Sob o meu olhar

Aqui neste blog, vocês poderão ver, ler e comentar a respeito do que escreverei. Por meio deste meu olhar sincero, tentarei colocar artigos e dar minha opinião sobre questões atuais como politica, problemas sociais, educação, meio ambiente, temas que tem agitado o mundo como um todo. Também escreverei poesias e colocarei poemas de grande poetas que me afloram a sensibilidade, colocarei citações e frases pequenas para momentos de reflexão.
É desta forma que vou expor a vocês o meu olhar voltado para o mundo.

29/12/2011

Epidemia e conformismo: a banalização da morte violenta

Carta Maior - Paulo Kliass


Dentre os inúmeros temas que freqüentam as páginas dos jornais nessa época, um dos que mais chocam é o relativo às mortes violentas em nosso País. E uma das coisas que mais impressionam é a maneira como a sociedade brasileira termina por lidar com tal realidade.

E uma das coisas que mais impressionam é a maneira como a sociedade brasileira termina por lidar com tal realidade. Uma espécie de conformismo com a brutalidade das cenas, dos choques e das informações. Tudo se passa como se a repetição “ad nauseam” de acidentes e de assassinatos criasse um mecanismo de defesa nas pessoas individualmente, e no inconsciente coletivo, para não mais se deixarem afetar pelo contato tão freqüente com a morte de homens, mulheres e crianças. Fenômeno que muitas vezes passa próximo de si, quase vizinho mesmo a cada um de nós.

Além disso, os números desse tipo de ocorrência por aqui estão muito acima dos limites utilizados pela Organização Mundial para a Saúde (OMS) para caracterizar tal fenômeno como uma “manifestação epidêmica” – 10 mortes anuais por grupo de 10 mil habitantes. Os óbitos provocados pela violência em nossas terras constituem - sim! - uma epidemia

Mortes no trânsito
Tanto quanto as demais formas, o volume das perdas humanas em acidentes de trânsito é algo que me parece inconcebível em uma sociedade que se pretende, digamos assim, civilizada. Os números berram aos nossos olhos. A ponto de o governo federal haver lançado há poucos dias mais uma tentativa para enfrentar o problema. Agora, trata-se do Pacto Nacional pela Redução de Acidentes. Porém, a gravidade do quadro sugere a necessidade de medidas mais profundas. Senão, vejamos.

Ao longo de 2010, houve exatamente 40.610 vítimas fatais em acidentes de trânsito. Não, não houve erro de digitação! O número é esse mesmo! O duro de lidar com estatísticas é que elas podem escancarar uma realidade que muitas das vezes nos recusamos a enfrentar. Durante o ano passado, portanto, houve um total superior a 111 mortes por dia nas ruas e estradas do Brasil. Ou seja, a cada hora morriam quase 5 pessoas em acidentes de trânsito. Para quem não entendeu ainda: a cada 12 minutos uma nova morte. Aguardemos os números a serem consolidados e tabulados pelo Sistema de Informações de Mortalidade (SIM - ligado ao SUS) para 2011. 

Mas as informações para os anos anteriores demonstram que há uma tendência de manutenção desse tipo de evento em patamares muito elevados. O total para 2009 registrou 37.594 óbitos. Em 2008, o sistema havia contabilizado 38.273 mortes. Uma análise mais detalhada para os dados de 2009, por exemplo, evidencia que mais de 80% dos falecidos são homens, sendo que quase a metade estava na faixa etária entre 20 e 39 anos. Em termos de comparação internacional, ocupamos o quinto lugar nesse tipo de tragédia, atrás apenas de Índia, China, Estados Unidos e Rússia.

Mortes com motos
Nos anos mais recentes, porém, uma informação em especial começou a chamar a atenção dos analistas. Trata-se da participação específica das mortes envolvendo acidentes de motociclistas no total dos óbitos em acidentes de trânsito. Desde 2007 que o total de falecimentos com motociclistas passou a superar o total de perdas de ocupantes de veículos e o total de pedestres. Em 2010, por exemplo, foram 10.134 mortes de motoqueiros, ante 9.078 de pedestres e 8.659 de ocupantes de automóveis.

Um dos aspectos que é mais inquietante, quando se analisa esse tipo de informação, refere-se ao fato do fenômeno estar umbilicalmente associado ao processo recente de melhoria da renda das camadas mais pobres da população e o ingresso em um mercado de bens de consumo até então considerados inacessíveis. Nas grandes metrópoles, nas cidades médias e nos rincões do Brasil profundo a presença da moto se faz de forma incisiva e exponencialmente crescente. Desde os “moto-boys” para tentar superar as dificuldades de trânsito até os moto-táxis para suprir as carências de transporte público em regiões menos bem servidas, passando pelo uso de um novo tipo de transporte individual mais rápido e mais barato, o fato é que a motocicleta transformou-se em verdadeiro fenômeno social.

No entanto, aquilo que deveria ser aplaudido como mecanismo de inserção social, na verdade se revela mais como um risco potencial de problemas de diversas ordens – inclusive o risco de perder a vida. A ausência do Estado como um provedor efetivo de políticas públicas abre o espaço para esse tipo de realidade revelada pelas estatísticas. O uso da moto não carrega mais consigo o elemento simbólico da conquista da liberdade e da autonomia, como nos sonhos da década de 70. Ele pode significar, isso sim, a ante-sala da morte. Entre 1996 e 2010, enquanto o número de mortes por atropelamento caiu de 30%, o total de falecimentos em acidentes com motos cresceu 1.300%. Para um período mais recente, entre 2002 e 2010, o total de mortes com motos quase triplicou.

O quadro é complexo e as causas de múltiplas origens. Mas são inegáveis a ausência de programas efetivos de conscientização e a precariedade na fiscalização e punição de irregularidades na forma de conduzir os veículos – tanto as motos como os demais. Soma-se a isso a falta manutenção das mesmas e a ausência de infra-estrutura urbana adequada a tal fluxo veicular. Finalmente, vale lembrar as péssimas condições de trabalho a que são submetidos os profissionais desse tipo de transporte, com carga horária apertada e exigência de desempenho que termina por colocar em risco a própria vida. Em São Paulo, em 2010, as estatísticas registraram a morte de 478 motoqueiros – mais de 1 por dia, quase 10 por semana.

Homicídios
As estatísticas relativas aos homicídios também são impressionantes em nosso País. Mas como nos habituamos às informações cotidianas a respeito das mortes, acabamos por perder um pouco a noção exata dos números e da realidade dramática das famílias e demais pessoas envolvidas. Um estudo consolidado para o Brasil inteiro, realizado por uma instituição especializada, é estarrecedor. Ali podem ser encontradas informações gerais e detalhadas por Regiões, Estados e Municípios.

Em 2010, o total de mortes por homicídios superou o total de mortes em acidentes de trânsito em 25%. Ou seja, foram assassinadas 50 mil pessoas ao longo do ano passado. Pois é, o número impressiona, mais uma vez! De acordo com as informações do SIM, durante os últimos 31 anos (1980 – 2010), houve 1,1 milhão de assassinatos no Brasil! Uma loucura com a qual fomos nos habituando ao longo do tempo, onde a cada dia são adicionados 137 novas mortes por esse tipo de crime. Feitas as contas, chega-se à taxa de um novo morto a cada 10 minutos.

Os telejornais, as notícias dos rádios, os meios de comunicação impressa, as páginas da internet, enfim, todos os veículos contribuem para informar os novos eventos e a sociedade acaba se conformando, com uma espécie de impotência. É uma reação compreensível, face à impossibilidade de solucionar ou intervir em tal quadro de natureza catastrófica. 

Os números relativos às mortes por assassinato em nossas terras revelam-se superiores, em termos de média anual, a um parte expressiva dos conflitos militares internacionais dos últimos anos. Ao longo das últimas 3 décadas, os mais de 30 mil assassinatos anuais aqui registrados foram mais elevados do que a média de mortos por ano na Guerra da Chechênia, de Angola e da intervenção estadunidense no Iraque, entre outros. Assim, talvez devêssemos reavaliar a tão propalada tradição pacifista de nosso País e de nosso povo. Na verdade, ela se esconde por trás de um cotidiano marcado pela violência sem limites e pela impunidade generalizada na apuração das responsabilidades.
As informações recolhidas permitem a construção de um indicador: a taxa de homicídios, com base no número de eventos por cada 100 mil habitantes. O mesmo parâmetro das epidemias apontado no início do artigo. A taxa para 2010 foi de 26,2. As taxas mais elevadas ficaram por conta do biênio 2002/2003, quando superaram a marca de 28 homicídios por 100 mil. Apesar dessa ligeira queda, os valores são muito elevados. E a tendência é preocupante. Por exemplo, ao longo das últimas 3 décadas, apesar da população brasileira ter crescido 60%, a taxa de homicídios cresceu bem mais e atingiu 124%. Por outro lado, a desagregação dos dados, demonstra uma estabilidade ou mesmo uma queda da taxa nas grandes metrópoles e um aumento expressivo nas regiões mais afastadas e cidades de menor porte. Assim, estaríamos face a uma espécie de “interiorização” dos homicídios.

Por outro lado, as informações oficiais confirmam a percepção intuitiva que se tem a respeito de maior incidência da juventude e negros nesse universo, provavelmente em razão de se constituírem em grupos de maior exposição aos fatores de risco e de marginalidade social e econômica. Os jovens (15 a 24 anos) apresentaram em 2010 uma taxa de 52,4 homicídios por 100 mil habitantes, enquanto o restante da população exibia uma taxa bem mais reduzida de 20,5. No que se refere à distribuição racial, a tendência reflete uma queda na taxa entre brancos e aumento entre negros. Ou seja, no período de 2002 a 2010, o número de assassinatos de brancos é reduzido de 19 mil para 14 mil. Já o total anual de homicídios de negros sobe de 27 mil para 33 mil no mesmo período.

Custo para toda a sociedade
Enfim, o quadro é bastante dramático. E isso tudo sem contar os elementos econômicos associados a tais fenômenos. Para além do um custo social e demográfico, há um imenso custo econômico envolvido em tal processo. É o caso dos custos do sistema de saúde, por exemplo. Um estudo do IPEA tentou quantificar esses valores para meados da década passada e chegou à estimativa de R$ 25 bilhões anuais como sendo a fatura total que o País tem que arcar apenas com acidentes de trânsito nas rodovias federais e estaduais, envolvendo despesas com saúde, depreciação dos veículos e equipamentos, horas não trabalhadas, entre outros. Pode-se imaginar qual seria o custo do total das mortes violentas!

A violência está cada vez mais incorporada em nosso tecido social. Como reconhecido pelos organismos que trabalham com o tema, as mortes violentas devem ser reconhecidas como uma verdadeira epidemia nacional. Além da tomada de consciência e do reconhecimento do fenômeno como um problema verdadeiro a ser combatido, torna-se urgente o estabelecimento de políticas públicas efetivas para enfrentar a questão e estabelecer metas para redução de números tão elevados quanto preocupantes.


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