O maior julgamento por violações aos direitos humanos
perpetradas durante a ditadura argentina (1976-1983) terá início nesta
quarta-feira em Buenos Aires. Ao todo, 68 acusados de assassinatos,
torturas e desaparecimentos na Esma (Escola de Mecânica da Armada), onde
funcionou o maior centro clandestino de prisão do país na época da
repressão, sentarão no banco dos réus. Entre os acusados, estão pela
primeira vez oito pilotos e tripulantes acusados de 50 homicídios nos
emblemáticos “voos da morte”, prática utilizada por militares para o
desaparecimento de pessoas, que eram sedadas e jogadas do alto de aviões
no mar ou no Rio da Prata. No julgamento, que deve durar
aproximadamente dois anos, cerca de 900 testemunhas devem ser escutadas
sobre casos de 789 vítimas, das quais cerca de um terço é sobrevivente.
O maior julgamento por crimes na ditadura até então foi realizado em
Tucumán, com 41 acusados no banco dos réus. O que começa nesta
quarta-feira inclui acusados da Marinha, Exército, Polícia Federal,
Prefeitura naval e do Serviço Penitenciário, e dois civis: um advogado
acusado de participar de torturas e de pelo menos um voo da morte e um
ex-secretário de Fazenda de José Alfredo Martínez de Hoz, ministro de
Economia entre 1976 e 1981.
Dos 68 réus, 16 já foram condenados, no ano passado, por crimes
cometidos na ditadura. Jorge “Tigre” Acosta, por exemplo, soma penas de
30 anos e perpétua, por atrocidades como o roubo sistemático de bebês
nascidos em prisões clandestinas; Antonio Pernías, também condenado a
perpétua, encarregado do “aquário”, um setor da ESMA onde os presos
faziam trabalho escravo; e Alfredo Astiz, condenado na França e na
Argentina pelo assassinato das freiras francesas Alice Domon e Léonie
Duquet.
Esma
Administrada pela Marinha na época da ditadura, a Esma, localizada no
bairro de Núñez, em Buenos Aires é um dos maiores símbolos do terror
vivido no país durante o regime imposto após o golpe de Estado contra
María Estela Martínez de Perón, em março de 1976. Segundo estimativas,
cinco mil pessoas passaram por suas celas e salas de tortura, e cerca de
100 sobreviveram.
Maior prisão clandestina do país durante os anos de chumbo, o local
teve dupla função durante a ditadura militar: prisão de oposicionistas e
formação de novos militares. A investigação sobre os crimes cometidos
na Esma foi aberta nos anos 1980, após a redemocratização do país. O
inquérito foi depois arquivado com as leis do Ponto Final (1986) e da
Obediência Devida (1987).
Em outubro do ano passado, 12 repressores foram condenados à prisão
perpétua pelo sequestro, tortura e assassinato de 86 pessoas no local.
Outros quatro condenados receberam penas de 18 a 25 anos e dois dos réus
foram absolvidos, mas continuaram presos à espera de mais julgamentos.
A Esma ficou nas mãos das Forças Armadas até 2007, três anos depois
de o ex-presidente Néstor Kirchner ordenar o desalojamento dos
militares. Hoje, o local funciona como um “centro cultural e de
memória”. Algumas dependências da ex-prisão clandestina podem ser
visitadas, como o Cassino dos Oficiais (área onde mantinham e torturavam
os presos) e a maternidade clandestina, onde se realizavam partos de
presas grávidas. Muitos bebês nascidos no edifício foram sequestrados e
ilegalmente adotados por outras famílias.
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