11/12/2012

STF coloca o país à beira da crise institucional após empate sobre perda de mandato parlamentar

Por Redação - Brasilia

Presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), o ministro Joaquim Barbosa deixou o país apreensivo, à beira de uma grave crise institucional, ao encerrar a sessão desta segunda-feira com um empate na votação sobre a qual Poder da República caberá a decisão pela perda de mandato dos parlamentares João Paulo Cunha (PT-SP), Valdemar Costa Neto (PR-SP) e Pedro Henry (PP-MT), réus condenados na Ação Penal 470, processo conhecido como ‘mensalão‘. Com os votos dos ministros Rosa Weber, Cármen Lúcia e Dias Toffoli, que acompanharam o revisor Ricardo Lewandowski, a proposta de perda imediata dos mandatos ficou empatada após os dos votos de Luiz Fux, Gilmar Mendes e Marco Aurélio de Mello, que seguiram o relator e presidente do STF, Joaquim Barbosa. Falta o voto do ministro Celso de Mello, que será colhido na próxima quarta-feira. Seja qual for o resultado, a opinião do presidente da Câmara, Marco Maia, ficou definida em artigo no qual ele decidiu que a única instância capaz de cassar o mandato de um parlamentar é o Plenário da Câmara ou do Senado.

Primeira a se pronunciar na sessão desta segunda-feira, a ministra Rosa Weber, em longo e fundamentado voto, ressaltou o equilíbrio entre poderes no Estado democrático de direito. A ministra argumentou que a perda do mandato significaria uma intervenção no poder democrático, e acrescentou que a perda de mandato deverá ser decidida apenas pela maioria absoluta das Casas parlamentares, seja a Câmara ou o Senado.

– O povo é quem confere legitimidade ao mandato. A perda de mandato como efeito de condenação criminal não se confunde com a suspensão dos direitos políticos que é automática. Ainda que suspensão dos direitos políticos seja efeito direto, a perda de mandato eletivo estará condicionada à manifestação da maioria absoluta da respectiva casa – afirmou a ministra.

Weber também lembrou a luta dos brasileiros pelos direitos políticos no país e abriu o debate sobre a quem compete a decisão sobre a quebra dessa relação de confiança entre o eleitor e seu voto.

– O juiz competente para julgar sobre o exercício político é o povo soberano, que o faz por meio de representantes – afirmou.

Em seu voto, logo em seguida, o ministro Luiz Fux baseou-se nas alterações que pesam sobre a legislação, com a aprovação da Lei da Ficha Limpa.

– Vivemos num Estado democrático de direito e as leis sofrem uma certa mutação funcional. Ela também vem sofrendo uma nova mutação por parte da inciativa popular, tal qual a Ficha Limpa, que mudou um paradigma sobre a inelegibilidade a partir de uma condenação não transitada em julgado – presumiu o julgador.

Fux pontuou, ainda, que o artigo 55 diz que perderá o mandato o parlamentar que perder seus direitos políticos, mas, de outra forma, a jurisprudência seria clara, ao seu ver, em citar a restrição ao direito de voto e ao sufrágio.

– O que se pode alcançar é que o artigo 55 tem como destinatários aqueles casos em que não houve uma suspensão do processo que ocorreu antes de uma diplomação – disse.

Toffoli, por sua vez, seguiu o revisor, no terceiro voto proferido nesta segunda-feira, não sem antes elogiar “o brilhante voto da ministra Rosa Weber, que impressiona pela profundidade”. Toffoli argumentou, ainda, que o eleitor, através de seu voto, deve receber a proteção constitucional, pois o que se pretende proteger não é a pessoa do parlamentar, mas a vontade da maioria do povo:

– Anotei aqui uma expressão: o voto é do representante e não do representado,.O que se protege ali não é a pessoa física. O que se protege ali é a sua representatividade. Como destacou o ministro Jobim, a perda não é automática. A Constituição outorga ao Parlamento um juízo de conveniência sobre a perda do mandato, tudo porque a perda do mandato depende da casa respectiva.

Quarta ministra a votar, Cármen Lúcia alertou para que todos os magistrados daquela Corte deveriam estar de acordo com a gravidade da situação, e o que está em discussão é como interpretar e aplicar a Constituição.

– Gostaria de observar que estamos todos de acordo quanto à gravidade das condenações. O que estamos todos a discutir é simplesmente como interpretar a Constituição, e que a condenação prevaleça com todos os seus efeitos – disse.

Com base nas argumentações, Cármen Lúcia ressaltou o fato de que, neste caso, o artigo 55 da Constituição, que trata da cassação dos mandatos, se sobrepõe ao artigo 15, que trata sobre a perda de direitos políticos:

– O artigo diz que a perda dos direitos políticos implica a impossibilidade de o cidadão concorrer a cargo eletivo, mas não afeta necessariamente o exercício de mandato para o qual ele tenha sido prévia e legalmente eleito. Nesse caso, trata-se de cassação de mandato, que é uma prerrogativa do Congresso.
Já o ministro Gilmar Mendes abordou a incongruência da possibilidade de que um deputado preso tenha mandato parlamentar.

– Agora, temos (a possibilidade de) um deputado preso com trânsito em julgado, mas com mandato. Vejam que tamanha incongruência. A mim, me parece que precisamos levar ao cabo essa interpretação harmonizadora – disse ele, ao seguir o relator em seu voto.

Crise institucional

Independentemente da decisão do STF, o presidente da Câmara, Marco Maia (PT-RS), entende que o STF não tem poder suficiente para decretar a perda de mandato de nenhum parlamentar, nem mesmo com base em sentença criminal. A atribuição seria exclusiva da Câmara, em caso de deputados, ou do Senado, em caso de senadores envolvidos em processos criminais. “O debate sobre a cassação dos mandatos dos deputados condenados na Ação Penal 470, que acontece no Supremo Tribunal Federal (STF), traz uma séria ameaça à relação harmônica entre os Poderes Legislativo e Judiciário e, portanto, pode dar início a uma grave crise institucional. Isso porque a decisão do STF pode avançar sobre prerrogativas constitucionais de competência exclusiva do Legislativo e, se assim acontecer, podemos estar diante de um impasse sem precedentes na história recente da política nacional”, disse Maia, em artigo publicado nesta segunda-feira, na mídia tradicional.

“O fato é que nossa Constituição é explícita em seu artigo 55, que trata da perda de mandato de deputado ou senador em caso destes sofrerem condenação criminal (item VI, parágrafo 2º): ‘A perda do mandato será decidida pela Câmara dos Deputados ou pelo Senado Federal, por voto secreto e maioria absoluta, mediante provocação da respectiva Mesa ou de partido político representado no Congresso Nacional, assegurada ampla defesa”, afirmou.

“O mesmo artigo estabelece, ainda, a necessidade de a condenação criminal ter sentença transitada em julgado para que tal processo seja deflagrado. Mesmo que paire alguma dúvida sobre tal enunciado, os registros taquigráficos dos debates que envolveram a redação do artigo 55 pelos constituintes, em março de 1988, são esclarecedores da sua vontade originária. Coube ao então deputado constituinte Nelson Jobim a defesa da emenda do também constituinte Antero de Barros: “Visa à emenda (…) fazer com que a competência para a perda do mandato, na hipótese de condenação criminal ou ação popular, seja do plenário da Câmara ou do Senado”. E, mais adiante, conclui: “(…) e não teríamos uma imediatez entre a condenação e a perda do mandato em face da competência que está contida no projeto”. A emenda foi aprovada por 407 constituintes, entre eles Fernando Henrique Cardoso, Mário Covas, Aécio Neves, Luiz Inácio Lula da Silva, Ibsen Pinheiro, Delfim Netto, Bernardo Cabral, demonstrando a pluralidade do debate empreendido naquele momento.

“Portanto, parece evidente que, caso o STF determine a imediata cassação dos deputados condenados na Ação Penal 470, estaremos diante de um impasse institucional.

“Primeiro, porque não é de competência do Judiciário decidir sobre a perda de mandatos (aliás, a última vez que o STF cassou o mandato de um parlamentar foi durante o período de exceção, nos sombrios anos entre as décadas de 1960 e 1970).

“Segundo, porque não há sequer acórdão publicado do julgamento em tela para que se possa dar início ao processo no Parlamento.

“E, terceiro, porque é necessário reafirmar que a vontade do Constituinte foi a de assegurar que a cassação de um mandato popular, legitimamente eleito pelo sufrágio universal, somente pode ser efetivada por quem tem igual mandato popular.

“Assim como é dever do Parlamento atuar com independência e autonomia, também é sua tarefa proteger suas prerrogativas constitucionais a fim de resguardar relações democráticas entre os Poderes. Qualquer subjugação do Legislativo tem o mesmo significado de um atentado contra a democracia, e isso é inaceitável. Espera-se que a decisão da Corte Máxima, à luz da Constituição, contribua para o fortalecimento da nossa jovem e emergente democracia”, concluiu o parlamentar.

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