"Eu sou lúcida na minha
loucura, permanente na minha inconstância, inquieta na minha comodidade.
Pinto a realidade com alguns
sonhos, e transformo alguns sonhos em cenas reais.
Choro lágrimas de rir e quando
choro pra valer
não derramo uma lágrima.
Amo mais do que posso e, por medo,
sempre menos do que sou capaz. Busco pelo prazer da paisagem e raramente pela
alegre frustração da chegada. Quando me entrego, me atiro e quando recuo não
volto mais. Mas não me leve a sério, sei que nada é definitivo. Nem eu sou o
que penso que eu sou. Nem nós o que a gente pensa que tem.
Prefiro as noites porque me nutrem
na insônia, embora os dias me iluminem quando nasce o sol. Trabalho sem salário
e não entendo de economizar. Nem de energia. Esbanjo-me até quando não devo e,
vezes sem conta, devo mais do que ganho. Não acredito em duendes, bruxas, fadas
ou feitiços. Não vou à missa. Nem faço simpatias. Mas, rezo pra algum anjo de
plantão e mascaro minha fé no deus do otimismo. Quando é impossível, debocho.
Quando é permitido, duvido.
Não bebo porque só me aceito
sóbria, fumo pra enganar a ansiedade e não aposto em jogo de cartas marcadas.
Penso mais do que falo. E falo muito, nem sempre o que você quer saber. Eu sei.
Gosto de cara lavada — exceto por um traço preto no olhar — pés descalços,
nutro uma estranha paixão por camisetas velhas e sinto falta de uma tatuagem no
lado esquerdo das costas.
Mas há uma mulher em algum lugar
em mim que usa caros perfumes, sedas importadas e brilho no olhar, quando se
traveste em sedução.
Se você perceber qualquer tipo de
constrangimento, não repare, eu não tenho pudores mas, não raro, sofro de
timidez. E note bem: não sou agressiva, mas defensiva. Impaciente onde você vê
ousadia. Falta de coragem onde você pensa que é sensatez.
Mas mesmo assim, sempre pinta um momento
qualquer em que eu esqueço todos os conselhos e sigo por caminhos escuros.
Estranhos desertos. E, ignorando todas as regras, todas as armadilhas dessa vida
urbana, dessa violência cotidiana, se você me assalta, eu reajo."
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