de títulos, sem que ela abandonasse o Timão
que começou a ser chamada pela imprensa de “Fiel Torcida”.
Outra
promessa é a de que as pessoas que cobiçavam as flâmulas penduradas no
teto poderiam ir lá no dia seguinte ao que o Corinthians fosse campeão e
pegar as que quisessem.
Pois bem. Em
outubro de 1977, no dia da final do campeonato paulista, disputado por
Corinthians e Ponte Preta, até uns palmeirenses colecionadores de
flâmulas torceram pelo Corinthians, prevendo incluir algumas raridades
nas suas coleções.
O
Corinthians ganhou por 1 x 0. A festa durou a noite inteira, pois foram
23 anos para chegar lá de novo. Foi uma alucinação coletiva que dominou
São Paulo e que durou até o amanhecer.
Pouco antes
de abrir o Cu do Padre, epa!, o Bar das Batidas, um monte de gente
esperava na porta. O bar abriu, todos entraram correndo para pegar as
flâmulas que queriam, mas… Surpresa! Seu Narciso tinha levado todas para
sua casa na véspera.
Não puderam
pegar as flâmulas, mas comemoraram de forma inédita ali: um daqueles
provolones enormes, que pareciam milenares, pendurados no teto, foi
devidamente retirado, picado e servido gratuitamente como tira-gosto. Um
cara que estava lá jurou que foi assim. Eu não garanto: nem fui lá,
estava com uma baita ressaca depois da noite de bebedeira, pois fui
corintiano também. Só deixei de ser depois que acabou a Democracia
Corintiana, que nem era desse tempo. Mas isso é outra história.
kkk, ri com o post. Interessante.
ResponderExcluirKinha! Achei interessante e hilário......
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