A cegueira começa num único homem, durante a sua rotina
habitual. Quando está sentado no semáforo, este homem tem um ataque de
cegueira, e é aí, com as pessoas que correm em seu socorro que uma cadeia
sucessiva de cegueira se forma… Uma cegueira, branca, como um mar de leite e
jamais conhecida, alastra-se rapidamente em forma de epidemia. O governo decide
agir, e as pessoas infectadas são colocadas em uma quarentena com recursos
limitados que irá desvendar aos poucos as características primitivas do ser
humano.
A força da epidemia não diminui com as atitudes tomadas pelo
governo e depressa o mundo se torna cego, onde apenas uma mulher, misteriosa e
secretamente manterá a sua visão, enfrentando todos os horrores que serão
causados, presenciando visualmente todos os sentimentos que se desenrolam na
obra: poder, obediência, ganância, carinho, desejo, vergonha; dominadores,
dominados, subjugadores e subjugados.
Nesta quarentena esses sentimentos se irão desenvolver sob
diversas formas: lutas entre grupos pela pouca comida disponibilizada,
compaixão pelos doentes e os mais necessitados, como idosos ou crianças,
embaraço por atitudes que antes nunca seriam cometidas, atos de violência e
abuso sexual, mortes,…
Ao conseguir finalmente sair (devido a um fogo posto na
camarata de uma grupo dominante, que instalara ainda mais o desespero
controlando a comida a troco de todos os bens dos restantes e serviços sexuais)
do antigo hospício onde o governo os pusera em quarentena, a mulher que vê depara-se
com a ausência de guarda: “a cidade estava toda infectada”; cadáveres, lixo,
detritos, todo o tipo de sujidade e imundice se instalara pela cidade.
Os cegos
passaram a seguir os seus instintos animais, e sobreviviam como nômades,
instalando-se em lojas ou casas desconhecidas.
Saramago mostra, através desta obra intensiva e sofrida, as
reacções do ser humano às necessidades, à incapacidade, à impotência, ao
desprezo e ao abandono.
Leva-nos também a refletir sobre a moral, costumes,
ética e preconceito através dos olhos da personagem principal, a mulher do
médico, que se depara ao longo da narrativa com situações inadmissíveis; mata
para se preservar e aos demais, depara-se com a morte de maneiras bizarras,
como cadáveres espalhados pelas ruas e incêndios; após a saída do hospício, ao
entrar numa igreja, presencia um cenário em que todos os santos se encontram
vendados: “se os céus não vêem, que ninguém veja”…
A obra acaba quando subitamente, exatamente pela
ordem de contágio, o mundo cego dá lugar ao mundo imundo e bárbaro. No entanto,
as memórias e rastros não se desvanecem.
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