Sob o meu olhar
Aqui neste blog, vocês poderão ver, ler e comentar a respeito do que escreverei. Por meio deste meu olhar sincero, tentarei colocar artigos e dar minha opinião sobre questões atuais como politica, problemas sociais, educação, meio ambiente, temas que tem agitado o mundo como um todo. Também escreverei poesias e colocarei poemas de grande poetas que me afloram a sensibilidade, colocarei citações e frases pequenas para momentos de reflexão.
É desta forma que vou expor a vocês o meu olhar voltado para o mundo.
É desta forma que vou expor a vocês o meu olhar voltado para o mundo.
31/05/2013
Colômbia: um passo rumo à paz. Faltam muitos.
Eric Nepomuceno - Carta Maior
Foram necessários seis meses, muitas idas e voltas, houve tensão em determinados momentos, desalento em outros, mas finalmente o governo colombiano do presidente Juan Manuel Santos e as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia, as FARC, chegaram a um acordo. E essa é uma notícia boa: no primeiro e mais complexo ponto de uma agenda de seis temas chegou-se a um acordo entre a guerrilha mais antiga da América Latina e o governo constitucional da Colômbia.
Faltam outros cinco pontos, é verdade. Mas esse primeiro, pela sua amplidão e por ser foco de violência e divergência desde sempre, tinha um peso especial. Trata-se da questão agrária, e durante esses longos seis meses guerrilha e governo negociaram aspectos tão profundos e diversos como a infra-estrutura e a adequação de terras, desenvolvimento social (saúde, educação, pobreza, moradia), estímulo à produção, economia solidaria e cooperativa, assistência técnica, créditos, subsídios, enfim, tudo que fazia falta quando, e justamente por causa da questão agrária, as FARC se formaram e deram início a uma luta que até hoje não cessou. Foram estabelecidas bases para que os sem-terra deixem de ser sem-terra.
Desde novembro do ano passado os dois lados tratam de negociar em Havana, ao amparo de Cuba, da Noruega, da Venezuela e do Chile.
É verdade que os colombianos tiveram experiências amargas num passado não muito distante, quando guerrilha e governo buscaram um acordo de paz e não se chegou a parte alguma. A última dessas experiências foi em 2001.
Mas também é verdade que, desta vez, há razões concretas para otimismo. Se efetivamente implantado, esse primeiro dos seis pontos em discussão irá transformar, de maneira radical, o campo colombiano.
O próximo ponto começará a ser discutido, sempre em Havana, no dia 11 de junho. O tema não é nada fácil: a participação política das FARC na vida do país, depois que desmobilize suas tropas.
Na verdade, o acordo em si, que só existirá se houver consenso com relação a todos os pontos de sua agenda, desperta reações divergentes – profundamente divergentes – na Colômbia.
A questão da participação dos ex-guerrilheiros na vida política, por exemplo, é rejeitada, segundo algumas pesquisas, por 67% da opinião pública colombiana. Para essa parcela majoritária, nenhum guerrilheiro deveria poder ocupar cargos públicos ou se candidatar a nada. Ao contrário: deveria ser julgado e condenado.
Ao mesmo tempo, 70% dos entrevistados dizem almejar que se chegue, de uma vez por todas, a um acordo de paz com a guerrilha. Esses 50 anos de violência provocaram milhares de mortos, deslocaram dezenas de milhares de colombianos de sua região para outra, impediram um desenvolvimento econômico mais acelerado (bem, isso na suposição de que os diferentes governos ao longo desse período tivessem alguma proposta concreta...).
O governo diz que não busca a paz com impunidade, mas uma paz digna. E que haverá uma campanha de esclarecimento junto ao eleitorado, que será convocado para ratificar o acordo, quando for a hora. A guerrilha diz que se está avançando mais que nunca, mas que ainda falta muito.
Se esse primeiro passo no acordo foi saudado por governos de tendências tão avessas como Washington e Caracas, na opinião pública colombiana as reações foram divididas. É natural, numa sociedade tal polarizada com relação ao tema da paz.
Já a oposição ao presidente Santos, a começar por seu antecessor e principal mentor, Álvaro Uribe, não poderia ter reagido de maneira mais furibunda. Ele foi duro e contundente em seus comentários. Disse, por exemplo, que o acordo será um prêmio aos ‘terroristas’, e que é inaceitável que o modelo agrário colombiano ‘seja negociado pelo governo de Santos com o narco-terrorismo’.
José Lafourie, presidente da Federação Colombiana de Pecuária, fez exatamente o que se podia esperar dele e de seus pares: criticou duramente o acordado, dizendo que ‘a face anti-empresarial das FARC atrasou por décadas o desenvolvimento rural do país’. Outro digno representante das elites do país, Oscar Zuluaga, foi direto ao ponto: muito mais do que reformas do setor rural, o que se acordou em Havana foi uma recolocação total do modelo de desenvolvimento do país.
Há muito chão pela frente, e nada será fácil. As FARC insistem: não querem uma negociação-express, preferem discutir cada linha, cada palavra, com calma, para estabelecer acordos fechados em seus mínimos detalhes e, assim, evitar interpretações antagônicas no futuro.
O governo, por sua vez, diz que está disposto a negociar, mas que tem bem claros os limites na hora de conceder.
Claro que na Colômbia há outros desafios gigantescos para serem resolvidos: 33% dos colombianos vivem abaixo da linha da pobreza, por exemplo, e é preciso mudar isso. Mas sem que se chegue a uma paz sólida, tudo que mudar será sempre pouco.
24/05/2013
Os dez anos que mudaram o Brasil
Eric Nepomuceno - Carta Maior
O Bolsa Família, de longe o mais amplo programa de transferência de renda da história brasileira, completa dez anos. Instalado formalmente em outubro de 2003, a dez meses da chegada de Lula da Silva à presidência, beneficiou até agora um pouco mais de 50 milhões de pessoas e ajudou a mudar a cara do país. São dois os requisitos básicos para aceder ao benefício: ter uma renda familiar inferior a 35 dólares por integrante da família e que as crianças frequentem uma escola pelo menos até completar o ensino fundamental.
Se no primeiro ano o programa chegou a três milhões e 600 mil domicílios brasileiros, faltando pouco para completar uma década alcança 13 milhões e novecentos mil em todo o território do país. Considerando-se a média de quatro integrantes por família, se chega a 52 milhões de pessoas, uma população superior a da Argentina. Quase meio México.
O orçamento destinado ao Bolsa Família em 2013 é de doze mil e 500 milhões de dólares, com um valor médio de 35 dólares por membro da família beneficiada. É pouco, certamente. Mas, para os que se beneficiam, é muitíssimo. É a salvação.
Atualmente 45% dos inscritos originalmente em 2003 continuam se beneficiando do Bolsa Família. São 522 mil famílias que jamais deixaram de receber a ajuda do governo. Não existem dados oficiais sobre os demais 55% que inauguraram o programa, mas considera-se que a maior parte deles alcançou outras fontes de renda que, somadas, superam o mínimo determinado para que recebessem o subsídio.
Há registros que mostram que, em dez anos, um milhão e 700 mil famílias – 12% do total que receberam benefícios nesse tempo – desistiram voluntariamente do benefício, por haver obtido ingressos superiores aos 35 dólares por cada um de seus integrantes, o piso mínimo permitido para que se solicite o Bolsa Família.
Vale reiterar: o valor destinado a cada família pode parecer pouco. Na verdade, é pouco. Mas para os que viveriam eternamente condenados a um estado de pobreza aguda e absoluta se não fosse pelo programa, é a salvação.
As conclusões de todos os estudos dedicados a analisar os efeitos do Bolsa Família são unânimes em assegurar que contribuiu de maneira decisiva para reduzir as imensas brechas e desigualdades sociais que sempre foram uma das chagas mais visíveis do país.
Quando foi implantado, o programa foi alvo de críticas furibundas da oposição e dos grandes conglomerados de meios de comunicação, que o reduziam a um mero assistencialismo sem maiores efeitos. Hoje admitem, a contragosto, o papel essencial do Bolsa Família, o mais visível de todos os programas sociais dos governos de Lula da Silva e agora de Dilma Rousseff, para aliviar as agruras de famílias vulneráveis assegurando que, pelo menos seus filhos, tenham acesso mínimo a serviços de educação e saúde.
Contrariando a tese que dizia que a transferência de renda através de programas do Estado iria perpetuar a miséria (a crítica mais ouvida há dez anos era a seguinte: se recebem dinheiro do governo, para que trabalhar?), o resultado obtido até agora indica o contrário.
Para receber o benefício, as crianças têm que frequentar a escola, onde recebem atenção da saúde pública. Deficiente, insuficiente, é verdade. Mas melhor que nada. Passados dez anos, muitos dos filhos das famílias amparadas pelo programa agora vivem por sua própria conta, escolarizados e com chances concretas no mercado de trabalho.
As estadísticas indicam que 70% dos beneficiados com mais de dezesseis anos de idade conseguiram trabalho, contribuindo para aumentar a renda familiar.
As famílias mais numerosas e que vivem em condições de miséria, recebem benefícios superiores à média, que é de uns 300 dólares mensais. A proposta é complementar à renda familiar até alcançar níveis mínimos. Os que têm filhos em idade escolar têm que comprovar que as crianças vão à escola. Algumas famílias chegam a receber 650 dólares por mês, dependendo do número de filhos menores. Costuma acontecer, em áreas de miséria extrema, que um casal tenha oito, nove, dez filhos. Em tais casos, a sobrevivência de todos depende diretamente do que recebem do Bolsa Família.
Passados esses dez anos não há lugar para nenhuma dúvida: o perfil da pobreza mudou radicalmente no país. Muitas casas de pobres foram ampliadas, receberam telhados novos, passaram a ter pisos de cimento ou cerâmica. São casas muito humildes, mas que contam com refrigerador, lava roupa, televisores e, em muitos casos, com um computador com conexão à Internet popular (a preços muito baixos, subsidiados).
E saltam à vista, então, algumas das incongruências típicas, talvez inevitáveis, desta etapa de transição entre miséria e pobreza, ou entre diferentes perfis de pobreza. Há casas de barro, sem esgoto e em condições sanitárias muito precárias, ostentando antenas parabólicas de televisão. Outras contam com luz elétrica muito precária, mas têm telefone celular. Funciona mal, é verdade. Mas à vezes funciona.
Há casas com piso de terra, sem água potável nem torneiras, com o banheiro fora como há meio século, mas com televisão. Em alguns estados brasileiros, o analfabetismo é de tal maneira crônico, que impede até a instalação de indústrias que gerariam emprego e esperança de futuro.
Sim, é verdade, a miséria e a humilhação persistem, mas agora persistem de maneira menos contundente, menos permanente. Já não é como uma sentença eterna, um destino de vida.
Por muito tempo cientistas políticos, sociólogos, antropólogos e um montão mais de ólogos continuarão discutindo as bondades e as falhas de um programa destinado a redistribuir renda, através do Estado, aos desamparados de sempre. Continuar-se-ão debatendo os prós e os contras do assistencialismo de Estado. E, enquanto isso, 52 milhões de brasileiros terão ludibriado um futuro cruel e passando da humilhação e da miséria à pobreza digna.
O Bolsa Família, de longe o mais amplo programa de transferência de renda da história brasileira, completa dez anos. Instalado formalmente em outubro de 2003, a dez meses da chegada de Lula da Silva à presidência, beneficiou até agora um pouco mais de 50 milhões de pessoas e ajudou a mudar a cara do país. São dois os requisitos básicos para aceder ao benefício: ter uma renda familiar inferior a 35 dólares por integrante da família e que as crianças frequentem uma escola pelo menos até completar o ensino fundamental.
Se no primeiro ano o programa chegou a três milhões e 600 mil domicílios brasileiros, faltando pouco para completar uma década alcança 13 milhões e novecentos mil em todo o território do país. Considerando-se a média de quatro integrantes por família, se chega a 52 milhões de pessoas, uma população superior a da Argentina. Quase meio México.
O orçamento destinado ao Bolsa Família em 2013 é de doze mil e 500 milhões de dólares, com um valor médio de 35 dólares por membro da família beneficiada. É pouco, certamente. Mas, para os que se beneficiam, é muitíssimo. É a salvação.
Atualmente 45% dos inscritos originalmente em 2003 continuam se beneficiando do Bolsa Família. São 522 mil famílias que jamais deixaram de receber a ajuda do governo. Não existem dados oficiais sobre os demais 55% que inauguraram o programa, mas considera-se que a maior parte deles alcançou outras fontes de renda que, somadas, superam o mínimo determinado para que recebessem o subsídio.
Há registros que mostram que, em dez anos, um milhão e 700 mil famílias – 12% do total que receberam benefícios nesse tempo – desistiram voluntariamente do benefício, por haver obtido ingressos superiores aos 35 dólares por cada um de seus integrantes, o piso mínimo permitido para que se solicite o Bolsa Família.
Vale reiterar: o valor destinado a cada família pode parecer pouco. Na verdade, é pouco. Mas para os que viveriam eternamente condenados a um estado de pobreza aguda e absoluta se não fosse pelo programa, é a salvação.
As conclusões de todos os estudos dedicados a analisar os efeitos do Bolsa Família são unânimes em assegurar que contribuiu de maneira decisiva para reduzir as imensas brechas e desigualdades sociais que sempre foram uma das chagas mais visíveis do país.
Quando foi implantado, o programa foi alvo de críticas furibundas da oposição e dos grandes conglomerados de meios de comunicação, que o reduziam a um mero assistencialismo sem maiores efeitos. Hoje admitem, a contragosto, o papel essencial do Bolsa Família, o mais visível de todos os programas sociais dos governos de Lula da Silva e agora de Dilma Rousseff, para aliviar as agruras de famílias vulneráveis assegurando que, pelo menos seus filhos, tenham acesso mínimo a serviços de educação e saúde.
Contrariando a tese que dizia que a transferência de renda através de programas do Estado iria perpetuar a miséria (a crítica mais ouvida há dez anos era a seguinte: se recebem dinheiro do governo, para que trabalhar?), o resultado obtido até agora indica o contrário.
Para receber o benefício, as crianças têm que frequentar a escola, onde recebem atenção da saúde pública. Deficiente, insuficiente, é verdade. Mas melhor que nada. Passados dez anos, muitos dos filhos das famílias amparadas pelo programa agora vivem por sua própria conta, escolarizados e com chances concretas no mercado de trabalho.
As estadísticas indicam que 70% dos beneficiados com mais de dezesseis anos de idade conseguiram trabalho, contribuindo para aumentar a renda familiar.
As famílias mais numerosas e que vivem em condições de miséria, recebem benefícios superiores à média, que é de uns 300 dólares mensais. A proposta é complementar à renda familiar até alcançar níveis mínimos. Os que têm filhos em idade escolar têm que comprovar que as crianças vão à escola. Algumas famílias chegam a receber 650 dólares por mês, dependendo do número de filhos menores. Costuma acontecer, em áreas de miséria extrema, que um casal tenha oito, nove, dez filhos. Em tais casos, a sobrevivência de todos depende diretamente do que recebem do Bolsa Família.
Passados esses dez anos não há lugar para nenhuma dúvida: o perfil da pobreza mudou radicalmente no país. Muitas casas de pobres foram ampliadas, receberam telhados novos, passaram a ter pisos de cimento ou cerâmica. São casas muito humildes, mas que contam com refrigerador, lava roupa, televisores e, em muitos casos, com um computador com conexão à Internet popular (a preços muito baixos, subsidiados).
E saltam à vista, então, algumas das incongruências típicas, talvez inevitáveis, desta etapa de transição entre miséria e pobreza, ou entre diferentes perfis de pobreza. Há casas de barro, sem esgoto e em condições sanitárias muito precárias, ostentando antenas parabólicas de televisão. Outras contam com luz elétrica muito precária, mas têm telefone celular. Funciona mal, é verdade. Mas à vezes funciona.
Há casas com piso de terra, sem água potável nem torneiras, com o banheiro fora como há meio século, mas com televisão. Em alguns estados brasileiros, o analfabetismo é de tal maneira crônico, que impede até a instalação de indústrias que gerariam emprego e esperança de futuro.
Sim, é verdade, a miséria e a humilhação persistem, mas agora persistem de maneira menos contundente, menos permanente. Já não é como uma sentença eterna, um destino de vida.
Por muito tempo cientistas políticos, sociólogos, antropólogos e um montão mais de ólogos continuarão discutindo as bondades e as falhas de um programa destinado a redistribuir renda, através do Estado, aos desamparados de sempre. Continuar-se-ão debatendo os prós e os contras do assistencialismo de Estado. E, enquanto isso, 52 milhões de brasileiros terão ludibriado um futuro cruel e passando da humilhação e da miséria à pobreza digna.
Augusto Valente e Samuel Gomes: A quem serve a MP dos Portos?
A principal consequência da MP 595 – e a mais nociva – é a possibilidade de prestação de serviço público de exploração de portos por empresas privadas sem licitação. Ele põe fim ao modelo vigente, conhecido como ‘Land Lord Port’, que tem apenas 20 anos de implantação e é praticado em todo o mundo.
por José Augusto Valente e Samuel Gomes*, em Carta Maior
Na primeira metade deste século, o PIB brasileiro cresceu em níveis próximos aos níveis mundiais. A corrente de comércio exterior brasileiro passou de US$ 100 bilhões para US$ 480 bilhões, a movimentação de contêineres elevou-se de 2 milhões para 5,3 milhões e o Brasil teve crescimento no comércio exterior maior que a China e muito maior que os Estados Unidos e Alemanha, no período 2009-2011. Como 95% do comércio exterior brasileiro se dá através dos portos, é razoável imaginar que o marco regulatório do setor tenha contribuído para esta performance.
Apesar disso, surpreendentemente o país é sacudido por uma “urgência”: a imediata e radical substituição do “caótico” modelo portuário brasileiro, acusado de ser a causa de “gargalos” e responsável pelo “custo Brasil”. Esta “evidência” ocupa as manchetes dos principais jornais, as capas das grandes revistas e ganha espaços crescentes nos telejornais e rádio-jornais.
Coincidindo com o repentino alarido da mídia, o governo atua junto ao Tribunal de Contas da União para impedir o julgamento de processo TC-015.916/2009-0.
A base do julgamento seria o robusto relatório da SEFID – Secretaria de Fiscalização de Desestatização e de Regulação que, consolidando anos de extensa e profunda investigação, relatório concluía pela inconstitucionalidade e ilegalidade da prestação de serviço público sem licitação pelos terminais de Cotegipe (BA), Portonave (Navegantes/SC, processo administrativo iniciado em 1999), Itapoá/SC (processo iniciado em 2004) e Embraport (Santos/SP, processo iniciado em 2000) e declarava a leniência fiscalizatória e regulatória da ANTAQ – Agência Nacional de Transportes Aquaviários e da SEP – Secretaria de Portos da Presidência da República.
As informações da imprensa são de que o governo teria comunicado ao TCU que estaria resolvendo o problema com a edição de uma medida provisória. O TCU suspende o julgamento e o governo edita a Medida Provisória 595/2012, revogando a Lei dos Portos e legalizando atividades ilegais dos referidos terminais privados de uso misto que prestavam irregularmente serviço público sem licitação.
Editada a medida provisória, a pressão dirige-se ao Congresso Nacional. A grande mídia passa a divulgar “informações de fontes do Planalto” de que a Presidente não admitiria qualquer alteração na MP. A ministra da Casa Civil Gleisi Hoffman vai à Comissão Mista da MP e repete a cantilena apocalíptica de que o sistema portuário é caótico, está ultrapassado e precisa ser substituído por um outro, mais “moderno” e que estimule os “investimentos privados”.
O modelo vigente até a edição da MP contava com apenas 20 anos de implantação (Lei 8.630/93). É o modelo Land Lord Port, praticado em todas as economias organizadas em todos os continentes, culturas, países novos e antigos e com diferentes regimes políticos. É um modelo universal que resulta da experiência de cinco mil anos de comércio marítimo, do qual o portuário é parte. É como funcionam os principais portos do mundo, como o Porto de Rotterdam, anterior à criação da Holanda, o de Gênova, anterior à Itália, o de Hamburgo, anterior à Alemanha.
No modelo Land Lord, ao Estado cabe o planejamento estratégico, zoneamento, localização e finalidade, metas, segurança, regulação. À iniciativa privada a operação dos terminais. O seu adequado funcionamento pressupõe que o Estado cumpra sua parte. Mas, segundo o TCU, a SEP e ANTAQ atuaram no sentido de sabotar o funcionamento do modelo, ao tempo em que se mostravam candidamente complacentes com a prestação ilegal de serviço público pelos terminais privados de uso misto.
A MP elimina a distinção entre terminais privados de uso público nos portos organizados (arrendatários públicos ou privados selecionados mediante licitação) e terminais de uso privativo misto construídos por empresas públicas ou privadas dentro ou fora do porto organizado, simples autorizatários da ANTAQ.
No marco regulatório revogado, os terminais portuários de uso privativo deviam ter por justificativa de implantação e operação o transporte da carga própria da empresa autorizada, admitindo-se, no caso das áreas de uso misto, a movimentação de cargas de terceiros, em caráter eventual e subsidiário, tão somente para evitar a ociosidade na operação do terminal. Tais terminais exerciam atividade econômica: instalações de auto-serviço que serviam ao seu titular em processos de verticalização logística integrante de processos de integração produtiva. Por isso, poderiam funcionar mediante simples autorização do poder da ANTAQ.
Assim, a principal consequência da MP 595 – e a mais nociva – é a possibilidade de prestação de serviço público de exploração de portos por empresas privadas sem licitação, com contratos eternos.
Logo, sem a obrigação de ofertarem serviço adequado, universal, contínuo e com modicidade tarifária, por prazo determinado e com previsão de reversão dos bens afetados em favor do porto organizado, em evidente assimetria concorrencial em relação aos terminais privados e públicos nos portos organizados, submetidos a todos estes condicionantes.
É o que vinham ilegalmente fazendo os terminais privados beneficiados pela suspensão do julgamento do TCU e pela edição da MP. O terminal da Portonave, por exemplo, movimentava apenas 3% de carga própria e 97% de cargas de terceiros (serviço público) em frente ao Porto de Itajaí/SC e sob as barbas lenientes da ANTAQ e da SEP.
Ocorre que a Constituição veda a hipótese de prestação de serviço público de titularidade de União por particular sem a realização de licitação e submissão ao regime público. O artigo 21, XII, da Constituição estabelece que compete à União explorar diretamente ou mediante autorização, concessão ou permissão os portos marítimos, fluviais e lacustres. E o art. 175 prevê que incumbe ao poder público, na forma da lei, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, sempre através de licitação, a prestação de serviços públicos. Neste sentido, a MP é inconstitucional.
Do ponto de vista da eficiência do sistema portuário e da redução dos custos da movimentação portuária, a MP produzirá efeitos contrários aos preconizados pelos seus defensores. Não existirá a decantada redução de custos pela “competitividade”, em razão de uma imaginária competição entre terminais. A experiência internacional mostra que o que assegura redução de custos portuários é a escala.
Por isso, os principais portos do mundo possuem não mais que três terminais. O verdadeiro escopo da MP é o comércio de contêineres. Quem define o tamanho do navio e o terminal a ser utilizado na carga e descarga de contêineres são os donos dos navios, conforme a demanda e o calado dos portos numa rota comercial. A demanda é resultado do nível da atividade econômica. Calado depende de dragagem. Nada a ver com uma imaginária competição entre terminais.
Os armadores são os grandes beneficiários desta MP, já que são eles e não os usuários que escolhem os terminais onde irão atracar. As dez maiores empresas de navegação do mundo são responsáveis por 70% do comércio marítimo.
Na realidade, são os armadores que recebem a remuneração dos exportadores e importadores e pagam aos operadores pela movimentação portuária. Normalmente, repassam 50% a 60% do valor recebido pela movimentação. O restante incorporam à remuneração global da operação (frete).
Ao vincularem-se a portos privados não submetidos ao regime de prestação de serviço público e diante do enfraquecimento dos portos públicos, os armadores poderão camuflar preços das operações portuárias, simulando reduções de custos e aumentando a gritaria contra o “custo Brasil” e a “ineficiência dos portos públicos”. Em seguida, destruídos os portos públicos e dominado o mercado, imporão suas condições para o transporte marítimo, controlando a logística portuária e reduzindo a competitividade dos produtos industriais brasileiros no comércio internacional. Simples assim.
Outros aspectos poderiam ser objeto de análise, como o regime de trabalho dos portuários e a centralização das decisões de investimentos dos portos organizados no nível federal, mas a exiguidade do espaço e a gravidade dos efeitos da privatização e da desnacionalização dos portos para a economia e a soberania nos levam a privilegiar os aspectos destacados.
Este artigo é escrito antes da votação da MP 595 pela Câmara e pelo Senado. Nossa esperança é a de que, pelo bem do Brasil, ela seja rejeitada ou, quando menos, modificada substancialmente de modo a mitigar o estrago que sua edição já provoca.
José Augusto Valente, consultor em Logística e Transporte, Diretor Executivo do Portal T1 de Logística e Transporte. Samuel Gomes, advogado, membro da REI – Rede de Especialistas Iberoamericanos em Infraestrutura e Transporte, ex-presidente da Estrada de Ferro Paraná Oeste S/A – Ferroeste
23/05/2013
O Globo teme a Comissão da Verdade
Por Altamiro Borges - Blog do Miro
Em editorial publicado nesta terça-feira (21), o jornal O Globo confessa que está com medo do desenrolar das investigações da Comissão da Verdade. A famiglia Marinho, que apoiou o golpe militar de 1964 e que foi recompensada pela ditadura na construção do seu império midiático, faz um apelo para que as apurações sejam limitadas: “A anistia foi concedida no Brasil de forma recíproca, mediante ampla negociação entre o regime e a oposição, como parte do processo de redemocratização, realizado sem traumas, e que, por isso mesmo, resultou numa democracia estável... Não cabe à Comissão encaminhar qualquer nome ao Ministério Público e à Justiça para ser processado por supostos crimes cometidos na repressão política, nem propor qualquer inciativa neste sentido. Seria, no mínimo, ilegal”.
Na prática, o editorial tenta enquadrar os membros da Comissão. Um dia antes, alguns deles propuseram explicitamente a revisão da lei da anistia e a punição dos carrascos da ditadura. A notícia foi publicada por Roldão Arruda, no jornal Estadão. “Ganha corpo entre seus integrantes a ideia de que o relatório final da comissão, a ser divulgado no segundo semestre de 2014, deve recomendar a revisão da interpretação legal em vigor e a responsabilização penal de agentes de Estado que cometeram graves violações de direitos humanos no período da ditadura militar. Atualmente, eles não podem ser responsabilizados pelos crimes que estão sendo apurados pela comissão. Integrantes que defendem a recomendação da mudança argumentam que a lei que criou o grupo, em 2011, incluiu entre as suas tarefas sugerir ao Estado brasileiro medidas eficazes para que as violações não se repitam. Uma dessas medidas seria o julgamento de militares e policiais envolvidos em casos de sequestro, tortura, ocultação de cadáveres e outros crimes na ditadura”.
Entre os proponentes desta mudança está o sociólogo Paulo Sérgio Pinheiro, que não pode ser acusado de revanchista. “Indagado se a comissão vai recomendar que os responsáveis pelos crimes sejam julgados, ele diz que o assunto ainda está em análise. Pessoalmente, diz ser favorável a recomendar que o Brasil acate a decisão da Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) sobre o tema. Em novembro de 2010, o tribunal condenou o Brasil numa ação movida por familiares dos guerrilheiros mortos no Araguaia e impôs ao Estado a obrigação de esclarecer as mortes e localizar os corpos. Ainda considerou inaceitável a concessão de anistia aos perpetradores de crimes contra a humanidade. Naquele mesmo ano, porém, o Supremo Tribunal Federal decidiu manter a Lei de Anistia”, relata o jornalista do Estadão.
O editorial de O Globo evidencia que os trabalhos da Comissão da Verdade ainda poderão resultar em avanços significativos, ajudando o superar o atraso do Brasil na condenação dos crimes da ditadura. A famiglia Marinho está preocupada, o que é um bom sinal. Ela teme, inclusive, por uma necessária convocação dos barões da mídia para explicar as suas ligações com a ditadura e seus carrascos assassinos.
Em editorial publicado nesta terça-feira (21), o jornal O Globo confessa que está com medo do desenrolar das investigações da Comissão da Verdade. A famiglia Marinho, que apoiou o golpe militar de 1964 e que foi recompensada pela ditadura na construção do seu império midiático, faz um apelo para que as apurações sejam limitadas: “A anistia foi concedida no Brasil de forma recíproca, mediante ampla negociação entre o regime e a oposição, como parte do processo de redemocratização, realizado sem traumas, e que, por isso mesmo, resultou numa democracia estável... Não cabe à Comissão encaminhar qualquer nome ao Ministério Público e à Justiça para ser processado por supostos crimes cometidos na repressão política, nem propor qualquer inciativa neste sentido. Seria, no mínimo, ilegal”.
Na prática, o editorial tenta enquadrar os membros da Comissão. Um dia antes, alguns deles propuseram explicitamente a revisão da lei da anistia e a punição dos carrascos da ditadura. A notícia foi publicada por Roldão Arruda, no jornal Estadão. “Ganha corpo entre seus integrantes a ideia de que o relatório final da comissão, a ser divulgado no segundo semestre de 2014, deve recomendar a revisão da interpretação legal em vigor e a responsabilização penal de agentes de Estado que cometeram graves violações de direitos humanos no período da ditadura militar. Atualmente, eles não podem ser responsabilizados pelos crimes que estão sendo apurados pela comissão. Integrantes que defendem a recomendação da mudança argumentam que a lei que criou o grupo, em 2011, incluiu entre as suas tarefas sugerir ao Estado brasileiro medidas eficazes para que as violações não se repitam. Uma dessas medidas seria o julgamento de militares e policiais envolvidos em casos de sequestro, tortura, ocultação de cadáveres e outros crimes na ditadura”.
Entre os proponentes desta mudança está o sociólogo Paulo Sérgio Pinheiro, que não pode ser acusado de revanchista. “Indagado se a comissão vai recomendar que os responsáveis pelos crimes sejam julgados, ele diz que o assunto ainda está em análise. Pessoalmente, diz ser favorável a recomendar que o Brasil acate a decisão da Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) sobre o tema. Em novembro de 2010, o tribunal condenou o Brasil numa ação movida por familiares dos guerrilheiros mortos no Araguaia e impôs ao Estado a obrigação de esclarecer as mortes e localizar os corpos. Ainda considerou inaceitável a concessão de anistia aos perpetradores de crimes contra a humanidade. Naquele mesmo ano, porém, o Supremo Tribunal Federal decidiu manter a Lei de Anistia”, relata o jornalista do Estadão.
O editorial de O Globo evidencia que os trabalhos da Comissão da Verdade ainda poderão resultar em avanços significativos, ajudando o superar o atraso do Brasil na condenação dos crimes da ditadura. A famiglia Marinho está preocupada, o que é um bom sinal. Ela teme, inclusive, por uma necessária convocação dos barões da mídia para explicar as suas ligações com a ditadura e seus carrascos assassinos.
Defender os médicos cubanos; denunciar as políticas de saúde no Brasil! (uma contribuição ao debate)
Otávio Dutra - Correio da Cidadania
[1] Organização Mundial da Saúde, “Cuba: Health Profile”, 2010.
[2] Conselho Federal de Medicina/IBGE, 2010
[3] Para maiores informações sobre o tema consultar o link: http://denemsul2.blogspot.com.br/p/exame-do-cremesp.html
Eis que surge uma noticia bombástica anunciada pelo governo
brasileiro: nos próximos meses está para chegar ao Brasil o primeiro
contingente dos mais de 6 mil médicos e médicas de Cuba previstos até
2015. O fato está gerando um intenso debate na sociedade brasileira,
permitindo que na polarização criada identifiquemos os atores principais
da polêmica, assim como suas intenções de fundo. No bojo deste debate
aparece um tema coadjuvante, intrinsecamente ligado a ele, e não menos
gerador de polêmicas e divergências na sociedade brasileira, a
revalidação dos diplomas médicos expedidos no exterior.
Os atores neste projeto e suas máscaras
De um lado está o governo brasileiro, presidido por Dilma Roussef
(PT). Por outro um dos setores mais conservadores da sociedade
brasileira, capitaneados pelo Conselho Federal de Medicina (CFM) e a
Associação Médica Brasileira (AMB), entre outros porta-vozes do status quo
e do atual modelo hegemônico de saúde no Brasil, em que a saúde não é
mais que uma mercadoria. Existe ainda um terceiro ponto de vista, que
trataremos de enfatizar neste texto.
O Governo anunciou neste 6 de maio o convênio realizado em parceria
com Cuba, que prevê a vinda de milhares de profissionais da medicina
desse país para trabalhar fundamentalmente em 3 áreas do Brasil: sertão
nordestino e Amazônia brasileira; Vale do Jequitinhonha; periferia das
grandes cidades. O convênio faz parte do programa do governo federal
“Brasil mais Médicos”, que tem como objetivo “interiorizar” o acesso à
saúde no país. Desse programa faz parte também o Programa de Valorização
dos Profissionais na Atenção Básica (PROVAB). Em paralelo, o governo
federal tem reduzido anualmente os gastos do orçamento nacional
destinado à área da saúde (somente em 2012 ocorreu um corte de mais de 5
bilhões de reais), assim como uma progressiva entrega dos serviços e da
infra-estrutura pública da saúde à iniciativa privada, através de
parcerias público privadas como as Organizações Sociais (OS), as
Fundações Estatais de Direito Privado (FEDPs), as Organizações da
Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIPs) e a Empresa Brasileira de
Serviços Hospitalares (EBSERH). Tais medidas vêm - em síntese - no
sentido de precarizar o acesso à saúde de grande parte da população,
permitir a apropriação privada dos serviços, pesquisas e da
infra-estrutura pública para gerar lucro e retirar direitos trabalhistas
dos profissionais da saúde. Como se não bastasse, a presidenta Dilma
aprovou nesse ano uma série de subsídios estatais para os planos
privados de saúde. Tudo isso, quando pensamos em atenção integral em
saúde, afunila o já estreito gargalo entre a atenção primária e os
demais níveis de atenção em saúde: aos trabalhadores, saúde básica e
precária; atenção especializada cada vez mais concentrada nos setores
privados.
Com esse conjunto de medidas, o projeto de “interiorização” da saúde
no país - com a vinda dos 6 mil médicos de Cuba e o PROVAB - atuaria
apenas na ponta do Iceberg, levando profissionais de forma
efêmera e precária para o interior, e deixando intacta sua profunda
estrutura baseada no controle do complexo médico-industrial e
farmacêutico da saúde, em que a existência do setor público serve como
alicerce para a acumulação privada de capitais na área, potencializada
por uma profunda cisão entre a atenção básica de saúde e os demais
níveis de especialização. Enquanto isso, em se tratando da formação de
recursos humanos em saúde, dos anos de 2000 a 2013 foram criadas 94
escolas médicas, sendo 26 públicas e 68 particulares, números que apenas
confirmam os caminhos do sistema nacional de saúde, em que a formação
dos profissionais da saúde é hegemonicamente voltada para o mercado da
saúde e para os interesses do complexo médico-industrial e farmacêutico e
das grandes empresas da educação superior. E pior, até mesmo nas
universidade públicas esse modelo é hegemônico. Com esses elementos, não
resta dúvidas de que o projeto de levar médicos para o interior do país
não tem qualquer relação com uma política substancial que modifique o
modelo de saúde do país e permita uma atenção integral a toda população
brasileira.
No entanto, com a divulgação da vinda dos médicos cubanos ao Brasil,
os setores mais conservadores da nossa sociedade começam a mostrar seus
dentes gananciosos e elitistas. Utilizam como porta vozes o CFM e a AMB,
entre outros. Por trás de um falso discurso que preza pela qualidade da
atenção à saúde, esses setores corporativistas estão mais interessados
em manter o poder e o mercado da categoria médica, fundamentados na
medicina privada, defendendo em última instância o controle pelo
complexo médico-industrial e farmacêutico do sistema nacional de saúde,
inclusive alimentando-se da falta de qualidade da atenção pública para
reverter exorbitantes recursos públicos ao privado. Este setores são
xenófobos e anti-populares em sua essência, defendem o status quo
da sociedade brasileira e, com o medo característico das elites
nacionais (em permanente contra-revolução preventiva), direcionam toda
sua munição de mentiras e manipulações para atacar a política de
contratação dos médicos cubanos, contestando sua capacidade
técnico-científica, assim como soltando todo seu veneno e falácias
contra a realidade de Cuba e seu sistema socialista.
A saúde e a doença como um processo determinado socialmente
O processo saúde/doença de uma sociedade é determinado socialmente, e
assim pelas relações de classe existentes em um modo de produção
específico. É necessário compreender a questão da saúde desde uma
perspectiva de classe e do antagonismo dos projetos societários das
classes em luta, ou ficaríamos como cachorro que corre atrás do próprio
rabo, girando sem rumo. Se nosso objetivo é transformar profundamente
suas estruturas, torna-se fundamental pensar a saúde a partir da
perspectiva societária dos trabalhadores e dos setores oprimidos na
sociedade capitalista, aspecto de grande relevância para a construção de
uma sociedade isenta da exploração entre seres humanos, necessariamente
mais coletivizada e de trabalho essencialmente livre. Apenas nesse
sentido a saúde passa, de fato, a ser pensada como a plena satisfação
das necessidades materiais e subjetivas de cada indivíduo e da
coletividade, emancipatória, e não apenas como ausência de doenças. É
imprescindível, para tanto, a construção de um sistema de saúde
obrigatoriamente público, 100% estatal, gratuito, que permita o acesso a
todos os níveis de atenção à saúde e com alta qualidade para todos os
indivíduos, em que o poder popular seja o principal instrumento de
planificação, gestão e controle.
Não existe a possibilidade de mudanças estruturais do sistema de
saúde sem profundas transformações da estrutura econômica e social de um
país. Portanto, é uma luta que se insere no sentido de negar o modo de
produção capitalista, um sistema doente e gerador de doenças; a luta por
um outro modelo de saúde só pode existir se inserida numa estratégica
anti-capitalista. Torna-se necessário, como bandeiras táticas, defender
que os recursos do orçamento nacional direcionados ao pagamento da
dívida pública com os banqueiros e empresários, da isenção de impostos
aos monopólios e da entrega dos nossos recursos naturais e
infra-estrutura ao setor privado devem ser redirecionados aos gastos
sociais, única forma de garantir um acesso universal, integral e de alta
qualidade ao sistema de saúde. Tanto para a formação de recursos
humanos, como para a interiorização com qualidade do acesso ao sistema
de saúde, são necessários muito mais recursos do orçamento nacional
voltados para as áreas de educação e saúde, assim como à previdência, à
arte e cultura, ao esporte, à moradia, etc. Nesse sentido, apenas com
uma Universidade Popular – que sirva aos anseios e às lutas do povo
trabalhador, do ensino à produção de ciência e tecnologia – podemos
garantir a formação de profissionais da saúde comprometidos com a
elevação da qualidade de vida dos setores populares, assim como sua
permanência consciente e voluntária no interior do país, que
necessariamente vem acompanhado da ampliação de uma infra-estrutura para
uma atenção integral em saúde. Não existem paliativos que sejam
suficientes para resolver esses problemas.
Sobre Cuba e seu sistema de saúde
Em Cuba, desde o triunfo popular de 1º de janeiro de 1959, conhecido
como Revolução Cubana, o panorama da saúde no país modificou-se
completamente. Ao mesmo tempo em que se edificava uma nova forma de
organização social - com coletivização dos meios de produção, do
trabalho, das riquezas e do poder - se transformava profundamente o
padrão de saúde e doença do povo cubano. Passados 54 anos, hoje Cuba é
indiscutivelmente uma potência nas áreas da medicina e da biotecnologia.
Sobre a primeira basta dizer que tem os melhores indicadores de saúde
de nosso continente (mortalidade infantil de 4,6 por cada mil nascidos
vivos; 78,9 anos de expectativa média de vida ao nascer, entre outros),
segundo dados da Organização Mundial da Saúde (OMS), assim como uma das
maiores proporções médico/habitante do mundo (1 médico para cada 148
habitantes). Cuba hoje é considerada, por um estudo da organização
britânica Save the Children,
como um dos melhores países para a maternidade do mundo (o melhor da
América Latina), pelo seu exemplar programa materno-infantil e pelos
direitos garantidas à mãe e à criança. Na área da biotecnologia, mesmo
sendo um país de apenas 11 milhões de habitantes, pobre em recursos
naturais e bloqueado economicamente pelo maior e mais sanguinário
império já existente na humanidade, produz mais de 80% dos medicamentos
que consome, exporta medicamentos e vacinas para mais de 50 países,
desenvolve pesquisas de ponta nas áreas de câncer, células tronco,
úlcera diabética, catarata, vitiligo e HIV/AIDS; para resumir alguns dos
avanços técnico-científicos na área da saúde.
E como se não bastasse, Cuba exporta esse modelo de saúde para o
mundo, seja através da missões médicas - ininterruptas desde os
primeiros anos da Revolução - em territórios devastados por desastres e
epidemias na Ásia, África e América Latina, seja pela formação de
profissionais de saúde em todos os continentes, principalmente pela
Escola Latino Americana de Medicina – ELAM. Hoje são mais de 30 mil
médicos cubanos colaborando em missões internacionalistas e um
contingente de mais de 20 mil estudantes de 116 países estudando em
Cuba, a grande maioria nas áreas da saúde. O programa educacional neste
país equilibra um alto nível de preparação técnico-científica (em todos
os níveis de atenção em saúde) com a formação de valores humanos e
princípios, indispensáveis para uma formação integral dos profissionais
de área, fundamentados na saúde como direito universal e não negociável,
na atenção integral e na solidariedade entre os povos. Sobre as missões
internacionalistas, ainda que existam quase 30 mil médicos cubanos fora
do país, não existe um sequer consultório de saúde de família (unidade
básica da atenção primária em saúde no país) em que o médico atenda mais
de 300 famílias. No Brasil, não seria fato incomum encontrar um só
médico atendendo 3 ou 4 mil famílias em uma Unidade Básica de Saúde.
Para se ter uma idéia das diferenças entre o sistema de saúde
brasileiro em relação ao cubano basta analisarmos que o número de
médicos por habitantes em Cuba é de 1/148 habitantes[1], enquanto que a
média do Brasil é de 1/555 distribuídos caoticamente, uma vez que no
estado do Rio de Janeiro é de 1/295 e no Maranhão 1/1638[2]. Vale
ressaltar que no Brasil, diferentemente de Cuba, a assistência à saúde
não é igual para todos e tais proporções entre número de médicos por
habitante ficam ainda piores se considerarmos aqueles que não podem
pagar por serviços privados de saúde e dependem exclusivamente do SUS.
Neste mar de complexidades, o que pensar sobre a vinda dos mais de 6 mil médicos cubanos ao Brasil?
Em primeiro lugar precisamos destacar que a vinda dos mais de 6 mil
cubanos está dentro dos planos do governo de Cuba e não deve alterar de
forma significativa a atenção em saúde de seu povo, pelo contrário, já
que grande parte dos recursos arrecadados pelo convênio com o Brasil
serão direcionados para melhorar a infra-estrutura da área, que mesmo
com os 12% do orçamento nacional de Cuba direcionados à saúde, tem
dificuldades materiais importantes. Também é importante saber que o
perfil dos profissionais que virão ao Brasil é de médicos e médicas com
ampla experiência internacional (com no mínimo 2 missões cumpridas
anteriormente) e de alto perfil técnico-científico, sendo que todos são
especialistas em Medicina Geral Integral (Medicina da Família no Brasil)
e a maioria tem outra especialidade médica, além de mestrado em áreas
da educação.
Sobre sua atuação no Brasil, o fato é que sua chegada, ainda que
trabalhem em condições precárias e inadequadas, modificará
significativamente os índices de saúde das regiões onde irão atuar,
principalmente em se tratando dos índices de mortalidade ocasionados por
doenças infecto-contagiosas, que afetam principalmente populações
vulneráveis como as crianças menores de 5 anos, grávidas e idosos. No
entanto, a falta de recursos, de infra-estrutura e de uma rede de saúde
que permitam a atenção integral à população não vão se modificar um
milímetro sequer. É, sem sombra de dúvidas, mais uma das políticas
paliativas do governo do PT em sua essência, com forte intencionalidade
de conquistar aliados e votos para as eleições presidenciais de 2014.
Contudo, existe uma série de contradições que a vinda dos cubanos irá
explicitar. Uma delas é o próprio debate sobre Cuba e seu modelo
socialista, que naturalmente acontecerá em todos os espaços onde um
cubano ou uma cubana estiverem trabalhando, assim como um intenso
combate de idéias em toda a sociedade brasileira. Outro ponto é que,
ainda que não resolva problemas estruturais, permitirá levar algum
acesso à saúde para uma população esquecida pelos governos do Estado
burguês, elemento que não podemos descartar, mesmo quando pensamos que o
conceito de saúde é muito mais amplo do que a mera ausência de doenças.
Ainda neste ponto, a presença de médicos de Cuba pode desencadear um
debate/mobilização sobre a necessidade de ampliar os recursos à saúde,
da formação de recursos humanos e de uma infra-estrutura que permita uma
atenção integral e de alta qualidade, somente possível com um sistema
100% público e estatal.
Outra questão que deve surgir à tona é o urgente debate sobre a
revalidação dos diplomas expedidos no exterior, hoje centrado num
discurso corporativista e xenófobo do Conselho Federal de Medicina e
seus apêndices conservadores, que antes de considerar a saúde da
população preocupa-se com sua reserva de mercado, já que assim trata a
saúde, como uma mercadoria mais a comprar e vender. No intuito de
dificultar a entrada de “concorrentes”, fecha as portas realizando
provas com alto grau de complexidade, e coloca num mesmo barco os
indivíduos que vão buscar formação médica no exterior (principalmente em
universidade privadas da Bolívia e da Argentina) e o projeto
internacionalista de Cuba para a formação de médicos de ciência e consciência para a América Latina e o mundo,
parafraseando Fidel, em que os princípios da saúde com um direito
universal, público, gratuito, integral e de alta qualidade, convivem com
valores como a solidariedade, o humanismo, o altruísmo e o
internacionalismo proletário.
Em Cuba, além da qualidade da formação e o reconhecimento
internacional de suas instituições de educação médica, existe uma
homogeneidade da formação nas suas diversas instituições de ensino
superior, sem as grandes disparidades da formação como existem no
Brasil. E para além da inegável qualidade técnica da formação médica, há
nos médicos formados em Cuba uma preocupação, como em nenhum outro
lugar no mundo, com a questão humanística e a emancipação do ser humano,
experiência que é levada por eles aos diversos locais do mundo onde
estão presentes. Por esses motivos é imprescindível defender um processo
de revalidação imediato dos brasileiros graduados nesse país, com
complementação curricular à realidade brasileira e inserção no Sistema
Único de Saúde (SUS). O mesmo deve ser defendido para os graduados no
exterior em instituições de qualidade reconhecida internacionalmente.
No que diz respeito à problemática da revalidação dos demais diplomas
expedidos no exterior, passa pelo mesmo debate a respeito da validação
dos diplomas nacionais e deve vir em sintonia com um sistema de
avaliação nos mesmos moldes dos cursos de medicina dentro do território
nacional. No Brasil é fundamental a construção de um método de avaliação
da formação médica com vistas a garantir a qualidade da formação e de
promover os ajustes e investimentos necessários nas escolas médicas para
manter e aprimorar a qualidade da formação. Deve ir, necessariamente,
muito além de uma prova direcionada aos graduados em medicina; passa
pela avaliação integral e continuada da instituição, do corpo docente e
discente, da estrutura universitária, produção científica e da extensão,
qualidade dos campos de estágio e da assistência estudantil. Está é a
única forma possível de identificar quais as faculdades de medicina que
não são mais do que fábricas de diplomas.
Vale lembrar que hoje o exame nacional de revalidação dos diplomas
expedidos no exterior, o REVALIDA, é tão fragmentado e insuficiente
quanto as propostas de Exame de Ordem para os graduados de medicina no
Brasil, que tem sido sucessivamente rechaçados pelos estudantes,
professores e trabalhadores de grande parte das faculdades de medicina
do país, entre elas muitas de grande renome nacional[3].
As instituições que defendem o exame de ordem do direito e da
medicina utilizam-se da dificuldade da prova para regular a entrada de
profissionais no mercado de trabalho e tentam respaldar suas tentativas
de controle da oferta da força de trabalho a partir do discurso da
defesa da qualidade dos serviços. O REVALIDA, assim como o projeto de
exame de ordem encabeçado pelo CREMESP, tem como principio norteador não
o interesse dos usuários dos serviços de saúde ou a qualidade do
atendimento, mas a regulação da entrada de força de trabalho no mercado.
Interessante observar que nas lutas reais por maiores financiamentos
para a saúde, a luta contra a privatização dos serviços públicos, contra
as fundações da área da saúde, em defesa de educação pública de
qualidade, mais verbas para a educação pública, entre muitas outras,
essas entidades não participam.
E o mais importante, como agir frente a essa política?
A notícia da vinda desses milhares de cubanos e cubanos já
desencadeou uma importante disputa no campo das idéias e das ações. É um
momento em que as posições das classes sociais antagônicas dentro do
sistema capitalista se acirrarão. Sendo assim, a posição dos
revolucionários deve ser de crítica na essência das políticas de saúde
do governo Dilma, mas de defesa dos médicos cubanos, sem deixar em
qualquer momento de divulgar ao conjunto da sociedade as reais intenções
de mais essa política paliativa, que ao mesmo tempo que chama médicos e
médicas altamente qualificados de Cuba para trabalhar em regiões sem a
estrutura adequada, corta recursos da saúde e privatiza os serviços e a
infra-estrutura da área, para direcionar os recursos ao pagamento de
banqueiros e empresários do Brasil e do mundo. Também será de
fundamental importância a construção de um forte e amplo movimento
social para amparar os cubanos assim que cheguem em território nacional,
já que em muitos casos estará em risco, inclusive, sua segurança
pessoal. Outra questão importante é aproveitar o momento de debate para
defender a revalidação dos diplomas dos brasileiros e brasileiras
graduados na Escola Latino Americana de Medicina em Cuba, com a devida
complementação curricular nas universidades públicas do Brasil.
A experiência no Tocantins, estado cujo governo estadual em 2005
celebrou um convênio para a vinda de uma centena de médicos cubanos,
mostrou que os setores mais conservadores da sociedade não estão no jogo
para brincar. Muitos cubanos receberam violentas ameaças naquele
momento e, depois de uma intensa luta jurídica, foram expulsos do
Brasil. Esse fato, caso se repita, pode gerar uma importante mobilização
social, que desde já deve ser preparada com a intensificação do debate
em torno à luta por um sistema de saúde 100% estatal e pública, integral
e de alta qualidade, contra qualquer tentativa de
privatização/precarização e em defesa dos médicos e médicas de Cuba que
trabalharão no Brasil, assim como da rebelde, incansável e persistente
Revolução Cubana, exemplo de valores, de idéias e de resistência para os
povos da América Latina e do mundo. E aos que insistem em atacar Cuba
responderemos munidos de Eduardo Galeano:
“Não foi nada fácil esta proeza nem foi linear o caminho. Quando
verdadeiras, as revoluções ocorrem nas condições possíveis. Em um mundo
que não admite arcas de Noé, Cuba criou uma sociedade solidária a um
passo do centro do sistema inimigo. Em todo esse tempo tenho amado muito
esta Revolução. E não somente em seus acertos, o que seria fácil, senão
também em seus tropeços e em suas contradições. Também em seus erros me
reconheço: este processo tem sido realizado por pessoas simples, gente
de carne e osso, e não por heróis de bronze nem máquinas infalíveis. A
Revolução Cubana tem-me proporcionado uma incessante fonte de esperança.
Aí estão, mais poderosas que qualquer dúvida, essas novas gerações
educadas para a participação e não para o egoísmo, para a criação e não
para o consumo, para a solidariedade e não para a competição. E aí está,
mais forte que qualquer desânimo, a prova viva de que a luta pela
dignidade do homem não é uma paixão inútil e a demonstração, palpável e
cotidiana de que o mundo novo pode ser construído na realidade e não só
na imaginação dos profetas.”
[2] Conselho Federal de Medicina/IBGE, 2010
[3] Para maiores informações sobre o tema consultar o link: http://denemsul2.blogspot.com.br/p/exame-do-cremesp.html
Tudo errado em Belo Monte
Rodolfo Salm - Correio da Cidadania
A prestigiada revista britânica 'The Economist' publicou, na edição
de 4 de maio de 2013, um artigo enganador sobre as hidrelétricas na
Amazônia, com ênfase em Belo Monte: “The rights and wrongs of Belo Monte”
(Os acertos e erros de Belo Monte). O texto tenta dar a impressão de
abordar parcimoniosamente os “dois lados” de uma “questão complexa”, mas
na verdade defende descaradamente nosso modelo energético ultrapassado e
devastador. Mais do que isso, advoga pela construção de novas barragens
com grandes reservatórios na Amazônia, o que redundaria no
aprofundamento dos seus impactos ecológicos e sociais. O truque começa
no título que sugere que o projeto Belo Monte tem um lado bom e outro
ruim, enquanto que, na verdade, tudo está errado em Belo Monte.
Mas, afinal, quais seriam os aspectos positivos desta obra? “Visite a
área e Belo Monte hoje se parece imparável e muito menos danoso ao meio
ambiente do que alguns de seus críticos advogam”, observou o autor. Mas
como que Belo Monte, tão precocemente, já poderia parecer menos
destruidor do que previsto? Os sítios de trabalho da obra de construção
da barragem estão gerando uma devastação completa. E não é verdade que
já eram apenas áreas devastadas antes da obra. Extensas florestas com
castanheiras centenárias (árvores protegidas por lei) já foram
derrubadas. Mas não é simplesmente dessa devastação que falavam os
críticos, mas de um processo muito mais amplo, longo e complexo. O fluxo
natural do rio ainda não foi sequer totalmente bloqueado. Então, apesar
de o nível do Xingu estar mais alto do que geralmente estaria nessa
época do ano, retardando o aparecimento das praias, qualquer pessoa bem
informada e bem intencionada sabe que o impacto do seu futuro barramento
ainda nem de longe pode ser sentido. Aliás, as áreas a serem alagadas
ainda nem foram desflorestadas.
Acima de tudo, o impacto da explosão populacional nessa região
sensível da Amazônia só se fará sentir quando as obras acabarem e as
hordas de desempregados partirem literalmente para a pilhagem da
floresta a fim de sobreviver. Então, não há a possibilidade de se dizer
que Belo Monte tem causado menos impacto do que o previsto. O comentário
lembra até a piada do sujeito que cai do alto de um prédio e, ao passar
pelo terceiro andar, já perto do chão, pensa: “até aqui tudo bem!”.
Por um lado, é observado no texto da revista britânica o fato de que
os canais que desviarão a maior parte do fluxo natural do rio Xingu ao
longo da Volta Grande evitarão o alagamento das terras indígenas naquela
área. Mas é ignorado que a grande tragédia para aqueles índios,
possivelmente ainda maior do que seria o alagamento, será o fim do rio
que sempre lhes deu sustento ao passar em frente de suas aldeias. Com o
desvio da maior parte da água, o rio se transformará em sua maior parte
em uma sequência de lagos abandonados, criadores de mosquitos e garimpos
auríferos, que serão a desgraça dos índios e demais moradores da
região. Em outra passagem da reportagem, o autor observa que: “a Norte
Energia separou 3,9 bilhões de reais para o pagamento de ações de
mitigação e compensação. Os construtores devem construir escadas para
peixes, um translocador de barcos para manter o rio navegável, casas
para 8000 famílias, escolas, infraestrutura de saúde, redes de esgoto e
muito mais”, completando maliciosamente: “para ativistas em Altamira e
os índios locais, isso não é o bastante”.
Isso é enganação pura. Qualquer pessoa de boa fé que venha à cidade
investigar o assunto saberá imediatamente que todas essas ações são
fictícias. Praticamente nada tem sido feito para amenizar os impactos de
Belo Monte sobre a cidade que hoje vive o colapso em seu já precário
sistema de saúde. Nenhum hospital foi construído. Um deles, que antes
servia a população, foi reservado para trabalhadores da barragem. O
acesso à educação também é precário e o trânsito ficou caótico. As
escadas de peixes também não funcionarão porque seus “usuários”, peixes
de corredeiras, serão prontamente devorados por piranhas assim que
adentrarem o ambiente do lago. Ademais, pesquisadores já demonstraram a
inutilidade destas estruturas para as populações de peixes migratórios.
Elas simplesmente não funcionam bem. E o serviço de translocação dos
barcos tem feito grandes estragos sobre a estrutura física das
embarcações.
De perto, Belo Monte é um lixo, mesmo aos olhos mais “engenheiros”.
Os construtores são tão porcos e desleixados com a infraestrutura mínima
da cidade que, no próprio acesso ao seu “quartel general”, não há
qualquer iluminação e nem sequer uma pintura de faixa no chão que ajude
minimamente a evitar acidentes. Na porta de seu escritório central, o
que se vê são buracos, lixo espalhado e trânsito caótico. Se eles fazem
isso bem no caminho que são obrigados a percorrer todos os dias,
imaginem como deixam o resto da cidade.
E o que falar da proliferação dos prostíbulos, alguns com moças
trabalhando em condição análoga à escravidão, conforme relatos
publicados recentemente nos grandes jornais, dentro da área diretamente controlada por Belo Monte,
conforme denúncia do Ministério Público Federal? As vítimas foram
trazidas de van de Santa Catarina para Altamira, fechadas em quartos
precários com trancas do lado de fora e vigiadas para não saírem do
local. O Consórcio Construtor de Belo Monte tentou se eximir da culpa
dizendo não ter responsabilidade sobre o funcionamento do “cabaré”. Mas é
necessário passar por duas guaritas controladas por eles para se ter
acesso ao local. E só entra e sai quem eles autorizam. Os trabalhadores,
construtores da barragem, vivem sozinhos, longe de suas famílias, e
precisam de sexo fácil. Como se resolve isso? Simples assim. Numa época
em que o tráfico de seres humanos e a escravidão são escândalos de marca
maior e usualmente recebem destaque da mídia, só isso colocaria em
xeque a obra. Mas vale tudo para Belo Monte.
O texto da The Economist cita o trabalho do professor Philip
Fearnside, do Instituto Nacional para a Pesquisa na Amazônia (INPA), que
compara os lagos das hidrelétricas na Amazônia a “fábricas de metano”,
um “gás do efeito estufa muito mais poderoso” que o CO2. Mas associa o
debate a desastres “do passado” no que se refere às hidrelétricas na
Amazônia, como o lago de Balbina, formado nas proximidades de Manaus na
década de 1980. Sob esse critério, Belo Monte seria uma usina “altamente
eficiente”, como Itaipu. Mas faz questão de ignorar a preocupação do
professor Fearnside, importante crítico das barragens no Xingu, de que
as futuras barragens que serão construídas ao longo do rio Xingu, com o
desenvolvimento do sonho dos governos militares da década de 1970, da
sequência de várias barragens no Xingu, que gerariam os tais 20.000MW,
gerariam uma quantidade colossal de metano, que contribuiria em muito
com o envenenamento da atmosfera do planeta. Nem poderia deixar de
ignorar, pois um dos grandes pontos defendidos no artigo é que o Brasil
estaria perdendo uma grande oportunidade ao deixar de fazer grandes
reservatórios na Amazônia. Ao invés disso, seu autor prefere citar a
bobagem da resolução governamental de que Belo Monte seria a única
hidrelétrica do Xingu. No momento necessário, uma simples canetada da
“presidenta” muda a norma. Isso é fácil para um governo que já alterou
por Medida Provisória, em nome da construção de barragens, o formato de
Unidades de Conservação.
“Tendo gasto pesadamente para fazer o terceiro maior projeto de
engenharia elétrica do mundo, o Brasil corre o risco de ter um retorno
pobre do seu investimento de 14 bilhões de dólares”, é o subtítulo da
matéria. Que Belo Monte sozinho é um fiasco econômico não é novidade e
todo mundo sabe. No período de debates que antecedeu a construção da
obra, os críticos de Belo Monte cansaram de repetir isso. Mas o
jornalista, ao invés de lembrar nossos alertas para essa questão,
preferiu, fantasiosamente, atribuir a nós a suposta previsão de que,
imediatamente começadas as obras, toda a natureza da região
imediatamente se evaporaria como que por mágica.
Não surpreende que o jornalista da The Economist não tenha qualquer
sensibilidade quanto ao meio ambiente, mas mesmo na sua área está claro
que ele não fez o “dever de casa” direito. De todas as falhas do texto, a
mais grave para uma revista de economia é a análise pueril sobre a
necessidade de Belo Monte: “com dezenas de milhões de cidadãos saindo da
pobreza, o Brasil pode satisfazer a demanda apenas se adicionar cerca
de 6.000MW todos os anos ao longo da próxima década à sua capacidade
instalada de 121.000 MW”. Para quem conhece minimamente a questão, e o
pessoal da The Economist está ciente disso, na verdade, não é para
carregar as baterias dos smartphones, e funcionar os DVDs e os
ventiladores da nova classe média brasileira, que estão sendo gastos
tantos bilhões na construção de tantas hidrelétricas na Amazônia. Essa é
a mentirinha favorita da grande imprensa brasileira para convencer o
povão de que as hidrelétricas na Amazônia são necessárias. Na verdade,
esse investimento todo é para a mineração eletrointensiva da região.
Para converter bauxita em alumínio, não para a nossa indústria, mas para
ser exportado, com energia barata embutida, para atender à demanda do
mercado internacional.
Dizer que o Brasil tem sorte em poder explorar o imenso potencial
hidrelétrico da Amazônia equivale a dizer que tivemos “sorte”, desde o
descobrimento em 1500, de ter imensas florestas de pau-brasil, que foram
devastadas para a exportação de corante vermelho, ou uma imensa Mata
Atlântica, a ser devastada para as monoculturas canavieira e cafeeira
baseadas no latifúndio e na mão-de-obra escrava-negra.
A mensagem central da revista para os investidores que a consultam
para se informar sobre o mundo é de que Belo Monte é inevitável. O resto
é bobagem para passar o tempo do leitor na cadeira do avião, com o
recurso, já batido, de tirar barato com a cara do diretor de cinema
hollywoodiano James Cameron, que comparou os construtores de Belo Monte
aos vilões de seu blockbuster Avatar. Também veio a Altamira a atriz
Sigourney Weaver, que enfrentara o monstro de Allien na pele da tenente
Ripley. Mas que, diante do Belo Monstro, preferiu recuar e nunca mais
voltou. O Exterminador do Futuro, Arnold Schwarzenegger, também
apareceu, mas amarelou. Infelizmente, apesar de toda lambança, sobre a
inevitabilidade de Belo Monte, não dá para dizer que o artigo da The
Economist está errado.
Os restos da democracia
Edson Teles - Blog da Boitempo
Hoje,
podemos nos perguntar (ou talvez devemos) sobre o que resta da ditadura?
Passados cerca de 30 anos do fim do regime autoritário, poderíamos
dizer que a transição para a democracia continua em andamento? Quando
assistimos a ocorrência de violência institucional, desrespeito aos
direitos do cidadão ou aos direitos humanos, forte desigualdade social,
pouca participação popular nas decisões, teríamos um sinal de que
estruturas herdadas do período ditatorial permanecem? Ou um modelo de
democracia no qual o povo, elemento fundamental para as decisões
políticas, encontra-se com presença reduzida nas instâncias de governo?
Muito se diz
sobre as ditaduras argentina e chilena terem sido as mais violentas do
continente devido ao numero de mortos e desaparecidos (cerca de 30.000 e
5.000, respectivamente.; no Brasil, a cifra atinge pouco menos de 500
casos). Por outro lado, enquanto no Brasil a ditadura processou mais de
7.000 opositores, na Argentina este numero não passou de 700. Houve no
país uma grande ditadura, mas que soube construir uma judicialização da
repressão.
Contudo, se
medirmos uma ditadura pelas marcas e estruturas por ela deixadas para o
presente, poderíamos dizer que a ditadura brasileira foi uma das mais
violentas. Ela imprimiu nas relações institucionais e políticas
nacionais uma indefinição entre o democrático e o autoritário, nas quais
o legal e o ilícito, o legítimo e o injusto, o justo e o abuso de
poder, a segurança e a violência são lançados em uma zona cinzenta de
indistinção. A promessa democrática de se desfazer das injustiças do
passado e de produzir os remédios necessários para o tratamento do
sofrimento social autorizam tanto as ações sociais de diminuição da
precariedade da vida social, quanto legitimam o acionamento de medidas
emergenciais ou violentas, sem respeito a um modo partilhado de lidar
com a vida social e política.
Há no país
um modo de conjugar lei e anomia que fica mais evidente quando
analisamos como foi encaminhada a transição entre o regime ditatorial e a
democracia. O Brasil é o único país do continente a não ter punido nem
mesmo um agente do estado responsável pelas graves violações de direitos
durante a ditadura. Na Argentina, por exemplo, já são mais de 200
condenados, muitos deles oficiais de alta patente.
As Forças Armadas
brasileiras não assumiram, até hoje, a responsabilidade institucional
sobre os mais de 20 anos obscuros da história do país. É comum, até
hoje, ouvirmos militares da ativa e da reserva fazendo o elogio do
período de repressão, como se não fosse possível termos democracia se
antes não houvesse ocorrido a perseguição, a tortura e o assassinato de
brasileiros que não pensavam como as elites do país.
Práticas de
sucessivos governos democráticos, tais como: a impunidade gerada pela
Lei de Anistia; a gestão do Estado com medidas provisórias; o trato do
sofrimento social através de ações administrativas sem sua inclusão na
lei (por exemplo, Bolsa Família); a tortura nas instituições de
segurança e punição; a presença do Exército nas periferias de grandes
capitais; o desrespeito às normas de uso público de verbas para a Copa
do Mundo; um dos maiores índices de homicídios por parte da polícia no
mundo; e a ausência e o silenciar dos movimentos sociais nas decisões do
Estado são exemplos da presença de algo de autoritário no estado de
direito.
Inaugurou-se
uma democracia social cuja herança das injustiças e carências do
passado (sofremos ditaduras, escravidão, extermínio de índios, problemas
crônicos nas áreas de saúde, educação, alimentação etc.) justifica a
adoção de medidas necessárias e terapêuticas. Sob a promessa de desfazer
os erros cometidos (sempre em outro governo, outro Estado, outra
história) e diminuir o sofrimento social, autoriza-se o acionamento de
medidas emergenciais que dispensam os procedimentos democráticos. Tais
medidas não são ilegais e se encontram dentro do ordenamento. Contudo,
deveriam ser autorizadas somente em situações especiais e de alta
necessidade. A forma como se utiliza na atualidade é uma espécie de ato ilícito autorizado pelo lícito.
Uma lógica
política que se evidencia neste processo e se caracteriza como algo
comum às democracias contemporâneas são os cálculos de governo. Segundo
esta lógica, há toda uma série de relações de forças em conflito que não
podem ser reguladas pelo direito. O ordenamento jurídico inclui em suas
letras o que pode ser observado em sua regularidade e repetição. Mas há
algo que escapa às séries regulares: a ação política singular e
inovadora. Não podemos prever o resultado das relações de forças,
mobilizações de opinião pública, vulneráveis aos acontecimentos
aleatórios e modificáveis pelas constantes alterações na capacidade de
luta dos envolvidos. E, justamente, o modo com que o estado de direito
lida com o não regular é através de um cálculo de governo.
Na lógica da
governabilidade democrática se realiza a conta do que é provável,
compondo com as forças mais poderosas e fixando uma média considerada
possível, além da qual praticamente nada será permitido.
No cálculo da
política de estado os restos são computados, mas possuem um valor
diferenciado – ora sendo importante para dar vazão às ações
reivindicatórias, mas, por outras vezes, sendo manipulados para
autorizar a medida autoritária com a qual o governo imporá suas
decisões. A política do possível cria um consenso cujo resultado é o
bloqueio dos restos resultantes do cálculo, notadamente os movimentos de
resistência às políticas de estado.
Diante da
questão inicial deste texto, sobre o que resta da ditadura, talvez seja
possível realizar uma leve inversão em sua lógica, mas com radical
implicação na leitura da democracia. Perguntar sobre a herança da
ditadura pode indicar que as estruturas autoritárias presentes na
democracia se configurariam como uma falha no sistema. Como se ainda não
tivéssemos conseguido, com 25 anos de estado de direito, reformar as
instituições e, especialmente, uma determinada cultura social e
política. Contudo, se pensarmos em alguns elementos simbólicos da
democracia, nos parecerá que não constataremos somente a herança
ditatorial, mas a decisão política de reafirmar parte deste legado como
integrante da realidade brasileira atual.
Falamos, por
exemplo, da Lei de Anistia de 1979, a qual é lida desde então como ato
de não punição dos envolvidos com a violência do estado ditatorial. No
ano de sua criação ainda vivíamos sob o regime militar, com um Congresso
cassado pouco tempo antes, senadores biônicos – que eram indicados
pelos generais, sem participarem das eleições – e com bombas explodindo
em bancas que vendiam jornais de oposição.
Apesar da leitura de
impunidade da lei advir deste contexto repressivo, o Supremo Tribunal
Federal, em 2010, instado a pronunciar-se sobre a validade da lei para
torturadores, manteve a leitura da não punição aos responsáveis por
torturas e mortes sob o argumento de que a lei de 1979 seria o produto
de um grande acordo nacional.
Vemos, neste
caso emblemático, que aquilo que permaneceu não é mais (ou somente) uma
herança e agora se configura como o produto de um processo ruminado
pelo estado de direito e com decisão final do órgão máximo do
ordenamento jurídico. Se visitarmos outros aspectos da herança
ditatorial, veremos como parte deste legado vem se renovando nas
estruturas da atual democracia. A tortura, institucionalizada na
ditadura, é praticada largamente no atual sistema penitenciário, nas
Febens e nas delegacias. A violência policial vem crescendo
sistematicamente, ampliando seu alvo que, no presente, não é somente o
militante, mas também o jovem de periferia, o favelado, o negro etc.
Parece haver
a consolidação de uma democracia na qual a assimilação do resto da
ditadura produziu um resto da democracia. Refiro-me àqueles para os
quais certo aspecto autoritário é inequívoco e muito concreto, resultado
do que sobrou dos cálculos de governo da vida democrática. Não se trata
aqui de estabelecer uma indistinção entre democracia e ditadura. Ao
contrário, sob a superfície do discurso de uma democracia consolidada e
exemplar, encontramos formas de agir cuja astucia é serem autoritárias e
parecerem democráticas. Há algo bloqueando a efetivação de uma ação
política transformadora que nos leve a reformular a série de questões
inaugurais deste texto.
A pergunta hoje nos parece não tanto saber o que
resta da ditadura, mas qual democracia temos atualmente e qual queremos
no futuro próximo?
21/05/2013
Uma decisão infeliz no Supremo
Correio da Cidadania
Nosso Supremo Tribunal Federal é um órgão do qual todos deveríamos nos orgulhar, pelas características de competência, coragem e equilíbrio que são essenciais à atuação de um órgão com a sua importância e histórico.
Se este é o caso em boa parte das vezes, em algumas delas, porém, proferem-se decisões incorretas. Somos todos humanos, é certo, o que não pode, contudo, impedir-nos de criticar a decisão incorreta.
Uma decisão desse tipo foi tomada há alguns dias.
Aceitando a alegação de cerceamento de defesa, o STF anulou a decisão do Júri que condenou o mandante do assassinato da freira norte-americana Dorothy Stang, no último julgamento realizado em 2010. O advogado do réu alegou cerceamento de defesa, porque teve “apenas” doze dias para examinar os autos.
Convenhamos, doze dias constitui um tempo mais do que suficiente para examinar os autos, até porque não se tratava de um processo volumoso que exigisse o exame de provas documentais complexas, exames periciais complicados. Nada disso. Trata-se do processo relativo a um assassinato cometido à luz do dia, com autor conhecido e confesso, que indicou o mandante de modo cabal e convincente.
Quem assistiu ao Júri pode observar a prepotência do réu, pois, até mesmo sentado na cadeira dos processados, diante do Juiz de Direito, ele encarava as testemunhas com uma fisionomia ameaçadora, procurando amedrontá-las e impedi-las de dizer o que sabiam.
A coisa chegou a tal ponto que o Juiz determinou a mudança da posição da cadeira em que o réu estava sentado, a fim de impedi-lo de encarar as testemunhas.
O mandante é homem poderoso e vai usar o benefício ora concedido para frustrar a Justiça.
A infeliz decisão provocou imediato protesto da Comissão Pastoral da Terra e de outros órgãos da Igreja e da sociedade civil.
Ainda bem que a prisão do acusado foi mantida e que, portanto, ele aguardará, preso, o julgamento do recurso.
Prova de que o próprio Tribunal não tem dúvida acerca da sua periculosidade, pois indica que sabe muito bem que ele iria usar a liberdade para ameaçar diretamente as testemunhas.
Seria ademais um acinte à população e, especialmente, aos membros da Comissão Pastoral da Terra que esse criminoso pudesse passear livremente pela cidade.
Nestas alturas dos acontecimentos, o leite já está derramado. Não há nada que se possa fazer, senão esperar que o novo Júri confirme a correta decisão do primeiro.
O Estadão, a democracia e a ditadura midiática
Maria Inês Nassif - Carta Maior
Eis o receituário contra “os ‘Big Brothers’ de todas as latitudes”, e para evitar o perigo à democracia que a “TV lixo”, aquela que é “um brevê contra a inteligência e o senso crítico dos espectadores”, pode representar em qualquer parte do país: “De um lado, uma política de concessões infensa a coronelismos, complementada por eficaz legislação antitruste, de defesa do consumidor e da concorrência, contra a exacerbação predatória da lei do mais forte no mercado da indústria de informação”; “de outro, o fortalecimento da mídia eletrônica pública, independente tanto do Estado quanto da área privada e, mais ainda, protegida do espúrio contubérnio entre ambos, que gera a ‘ditadura midiática’, na Itália, na Bahia – e em qualquer lugar do planeta.”
Não se trata, leitor, de nenhum texto inspirado na 1ª Conferência Nacional de Comunicação, ocorrida em dezembro de 2009, em Brasília, que discutiu diretrizes, no âmbito da sociedade civil, para a regularização da mídia – aquela conferência que a direita tratou como uma tentativa tomada de poder do governo petista de Luiz Inácio Lula da Silva, via organizações populares. Não, não é nenhuma peça subversiva e nenhuma ofensiva ao status quo da mídia brasileira. É a conclusão de um editorial do conservador jornal “O Estado de S. Paulo”, intitulado “Democracia e ‘ditadura midiática’” e publicado numa nobre edição do domingo, dia 10 de junho de 2001.
Naquela época, todavia, o presidente do Brasil era Fernando Henrique Cardoso; o presidente do Senado, Antonio Carlos Magalhães, havia renunciado ao mandato de senador, depois de ter fraudado uma votação em plenário, e estava então em rota de colisão com FHC, a quem servira desde o início do mandato; e o poder econômico da mídia ainda não havia feito um pacto de não agressão contra um inimigo maior, um governo de esquerda que enterrou duas gestões tucanas que consolidaram no país o receituário conservador, político e econômico, que grassava no mundo, sob o disfarce de modernidade.
ACM, segundo o editorial, era o espécime mais bem acabado do “coronelismo eletrônico que grassava pelo país, em particular nos Estados do Nordeste: o produto político da associação com “o principal conglomerado de emissoras de TV” com os interesses de grupos políticos. Usando da associação com esse conglomerado e da “fidelidade irrestrita à ordem ditatorial”, o senador baiano construiu um “virtual monopólio de mídia e de acesso a verbas publicitárias particulares e públicas [na Bahia], a começar do próprio governo estadual e da prefeitura de Salvador, sob suas asas”.
No momento em que ACM caía no Brasil, na Itália ascendia novamente ao poder Silvio Berlusconi – que chegara a premiê em março de 1994 usando o poder econômico e um império de mídia eletrônica, renunciou em 1994 e chegava novamente ao cargo pelos mesmos recursos, exercitando o que o presidente da segunda emissora de TV italiana, Carlo Freccero, seu colaborador por mais de 20 anos, designava como “ditadura midiática” em um entrevista concedida na semana anterior ao editorial ao semanário francês “L’Express”.
O ex-colaborador do premiê italiano, diz o editorial do Estadão, “sabe perfeitamente como a hegemonia inconstrastável de um grupo de mídia sobre o conjunto do setor [grifo nosso] pode ´lobotomizar´ toda uma Nação, em proveito dos amigos políticos de seus colaboradores”.
“Se um país civilizado como a Itália pode tornar-se refém de um dublê de um czar da mídia e de autoridade governamental, não são necessários grandes voos de imaginação para prever o perigo que a “TV lixo”, como diz Frecero (...) pode representar em outras paragens”.
A associação do “principal conglomerado nacional” – assim o editorial se refere à Rede Globo – a interesses políticos variados apenas pode resultar em grande poder político e econômico, concluiu o Estadão, ao analisar o caso ACM no Brasil e antes de lembrar o caminho trilhado por Berlusconi para chegar ao poder na Itália.
O editorial lembra a resposta dada pelo senador baiano ao repórter, sobre o que faria depois de sua renúncia. ‘“Gostaria de dirigir a Globo”, respondeu, risonho’, relata o texto do jornal. “Pode-se julgar como se queira a sua longa trajetória na vida pública nacional e no seu estilo de atuação. Mas nunca, em sã consciência, alguém lhe fará a injustiça de desconsiderar o seu faro extremamente privilegiado para as fontes e os mecanismos de exercício do poder”, conclui.
“Graças a esse dom, ele foi um dos primeiros políticos brasileiros, na passagem dos anos 60 e 70, a perceber a importância decisiva que teria o controle da mídia eletrônica para a conquista de apoio popular, a consolidação das posições de mando alcançadas e o uso da influência pessoal, assim amplificada, para o comércio de favores – o que, por sua vez, asseguraria a reprodução do cacife político já amealhado”, analisa o editorial, à luz da trajetória política e da sua construção como empresário da mídia baiana, sob o abrigo e em associação com a maior rede nacional de televisão.
Ele e Sarney entenderam isso, ele na Bahia e Sarney no Maranhão. Juntos, Sarney como presidente, ACM como seu ministro das Comunicações e, ambos, associados à “maior rede nacional”, mantiveram-se, daí como mandatários, o “coronelismo eletrônico”, mesmo depois da redemocratização do país. “Ministro das Comunicações do presidente José Sarney e tão ligado como ele à maior rede nacional, ACM fez da outorga de concessões de emissoras de rádio e TV o instrumento por excelência de seu ‘coronelismo eletrônico’, na apropriada expressão do editorial de domingo passado do Jornal da Tarde”, continua o jornal, em sua sessão de Opinião. É ele quem diz.

19/05/2013
Empresa Gospel decide lançar filme Pornô-Gospel.
É
meus amigos, após o sucesso da musica gospel, livros gospel, programas
de TV gospel, e outras coisas mais, os cristãos estão buscando mais um
nicho de mercado bastante promissor:
Vem aí mais uma grande novidade gospel e que por certo fará a alegria de muitos cristãos, o MOVIMENTO PORNÔ GOSPEL!
Neste mercado onde os cristãos começaram a se introduzir literalmente falando, os filmes eróticos serão produzidos para "educação" do povo de Deus, que ao longo desses mais de 2000 anos por incrível que pareça ainda não aprenderam a trepar !!!
Segundo os organizadores da indústria cinematográfica "porno-cristã", os filmes produzidos serão fundamentados no "maior respeito". Para tanto eles estabeleceram regras como:
"Retratar só casais matrimonialmente ligados em atos sexuais. Isto significa que quaisquer parceiros sexuais, em uma produção pornô cristã devem ser marido e mulher, dentro e fora da tela. Todos os agentes devem ser casados na vida real e retratarem a vida real. E eles só devem ter relações sexuais com seus cônjuges."
"Retratar o sexo dentro de contexto de um casamento cristão. Devem-se aparentar através das ações, comportamentos e fala dos personagens retratados que são cristãos e que levam um estilo de vida cristã, e tem um casamento no qual sua fé é o ponto principal. Isto pode ser ilustrado em uma variedade de formas, com cenas mostrando por exemplo, um jovem orando em conjunto e estudando a Bíblia e frequentando a Igreja ou realizando funções na Igreja e outras cenas relativas a um outro casal cristão fazendo sexo fora do seu quarto."
"Sem obscenidades. Embora exclamações de prazer sejam aceitáveis, como são os sons naturais nas expressões no ato sexual, o Cristianismo pornô não deve conter obscenidades ou juramentos. Os participantes deverão abordar uns aos outros com amor e respeito em todas as ocasiões."
"Não deve haver sexo extraconjugal, a não ser que seja para ilustrar as quedas de adultério. Os casais, em uma produção pornô cristã nunca devem ter relações adúlteras, a menos que seja para demonstrar que eles e seus parceiros sofrem e são punidos pelos seus pecados."
É a religião se adaptando ao meio na busca pela sobrevivência!!!
E os cristãos ainda duvidam da Teoria Evolucionista!
(Fonte:http://www.movievicio.com/noticia/2013/05/empresa-gospel-decide-lancar-filme-porno-gospel)
Vem aí mais uma grande novidade gospel e que por certo fará a alegria de muitos cristãos, o MOVIMENTO PORNÔ GOSPEL!
Neste mercado onde os cristãos começaram a se introduzir literalmente falando, os filmes eróticos serão produzidos para "educação" do povo de Deus, que ao longo desses mais de 2000 anos por incrível que pareça ainda não aprenderam a trepar !!!
Segundo os organizadores da indústria cinematográfica "porno-cristã", os filmes produzidos serão fundamentados no "maior respeito". Para tanto eles estabeleceram regras como:
"Retratar só casais matrimonialmente ligados em atos sexuais. Isto significa que quaisquer parceiros sexuais, em uma produção pornô cristã devem ser marido e mulher, dentro e fora da tela. Todos os agentes devem ser casados na vida real e retratarem a vida real. E eles só devem ter relações sexuais com seus cônjuges."
"Retratar o sexo dentro de contexto de um casamento cristão. Devem-se aparentar através das ações, comportamentos e fala dos personagens retratados que são cristãos e que levam um estilo de vida cristã, e tem um casamento no qual sua fé é o ponto principal. Isto pode ser ilustrado em uma variedade de formas, com cenas mostrando por exemplo, um jovem orando em conjunto e estudando a Bíblia e frequentando a Igreja ou realizando funções na Igreja e outras cenas relativas a um outro casal cristão fazendo sexo fora do seu quarto."
"Sem obscenidades. Embora exclamações de prazer sejam aceitáveis, como são os sons naturais nas expressões no ato sexual, o Cristianismo pornô não deve conter obscenidades ou juramentos. Os participantes deverão abordar uns aos outros com amor e respeito em todas as ocasiões."
"Não deve haver sexo extraconjugal, a não ser que seja para ilustrar as quedas de adultério. Os casais, em uma produção pornô cristã nunca devem ter relações adúlteras, a menos que seja para demonstrar que eles e seus parceiros sofrem e são punidos pelos seus pecados."
É a religião se adaptando ao meio na busca pela sobrevivência!!!
E os cristãos ainda duvidam da Teoria Evolucionista!
(Fonte:http://www.movievicio.com/noticia/2013/05/empresa-gospel-decide-lancar-filme-porno-gospel)
16/05/2013
Se o Brasil for, eu vou.
Flavio Aguiar - Blog da Boitempo
A estes, o passado. Ao Brasil, de novo, o futuro – mas desta vez carregado de presente. E se o Brasil for, eu vou. Com minha caneta-tinteiro e tudo.
A eleição de
um diplomata brasileiro, Roberto Azevêdo, para a direção da OMC,
levantou uma nova onde de poeira lançada pelas vozes da direita à livre
circulação dos ventiladores.
Baseia-se
esta nova tempestade poeril (ou será pueril?) na rebatida ideia de que
“o Brasil está isolado” (?) ou na recauchutada mania de que tudo no país
é um “fracasso”.
Não sei
muito bem onde se sustenta a tese deste “isolamento” brasileiro, se
recentemente candidatos nossos venceram eleições importantes, a da
direção da FAO e agora a da OMC. A não ser pelo vezo de que o Brasil
anda em “más companhias”, quais sejam, as do pobrerio do mundo.
Parodiando e invertendo o dito de Lúcifer no Paraíso Perdido, de Milton,
para este tipo de mentalidade é melhor ser servo(a) na Casa Grande do
que senhor(a) em sua própria casa.
Quanto à
tese do “fracasso”, ela se apóia em duas vertentes. A primeira vem de
longa data, e vitupera, ainda que à socapa, que o país não jeito, no
fundo, por causa do povo que abriga. A segunda é a de que não adianta
“dar dinheiro para pobre”. Eles (os pobres) não sabem gastar, preferindo
porcarias a refinagens.
Assim, tudo o que se faz nesta direção vira
mesmo “assistência eleitoreira”.
O mundo
em que vivem os arautos destas teses é de um anacronismo ímpar.
Desconhece até as teses de seus colegas conservadores de outras plagas,
um pouco mais ilustrados e solertes quanto ao que vai pelo planeta.
Estive
pass(e)ando os olhos por um documento muito interessante, elaborado pelo
National Intelligence Council dos Estados Unidos inicialmente para
leitura do presidente e agora divulgado (desconheço se há diferenças
entre a versão entregue à Casa Branca e esta que agora vai em pdf para
as telas dos comuns mortais). O documento se chama “Global Trends 2030:
Alternative Worlds”.
Grosso
modo, trata-se de uma previsão de como poderá ser o nosso mundo em 2030.
O documento faz poucas afirmações cabais, preferindo ficar na definição
de molduras possíveis. O que vai acontecer se o Irã desistir do seu
programa nuclear? O que acontecerá se ele não desistir? E assim por
diante.
Mas há nele algumas afirmações bastante, digamos, afirmativas.
Uma
delas é a de que diminuirá muito o alcance, o poder e a influência das
potências ocidentais. Elas hoje manejam 56% da atividade econômica
mundial. Em 2030 deverão manejar 25%. Este declínio aponta para uma
reversão de tendência multissecular, que data do Renascimento. Em
compensação, o peso asiático vai aumentar.
Mas não
só o asiático, seja chinês ou indiano (pois o japonês também estará em
declínio). Haverá outros polos que, de regionais, passarão a ter um
alcance mundial – entre eles (vejam só!), o nosso “isolado” Brasil.
Além, possivelmente, da África do Sul.
Mas há
mais. Neste mundo de pesos que se valorizam e se desvalorizam, o da
Europa vai decrescer sensivelmente. Talvez até o ponto, alerta o
documento, de pôr em perigo a própria coesão da União Europeia, quem
sabe a da Zona do Euro em primeiro lugar.
Na
contramão do que acontece hoje na Europa, a tendência predominante deste
mundo velho sem porteira será a do fortalecimento da classe média, que,
apesar da sua perda de poder aquisitivo no Velho Continente, deverá
estar em torno de 35% da população mundial. Serão 3 bi em 8,4 bilhões de
pessoas. Pela primeira vez na história, pode ser que a maioria
da população mundial não viverá na miséria – com uma substantiva
contribuição do “fracasso Brasil” para tanto, como mostram sucessivos
documentos de múltiplos organismos internacionais, entre eles a OIT e a
Unesco, dentre outros.
Esta
ascensão social provocaria um aumento da demanda por saúde, educação,
alimentação, água e – veja só – energia. Neste itens todos, apesar da
persistência de problemas seculares, o “fracasso Brasil” vai bem, embora
isto seja difícil de ver através da cortina de fumaça – ou poeira – que
os nossos doutores em isolamento ou fracasso continuamente teimam em
levantar.
Ah, um
outro item interessante é o da internet. Levantamentos recentes indicam
que no “isolado” e “fracassado” Brasil, a maioria da informação buscada
pela população está nas redes virtuais. Pois bem, o documento do Council
afirma que uma das características do mundo em 2030 será a da formação
de “comunidades congregadas” virtuais, supra-nacionais, em territórios
novos como a “googlelândia”, ou a “twitterlândia”, ou ainda a
“facebooklândia”. Não é a minha praia, partidário que ainda sou de uma
boa caneta-tinteiro, mas devo reconhecer que há uma tendência mundial
naquele sentido, e que nela, o “fracasso Brasil”, ou o “isolado Brasil”
navega muito bem.
É claro
que um documento desta natureza deve ser lido com várias mãos e pés
atrás, não só por vir de onde vem, mas igualmente por ser, no fundo e ao
final, um conjunto de previsões para melhorar ou tirar o sono do
ocupante da Casa Branca.
Mas ele
mostra, de modo muito inequívoco, a bobajada que os adeptos do “fracasso
Brasil” ou do “isolado Brasil” são infatigáveis em apregoar.
A estes, o passado. Ao Brasil, de novo, o futuro – mas desta vez carregado de presente. E se o Brasil for, eu vou. Com minha caneta-tinteiro e tudo.
A vida secreta de 100 grandes empresas nos paraísos fiscais
Londres - As 100 empresas mais importantes do
Reino Unido, aglutinadas em torno do famoso índice das bolsas de valores
FTSE100, tem mais de 8 mil subsidiárias em paraísos fiscais. Os bancos
são os usuários mais prolíficos destes circuitos da evasão fiscal
global, mas ao seu lado operam também multinacionais manufatureiras,
telefônicas, energéticas, de turismo, supermercados e bebidas. Segundo o
informe da ONG ActionAid, as FTSE100 tem umas 311 subsidiárias no Brasil e uma forte presença em todo o mundo em desenvolvimento.
O informe da ActionAid questiona a suposta vontade política do governo britânico para combater o uso de paraísos fiscais. Na reunião de ministros de Finanças do G8, no sábado passado, o do Reino Unido, George Osborne, indicou que era “fundamental que as empresas e os indivíduos paguem o que lhes corresponde de impostos”. A realidade é que sob o nariz do ministro, 98 das 100 empresas do FTSE100 tem subsidiárias em paraísos fiscais e dez delas tem sua sede central em um destes locais, um claro sinal de que não mudou muita coisa desde que, em 2009, o G20 anunciou “o fim dos paraísos fiscais”.
Hoje a magnitude da crise é tal que não bastam anúncios barulhentos e promessas grandiloquentes, como as feitas pelo então presidente francês, Nicolas Sarkozy, que se comprometeu a nada mais nada menos do que “refundar o capitalismo”. Na reunião de ministros de finanças da União Europeia (UE) de abril, nove países – Espanha, Reino Unido, Itália, França, Alemanha, Polônia, Holanda, Bélgica e Romênia – aderiram a um projeto piloto de intercâmbio automático de informação bancária sobre os dados dos não residentes, algo que permitirá fiscalizar a evasão de impostos de multimilionários. Mas segundo Chris Jordan, um dos responsáveis pelo informe da ActionAid, este instrumento, reclamado durante muito tempo pelas organizações não governamentais, é apenas a ponta do iceberg.
“Este modelo de intercâmbio automático se baseia em um mecanismo adota pelos Estados Unidos e o problema é que ainda não se sabe bem a sua abrangência. A mecânica dos paraísos fiscais é tão complexa que pode haver buracos negros pelos quais escorrem a maioria dos grandes sonegadores, incluindo as multinacionais e os bancos”, disse Jordan à Carta Maior.
As contradições britânicas
Em junho, o Reino Unido presidirá a cúpula do G8 e o primeiro ministro David Cameron indicou que a sonegação fiscal e o segredo das contas “offshore” estarão no centro da agenda. Nicholas Shaxson, autor de “Treasury Islands” (Ilhas do Tesouro), um exaustivo estudo dos paraísos fiscais, acha que as contradições britânicas em torno do tema são claras. “Por um lado, o governo está pressionado pelos seus problemas fiscais e uma economia que acaba de sair de uma dupla recessão, mas não da estagnação. Por outro, é um centro financeiro que se beneficia enormemente da existência dos paraísos fiscais”, disse à Carta Maior.
As 100 empresas do FTSE tem umas 1685 subsidiárias em territórios dependentes da coroa britânica e conhecidos paraísos fiscais como Jersey, Ilhas Virgens britânicas, Ilhas Caiman, Bermuda e Gibraltar. Nas Bahamas, há 115 mil empresas para os 307 mil habitantes das ilhas. Nas Ilhas Jersey, a proporção é igualmente exorbitante: 33 mil empresas para 91 mil habitantes. O próprio presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, exemplificou o problema em mais de uma ocasião com a Ugland House, um edifício situado em outra dependência britânica, as Ilhas Caiman, que abriga mais de 18 mil companhias.
A mecânica da evasão e sonegação fiscal varia de acordo com o sujeito – indivíduo, banco, multinacional – mas o objetivo é o mesmo. No caso das corporações, as subsidiárias em paraísos fiscais servem para distorcer a estrutura de preços internos das empresas, um mecanismo de longo alcance já que, segundo a OCDE, 60% do comércio internacional ocorre entre multinacionais. “Suponhamos que uma empresa multinacional opera em um país X com um imposto corporativo de 30%. A empresa pagará menos impostos quanto menos lucros tiver. De maneira que contratará a preços inflacionados serviços legais ou financeiros ou de promoção de suas próprias subsidiárias instaladas em distintos paraísos fiscais onde pagam muito menos impostos”, explicou à Carta Maior John Christensen, diretor de Tax Justice International.
Este mecanismo tem um forte impacto nos países em desenvolvimento. As FTSE 100 tem 311 subsidiárias no Brasil que vão do campo da mineração e do petróleo ao de alimentos, artigos para o lar e seguros. “Isso não prova que necessariamente haja evasão fiscal. Mas sim que estas empresas têm uma estrutura internacional tal que podem com toda facilidade mover seus lucros por meio dos paraísos fiscais praticando uma dupla evasão de impostos, tanto no Reino Unido como no Brasil”, explica Jordan.
O realismo mágico dos paraísos
Empresas internacionais de serviços como Google ou Starbucks se viram obrigadas a reconhecer que praticamente não pagavam impostos no Reino unido. O especialista em economia comparada da Universidade de Cambridge, o chileno José Gabriel Palma, explicou à Carta Maior o mecanismo usado.
“Starbucks não paga impostos sobre seus rendimentos porque, segundo dizem, “não tem lucros contábeis”. E não tem porque suas empresas locais, de propriedade e administração de Starbucks, pagam uma empresa de Starbucks fora do país uma quantidade sideral pelo direito de usar o nome Starbucks. Ou seja, Starbucks paga a Starbucks pelo uso do nome Starbucks. E na legislação tributária neoliberal desse país, isso é perfeitamente legal. É realismo mágico contábil. A meu juízo, Gabriel Garcia Márquez deveria ter sido consultor de empresas de contabilidade”, indicou Palma.
No passado, a opacidade financeira era complementar à opacidade midiática: ninguém falava do tema. A crise econômica colocou o foco sobre a estrutura fiscal dos países. Na cúpula de 22 de maio da União Europeia, a evasão de impostos será um dos eixos da agenda. Algo similar ocorrerá com a cúpula do G8 em junho e com a do G20 em setembro.
Assim como a Tax Justice International, a Action Aid assinala que mudar as coisas não é complicado, mas requer vontade política. “Tudo o que se necessita é de transparência. Deve haver um registro público dos paraísos fiscais para saber quem são os donos reais das empresas registradas. As multinacionais também deveriam publicar suas contas em cada lugar onde operam porque isso permitiria detectar facilmente a evasão fiscal”, indicou Jordan à Carta Maior.
Tradução: Marco Aurélio Weissheimer
O informe da ActionAid questiona a suposta vontade política do governo britânico para combater o uso de paraísos fiscais. Na reunião de ministros de Finanças do G8, no sábado passado, o do Reino Unido, George Osborne, indicou que era “fundamental que as empresas e os indivíduos paguem o que lhes corresponde de impostos”. A realidade é que sob o nariz do ministro, 98 das 100 empresas do FTSE100 tem subsidiárias em paraísos fiscais e dez delas tem sua sede central em um destes locais, um claro sinal de que não mudou muita coisa desde que, em 2009, o G20 anunciou “o fim dos paraísos fiscais”.
Hoje a magnitude da crise é tal que não bastam anúncios barulhentos e promessas grandiloquentes, como as feitas pelo então presidente francês, Nicolas Sarkozy, que se comprometeu a nada mais nada menos do que “refundar o capitalismo”. Na reunião de ministros de finanças da União Europeia (UE) de abril, nove países – Espanha, Reino Unido, Itália, França, Alemanha, Polônia, Holanda, Bélgica e Romênia – aderiram a um projeto piloto de intercâmbio automático de informação bancária sobre os dados dos não residentes, algo que permitirá fiscalizar a evasão de impostos de multimilionários. Mas segundo Chris Jordan, um dos responsáveis pelo informe da ActionAid, este instrumento, reclamado durante muito tempo pelas organizações não governamentais, é apenas a ponta do iceberg.
“Este modelo de intercâmbio automático se baseia em um mecanismo adota pelos Estados Unidos e o problema é que ainda não se sabe bem a sua abrangência. A mecânica dos paraísos fiscais é tão complexa que pode haver buracos negros pelos quais escorrem a maioria dos grandes sonegadores, incluindo as multinacionais e os bancos”, disse Jordan à Carta Maior.
As contradições britânicas
Em junho, o Reino Unido presidirá a cúpula do G8 e o primeiro ministro David Cameron indicou que a sonegação fiscal e o segredo das contas “offshore” estarão no centro da agenda. Nicholas Shaxson, autor de “Treasury Islands” (Ilhas do Tesouro), um exaustivo estudo dos paraísos fiscais, acha que as contradições britânicas em torno do tema são claras. “Por um lado, o governo está pressionado pelos seus problemas fiscais e uma economia que acaba de sair de uma dupla recessão, mas não da estagnação. Por outro, é um centro financeiro que se beneficia enormemente da existência dos paraísos fiscais”, disse à Carta Maior.
As 100 empresas do FTSE tem umas 1685 subsidiárias em territórios dependentes da coroa britânica e conhecidos paraísos fiscais como Jersey, Ilhas Virgens britânicas, Ilhas Caiman, Bermuda e Gibraltar. Nas Bahamas, há 115 mil empresas para os 307 mil habitantes das ilhas. Nas Ilhas Jersey, a proporção é igualmente exorbitante: 33 mil empresas para 91 mil habitantes. O próprio presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, exemplificou o problema em mais de uma ocasião com a Ugland House, um edifício situado em outra dependência britânica, as Ilhas Caiman, que abriga mais de 18 mil companhias.
A mecânica da evasão e sonegação fiscal varia de acordo com o sujeito – indivíduo, banco, multinacional – mas o objetivo é o mesmo. No caso das corporações, as subsidiárias em paraísos fiscais servem para distorcer a estrutura de preços internos das empresas, um mecanismo de longo alcance já que, segundo a OCDE, 60% do comércio internacional ocorre entre multinacionais. “Suponhamos que uma empresa multinacional opera em um país X com um imposto corporativo de 30%. A empresa pagará menos impostos quanto menos lucros tiver. De maneira que contratará a preços inflacionados serviços legais ou financeiros ou de promoção de suas próprias subsidiárias instaladas em distintos paraísos fiscais onde pagam muito menos impostos”, explicou à Carta Maior John Christensen, diretor de Tax Justice International.
Este mecanismo tem um forte impacto nos países em desenvolvimento. As FTSE 100 tem 311 subsidiárias no Brasil que vão do campo da mineração e do petróleo ao de alimentos, artigos para o lar e seguros. “Isso não prova que necessariamente haja evasão fiscal. Mas sim que estas empresas têm uma estrutura internacional tal que podem com toda facilidade mover seus lucros por meio dos paraísos fiscais praticando uma dupla evasão de impostos, tanto no Reino Unido como no Brasil”, explica Jordan.
O realismo mágico dos paraísos
Empresas internacionais de serviços como Google ou Starbucks se viram obrigadas a reconhecer que praticamente não pagavam impostos no Reino unido. O especialista em economia comparada da Universidade de Cambridge, o chileno José Gabriel Palma, explicou à Carta Maior o mecanismo usado.
“Starbucks não paga impostos sobre seus rendimentos porque, segundo dizem, “não tem lucros contábeis”. E não tem porque suas empresas locais, de propriedade e administração de Starbucks, pagam uma empresa de Starbucks fora do país uma quantidade sideral pelo direito de usar o nome Starbucks. Ou seja, Starbucks paga a Starbucks pelo uso do nome Starbucks. E na legislação tributária neoliberal desse país, isso é perfeitamente legal. É realismo mágico contábil. A meu juízo, Gabriel Garcia Márquez deveria ter sido consultor de empresas de contabilidade”, indicou Palma.
No passado, a opacidade financeira era complementar à opacidade midiática: ninguém falava do tema. A crise econômica colocou o foco sobre a estrutura fiscal dos países. Na cúpula de 22 de maio da União Europeia, a evasão de impostos será um dos eixos da agenda. Algo similar ocorrerá com a cúpula do G8 em junho e com a do G20 em setembro.
Assim como a Tax Justice International, a Action Aid assinala que mudar as coisas não é complicado, mas requer vontade política. “Tudo o que se necessita é de transparência. Deve haver um registro público dos paraísos fiscais para saber quem são os donos reais das empresas registradas. As multinacionais também deveriam publicar suas contas em cada lugar onde operam porque isso permitiria detectar facilmente a evasão fiscal”, indicou Jordan à Carta Maior.
Tradução: Marco Aurélio Weissheimer
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