Sob o meu olhar

Aqui neste blog, vocês poderão ver, ler e comentar a respeito do que escreverei. Por meio deste meu olhar sincero, tentarei colocar artigos e dar minha opinião sobre questões atuais como politica, problemas sociais, educação, meio ambiente, temas que tem agitado o mundo como um todo. Também escreverei poesias e colocarei poemas de grande poetas que me afloram a sensibilidade, colocarei citações e frases pequenas para momentos de reflexão.
É desta forma que vou expor a vocês o meu olhar voltado para o mundo.

01/09/2012

Strange Fruit - a fruta amarga do racismo




Strange Fruit: Billie Holiday e a biografia de uma canção, que acaba de sair em português, é a história de uma canção de protesto e também uma denúncia veemente do feroz racismo existente nos EUA

Por José Carlos Ruy


A cantora é simplesmente genial - Billie Holiday. O autor é Abel Meeropol, um professor de inglês no Bronx, bairro de Nova York, que assinava poemas e canções com o pseudônimo Lewis Allan. O tema é assustador: o linchamento de negros nos Estados Unidos, comuns há algumas décadas. Esta é a receita que resultou num dos maiores clássicos da canção de protesto nos EUA: Strange Fruit, cuja história está contada no livroStrange Fruit: Billie Holiday e a biografia de uma canção, de David Margolick, que a editora Cosac Naify acaba de lançar em português.

A música, composta aí pelo final de 1937, foi gravada originalmente por Billie Holiday em abril de 1939 e logo apresentada em público no Café Society, uma espécie de clube noturno que reunia socialistas, comunistas, sindicalistas e democratas em Nova York (foi fechado, no começo da década de 1950, pelos caça-comunistas liderados pelo direitista chefe do FBI, J. Edgar Hoover). Foi um choque. Em sua autobiografia, a própria Billie Holiday registrou o impacto: quando terminou de cantar: silêncio total; “então uma pessoa começou a aplaudir nervosamente e, de repente, todo mundo estava aplaudindo”.


Billie Holiday


Strange Fruit é uma canção inquietante, que sempre provocou adesões fervorosas e rejeições ferozes quando era apresentada. Por um motivo simples, como registra Margolick: ela confronta uma nação (os Estados Unidos) com seus fantasmas mais cruéis.

A menção aos linchamentos é direta, e chocante, e isso faz dela, como disse na época o crítico E. Y. “Yip” Harburg, um “documento histórico”. Outro crítico de jazz, Leonard Feather, tem opinião semelhante: foi “o primeiro protesto relevante em letra e música, o primeiro clamor não emudecido contra o racismo”; com certeza, disse ele, “nenhuma canção na história dos Estados Unidos representa tamanha garantia de silenciar uma plateia ou gerar tanto desconforto”. 

Anos mais tarde, a militante negra e comunista Ângela Davis escreveu, em Blues Legacies and Black Feminism (Legados do blues e feminismo negro), que Strange Fruit devolveu “o elemento de protesto e resistência ao centro da cultura musical negra contemporânea”.

A “fruta estranha” do título e da letra é o corpo dos negros linchados e enforcados em alguma árvore, onde ficavam sangrando, balançando ao vento. Na tradução da letra, publicada neste livro, o tradutor escreveu o verso final assim: “Eis uma estranha e amarga fruta”. Preferi escolher uma versão em português mais ao pé da letra original, que diz “Here is a strange and bitter crop” (Eis uma estranha e amarga colheita), por duas razões. Primeiro em respeito à ênfase que a interpretação de Billie Holiday dava à última palavra, "crop" (colheita); depois por julgar a palavra "colheita" mais adequada para manter o espírito original da canção: enquanto “fruta”, neste último verso, se refere a uma pessoa singular, a palavra ”colheita” se refere a toda uma coletividade “colhida” nas garras da ferocidade racista.

O linchamento de negros, e outras pessoas acusadas de algum crime, era uma espécie de ritual amplamente aceito nos Estados Unidos. Um levantamento conservador indica que, entre 1889 e 1930 ocorreram 3.833 linchamentos, 90% dos quais no Sul, e a imensa maioria eram negros. “Linchamentos tendiam a ocorrer em cidades pequenas e pobres, muitas vezes tomando o lugar, como disse certa vez o famoso jornalista H. L. Mencken, ‘do carrossel, do teatro, da orquestra sinfônica’”, diz Margolick. 

Era uma perversa e feroz “diversão” popular. Eles ocorriam em resposta a uma série de supostos crimes, “não apenas assassinato, roubo e estupro, mas também por insultar uma pessoa branca, por se gabar, por falar palavrão ou comprar um carro. Em alguns casos, não havia infração alguma: era apenas hora de lembrar aos negros ‘metidos’ que eles deviam saber qual era seu lugar”, escreveu o autor.

Margolick endossa a suposição de que a inspiração da canção Strange Fruit tenha sido uma fotografia que, desde a década de 1930, tem sido uma inquietante denuncia visual daqueles crimes coletivos: o linchamento de dois homens negros ocorrido em Marion, Indiana (no Norte, portanto, e não no Sul...). A foto foi amplamente usada como denúncia contra o racismo e Meeropol provavelmente escreveu seu primeiro poema sobre o assunto inspirado nela, que foi publicado no jornal sindical The New Yorker Teacher, em janeiro de 1937.

Abel Meeropol e sua esposa eram militantes clandestinos do Partido Comunista dos Estados Unidos, ao qual foram filiados até 1947 mas, mesmo assim, vigiados pelo FBI até 1970. Em 1941 ele foi forçado a depor em uma investigação sobre atividades comunistas - queriam saber quanto o partido pagou pela música, ou se os lucros iam para o partido, mas ele negou tudo. O casal permaneceu ligado aos comunistas e, na década de 1950, adotaram os filhos menores do casal Ethel e Julius Rosenberg, executados na cadeira elétrica em junho de 1953 depois de um controverso processo onde foram acusados de espionagem a favor da União Soviética.

A própria Billie Holiday chegou a ser convocada, na década de 1940, para depor perante uma investigação anticomunista, para explicar-se a respeito da gravação e das frequentes apresentações de Strange Fruit. Em 1950, Josh White, que havia gravado a música, foi convocado a depor perante o Comitê de Atividades Antiamericanas, coração do tristemente célebre macarthismo.

Billie Holiday morreu ainda jovem, em 1959. Tinha 44 anos e foi devastada pelo abuso do álcool e de drogas. Mas nunca deixou de cantar a canção inquietante que, naqueles anos, foi frequentemente associada à luta por causas progressistas e avançadas. Foi cantada por ela na comemoração do 1º de Maio de 1941, na Union Square, em Nova York. Foi usada, por exemplo, pelo Comitê de Artes Cênicas de Nova York para pressionar os senadores pela proibição dos linchamentos. Na eleição de 1943 embalou a campanha de Ben Davis Jr, o primeiro negro e comunista a ser eleito vereador em Nova York, novamente cantada por ela.

A música popular estadunidense tem inúmeros exemplos de canções e cantores ligados à luta dos trabalhadores e ao protesto social. Um exemplo é Woody Guthrie, o cantor ligado aos comunistas que foi o ídolo da juventude de Bob Dylan; Alfred Hayes e Earl Robinson foram os autores célebre Joe Hill, imortalizada por Joan Baez e que conta a história do militante operário condenado à morte em 1915; há What Did I Do to Be So Black and Blue?, que Louis Armstrong transformou numa espécie de hino da luta contra o racismo. Isto só para citar algumas, de memória... Mas nenhuma se iguala, em influência, desafio e permanência histórica a Strange Fruit, que pode ser ouvida em seguida, na voz da “dona” da canção, Billie Holiday.

 

A música

Strange fruit

Southern trees bear strange fruit,
Blood on the leaves and blood at the root,
Black bodies swinging in the southern breeze,
Strange fruit hanging from the poplar trees.

Pastoral scene of the gallant South,
The bulging eyes and the twisted mouth,
Scent of magnolias, sweet and fresh,
Then the sudden smell of burning flesh.

Here is fruit for the crows to pluck,
For the rain to gather, for the wind to suck,
For the sun to rot, for the trees to drop,
Here is a strange and bitter crop.

A tradução

Fruta Estranha

Árvores do sul produzem uma fruta estranha,
Sangue nas folhas e sangue nas raízes,
Corpos negros balançando na brisa do sul,
Frutas estranhas penduradas nos álamos.

Cena pastoril do heróico sul,
Os olhos inchados e a boca torcida,
Perfume de magnólias, doce e fresco,
E de repente o cheiro de carne queimada.

Aqui está a fruta para os corvos puxarem,
Para a chuva colher, para o vento sugar,
Para o sol secar, para a árvore pingar,
Aqui está a estranha e amarga colheita

Nenhum comentário:

Postar um comentário