Presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), o ministro
Joaquim Barbosa deixou o país apreensivo, à beira de uma grave crise
institucional, ao encerrar a sessão desta segunda-feira com um empate na
votação sobre a qual Poder da República caberá a decisão pela perda de
mandato dos parlamentares João Paulo Cunha (PT-SP), Valdemar Costa Neto
(PR-SP) e Pedro Henry (PP-MT), réus condenados na Ação Penal 470,
processo conhecido como ‘mensalão‘.
Com os votos dos ministros Rosa Weber, Cármen Lúcia e Dias Toffoli, que
acompanharam o revisor Ricardo Lewandowski, a proposta de perda
imediata dos mandatos ficou empatada após os dos votos de Luiz Fux,
Gilmar Mendes e Marco Aurélio de Mello, que seguiram o relator e
presidente do STF, Joaquim Barbosa. Falta o voto do ministro
Celso de Mello, que será colhido na próxima quarta-feira. Seja qual for o
resultado, a opinião do presidente da Câmara, Marco Maia,
ficou definida em artigo no qual ele decidiu que a única instância
capaz de cassar o mandato de um parlamentar é o Plenário da Câmara ou do
Senado.
Primeira a se pronunciar na sessão desta segunda-feira, a ministra
Rosa Weber, em longo e fundamentado voto, ressaltou o equilíbrio entre
poderes no Estado democrático de direito. A ministra argumentou que a
perda do mandato significaria uma intervenção no poder democrático, e
acrescentou que a perda de mandato deverá ser decidida apenas pela
maioria absoluta das Casas parlamentares, seja a Câmara ou o Senado.
– O povo é quem confere legitimidade ao mandato. A perda de mandato
como efeito de condenação criminal não se confunde com a suspensão dos
direitos políticos que é automática. Ainda que suspensão dos direitos
políticos seja efeito direto, a perda de mandato eletivo estará
condicionada à manifestação da maioria absoluta da respectiva casa –
afirmou a ministra.
Weber também lembrou a luta dos brasileiros pelos direitos políticos
no país e abriu o debate sobre a quem compete a decisão sobre a quebra
dessa relação de confiança entre o eleitor e seu voto.
– O juiz competente para julgar sobre o exercício político é o povo soberano, que o faz por meio de representantes – afirmou.
Em seu voto, logo em seguida, o ministro Luiz Fux baseou-se nas
alterações que pesam sobre a legislação, com a aprovação da Lei da Ficha
Limpa.
– Vivemos num Estado democrático de direito e as leis sofrem uma
certa mutação funcional. Ela também vem sofrendo uma nova mutação por
parte da inciativa popular, tal qual a Ficha Limpa, que mudou um
paradigma sobre a inelegibilidade a partir de uma condenação não
transitada em julgado – presumiu o julgador.
Fux pontuou, ainda, que o artigo 55 diz que perderá o mandato o
parlamentar que perder seus direitos políticos, mas, de outra forma, a
jurisprudência seria clara, ao seu ver, em citar a restrição ao direito
de voto e ao sufrágio.
– O que se pode alcançar é que o artigo 55 tem como destinatários
aqueles casos em que não houve uma suspensão do processo que ocorreu
antes de uma diplomação – disse.
Toffoli, por sua vez, seguiu o revisor, no terceiro voto proferido
nesta segunda-feira, não sem antes elogiar “o brilhante voto da ministra
Rosa Weber, que impressiona pela profundidade”. Toffoli argumentou,
ainda, que o eleitor, através de seu voto, deve receber a proteção
constitucional, pois o que se pretende proteger não é a pessoa do
parlamentar, mas a vontade da maioria do povo:
– Anotei aqui uma expressão: o voto é do representante e não do
representado,.O que se protege ali não é a pessoa física. O que se
protege ali é a sua representatividade. Como destacou o ministro Jobim, a
perda não é automática. A Constituição outorga ao Parlamento um juízo
de conveniência sobre a perda do mandato, tudo porque a perda do mandato
depende da casa respectiva.
Quarta ministra a votar, Cármen Lúcia alertou para que todos os
magistrados daquela Corte deveriam estar de acordo com a gravidade da
situação, e o que está em discussão é como interpretar e aplicar a
Constituição.
– Gostaria de observar que estamos todos de acordo quanto à gravidade
das condenações. O que estamos todos a discutir é simplesmente como
interpretar a Constituição, e que a condenação prevaleça com todos os
seus efeitos – disse.
Com base nas argumentações, Cármen Lúcia ressaltou o fato de que,
neste caso, o artigo 55 da Constituição, que trata da cassação dos
mandatos, se sobrepõe ao artigo 15, que trata sobre a perda de direitos
políticos:
– O artigo diz que a perda dos direitos políticos implica a
impossibilidade de o cidadão concorrer a cargo eletivo, mas não afeta
necessariamente o exercício de mandato para o qual ele tenha sido prévia
e legalmente eleito. Nesse caso, trata-se de cassação de mandato, que é
uma prerrogativa do Congresso.
Já o ministro Gilmar Mendes abordou a incongruência da possibilidade de que um deputado preso tenha mandato parlamentar.
– Agora, temos (a possibilidade de) um deputado preso com trânsito em
julgado, mas com mandato. Vejam que tamanha incongruência. A mim, me
parece que precisamos levar ao cabo essa interpretação harmonizadora –
disse ele, ao seguir o relator em seu voto.
Crise institucional
Independentemente da decisão do STF, o presidente da Câmara, Marco
Maia (PT-RS), entende que o STF não tem poder suficiente para decretar a
perda de mandato de nenhum parlamentar, nem mesmo com base em sentença
criminal. A atribuição seria exclusiva da Câmara, em caso de deputados,
ou do Senado, em caso de senadores envolvidos em processos criminais. “O
debate sobre a cassação dos mandatos dos deputados condenados na Ação
Penal 470, que acontece no Supremo Tribunal Federal (STF), traz uma
séria ameaça à relação harmônica entre os Poderes Legislativo e
Judiciário e, portanto, pode dar início a uma grave crise institucional.
Isso porque a decisão do STF pode avançar sobre prerrogativas
constitucionais de competência exclusiva do Legislativo e, se assim
acontecer, podemos estar diante de um impasse sem precedentes na
história recente da política nacional”, disse Maia, em artigo publicado
nesta segunda-feira, na mídia tradicional.
“O fato é que nossa Constituição é explícita em seu artigo 55, que
trata da perda de mandato de deputado ou senador em caso destes sofrerem
condenação criminal (item VI, parágrafo 2º): ‘A perda do mandato será
decidida pela Câmara dos Deputados ou pelo Senado Federal, por voto
secreto e maioria absoluta, mediante provocação da respectiva Mesa ou de
partido político representado no Congresso Nacional, assegurada ampla
defesa”, afirmou.
“O mesmo artigo estabelece, ainda, a necessidade de a condenação
criminal ter sentença transitada em julgado para que tal processo seja
deflagrado. Mesmo que paire alguma dúvida sobre tal enunciado, os
registros taquigráficos dos debates que envolveram a redação do artigo
55 pelos constituintes, em março de 1988, são esclarecedores da sua
vontade originária. Coube ao então deputado constituinte Nelson Jobim a
defesa da emenda do também constituinte Antero de Barros: “Visa à emenda
(…) fazer com que a competência para a perda do mandato, na hipótese de
condenação criminal ou ação popular, seja do plenário da Câmara ou do
Senado”. E, mais adiante, conclui: “(…) e não teríamos uma imediatez
entre a condenação e a perda do mandato em face da competência que está
contida no projeto”. A emenda foi aprovada por 407 constituintes, entre
eles Fernando Henrique Cardoso, Mário Covas, Aécio Neves, Luiz Inácio
Lula da Silva, Ibsen Pinheiro, Delfim Netto, Bernardo Cabral,
demonstrando a pluralidade do debate empreendido naquele momento.
“Portanto, parece evidente que, caso o STF determine a imediata
cassação dos deputados condenados na Ação Penal 470, estaremos diante de
um impasse institucional.
“Primeiro, porque não é de competência do Judiciário decidir sobre a
perda de mandatos (aliás, a última vez que o STF cassou o mandato de um
parlamentar foi durante o período de exceção, nos sombrios anos entre as
décadas de 1960 e 1970).
“Segundo, porque não há sequer acórdão publicado do julgamento em tela para que se possa dar início ao processo no Parlamento.
“E, terceiro, porque é necessário reafirmar que a vontade do
Constituinte foi a de assegurar que a cassação de um mandato popular,
legitimamente eleito pelo sufrágio universal, somente pode ser efetivada
por quem tem igual mandato popular.
“Assim como é dever do Parlamento atuar com independência e
autonomia, também é sua tarefa proteger suas prerrogativas
constitucionais a fim de resguardar relações democráticas entre os
Poderes. Qualquer subjugação do Legislativo tem o mesmo significado de
um atentado contra a democracia, e isso é inaceitável. Espera-se que a
decisão da Corte Máxima, à luz da Constituição, contribua para o
fortalecimento da nossa jovem e emergente democracia”, concluiu o
parlamentar.
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