Sob o meu olhar

Aqui neste blog, vocês poderão ver, ler e comentar a respeito do que escreverei. Por meio deste meu olhar sincero, tentarei colocar artigos e dar minha opinião sobre questões atuais como politica, problemas sociais, educação, meio ambiente, temas que tem agitado o mundo como um todo. Também escreverei poesias e colocarei poemas de grande poetas que me afloram a sensibilidade, colocarei citações e frases pequenas para momentos de reflexão.
É desta forma que vou expor a vocês o meu olhar voltado para o mundo.

17/06/2012

O silêncio como uma política de memória


 Blog da Boitempo

Por Edson Teles

Nesta semana, ocorreu um momento significante para a memória sobre o período ditatorial e o reconhecimento do impacto político e social da herança autoritária que persiste na atual democracia. Trata-se do encontro dos familiares de mortos e desaparecidos políticos e demais perseguidos pela ditadura com a Comissão Nacional da Verdade, em São Paulo, no dia 11 de junho. O evento marcou a possibilidade de uma nova abordagem da responsabilização do Estado sobre os crimes da ditadura e uma nova compreensão da herança autoritária assumida pela democracia.
Na reunião da Comissão Nacional da Verdade com os familiares, como foi nomeada, estiveram presentes cinco dos sete membros da Comissão (Gilson Dipp, José Carlos Dias, Maria Rita Kehl, Paulo Sérgio Pinheiro e Rosa Maria Cardoso da Cunha) e cerca de 40 parentes de vítimas e perseguidos da ditadura. Não faço aqui um relato da reunião, a qual me pareceu um passo importante de participação dos familiares na pauta dos trabalhos da Comissão, mas chamo a atenção para alguns aspectos observados que evidenciam as relações políticas e o grau de nossa democracia. A reunião transcorreu em um clima de respeito e também de cobrança. Os familiares, por um lado indicaram a esperança de uma nova postura do Estado com a criação da Comissão e, por outro, demonstraram a angústia e a ausência de esferas públicas nas quais pudessem, nestes 25 anos de democracia, expressar suas demandas e construir as narrativas sobre a experiência vivida.
Houve, depois da entrada de civis no governo e da promulgação da Constituição em 1988 somente dois momentos nos quais o Estado brasileiro reconheceu a responsabilidade pelas graves violações de direitos: o primeiro ocorreu com a Lei 9.140, de 1995, de reconhecimento dos mortos e desaparecidos políticos, autorizando a indenização de seus familiares. Os parentes das vítimas tiveram que entrar com os pedidos de reconhecimento junto ao Executivo e, indicando a limitação do reconhecimento de sua condição, tiveram que provar ao Estado que seus entes foram assassinados ou desaparecidos por aquele mesmo Estado, o qual tem e deveria acessar em seus arquivos as provas dos fatos. Ao contrário, o ônus coube às vítimas. Os familiares dos desaparecidos, ao final do processo, além da indenização, recebiam um atestado de óbito sem a causa da morte e a data certa do ocorrido. De certo modo, ao reconhecer a responsabilidade, o Estado desaparecia mais um pouco o corpo do opositor da ditadura. Sem a apuração das circunstâncias do desaparecimento, a localização do corpo e a responsabilização pelo crime, a história do desaparecimento permanece velada e esquecida nos arquivos mais escondidos das Forças Armadas.
No segundo momento de reconhecimento da responsabilidade pelos crimes da ditadura, o Estado brasileiro criou, em 2002, a Comissão de Anistia aos perseguidos políticos. Nascida com a interpretação de que a indenização seria concedida com base nos danos trabalhistas, a responsabilização seguiu uma lógica de discriminação social e de classe. Um dia preso nas dependências da repressão política apresentava, segundo a Lei, um valor indenizatório diferenciado para um juiz e outro para um operário, mesmo tendo sofrido as mesmas violações. Demonstrando ambiguidade e vacilo na política de memória do Estado, a Lei de criação da Comissão de Anistia não utilizou o termo “vítima” para se referir aos que sofreram perseguição política, indicando, nos parece, uma limitação na compreensão de como um Estado democrático deve lidar com as violações de direitos.
Sem dúvida que estas duas leis de reconhecimento e responsabilização do Estado, apesar de seus limites, significaram avanço, inclusive para as vítimas, evidenciado no apoio e em algum modo de participação dos movimentos de familiares em ambas as instituições. Contudo, e este é o fenômeno que nos interessa nesta análise, tais atos se inscreveram tanto como políticas de memória, quanto em uma política de silêncio. Em ambas, na Comissão de Mortos e Desaparecidos e na Comissão de Anistia, foram raros os momentos em que as vítimas puderam construir narrativas sobre a violência sofrida e o modo como compreendiam a história do país. Normalmente, a relação das vítimas se deu por meio de frios papéis de encaminhamento dos pedidos nos quais se inscreviam tentativas de escritas daquilo que não podia ou não devia ser narrado em público. A negação às falas dos que resistiram à ditadura e à fala de seus familiares, que resistiram à imposição do silêncio na democracia, ficou explícita na construção simbólica de que houve no país uma guerra entre dois lados “demoníacos”. Construção negacionista da história de resistência legítima a um estado ditatorial que voltou a ser veiculada no início dos trabalhos da Comissão Nacional da Verdade.
Na reunião dos familiares com a Comissão da Verdade no último dia 11 de junho, o discurso de negação da repressão política contra oposicionistas foi categoricamente recusado pelos comissionários, representando positiva sinalização no sentido de desvelar a história do aparato repressivo da ditadura.
Apesar do pouco tempo para a escuta da narrativa dos familiares, o que deverá ser repensado para os próximos encontros, houve espaço para o depoimento de uma jovem, neta de Heleny Guariba (desaparecida desde 1971), de extrema significância para pensarmos qual verdade precisa ser procurada pelos trabalhos da Comissão. Tomo a liberdade de citar parte do conteúdo e com ela encerro este artigo, diante da certeza de que a nova geração, a dos esculachos, expressa o desejo de rompimento do silêncio imposto por uma transição negociada e mantida com pouca escuta (por vezes nenhuma) dos movimentos sociais:
“(…) o Estado não tem o poder de estabelecer ou restituir minha paz familiar, não tem o poder de me reconciliar com aqueles que me oprimem e oprimem a sociedade, aqueles que reprimiram a possibilidade de um avanço social dando o Golpe de 64 e que reprimiram e trucidaram a resistência à ditadura.
(…) o Estado não pode me dar a memória da avó que eu não tive, nem ao meu pai e ao meu tio a memória da mãe que o Estado tirou a vida tão cedo, nem as famílias que perdem seus pais e filhos diariamente na guerra do Estado contra a pobreza, cujo pretexto, no presente momento, é a guerra, há tanto perdida, contra o tráfico de drogas.
(…) minha necessidade não é a de saber nas profundezas de que mares o corpo de minha avó foi parar, minha necessidade de familiar de uma desaparecida política e de cidadã é que o povo saiba o que aconteceu, por que continua acontecendo, quem continua no poder, que sistema tem se repetido e o que significa a impunidade”.

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