Sou o náufrago de uma época: aquela em que eu não existia!
De costumes que não fazem parte do meu livre-arbítrio
enjaulado,
De concepções que caíram por terra abaixo com um eco
triunfante, vindo do norte..
De princípios que foram corroídos e deformados pela ética
dos anos 90.
Sou um náufrago dos sopros vermelhos, oriundos dum outro
continente,
Dum outro século, duma outra sociedade,
Duma sociedade mais social do que a nossa...
Duma outra primavera: “aquela das idéias que revolvem”.
Idéias que inclusive, deitaram abaixo uma Duma díspar...
Sou o sobrevivente dum outro agora, um agora que não existiu
em meus agoras:
Um agora, que se faz mais necessário (no atual agora), do
que nunca.
Sou um náufrago duma outra sociedade,
Náufrago dum outro clima: não do discurso do “clima dos
trópicos”,
Mas do discurso do clima da insurgência.
Duma outra cultura, com outros valores,
Que não podem ser comercializados, num livre mercado.
Sou um náufrago sem ter sido tripulante,
Dum barco que não naufragou, e que siquer pisei..
Sou um náufrago dum determinado tempo histórico,
Sem de fato, ter pertencido a ele..
Sou o órfão dum outro tempo:
Um órfão meio que abiogênico,
Um órfão da poeira estelar,
Um órfão que não teve uma parideira.
Um órfão que abrolhou do nada, espontaneamente.
Sou a essência dum outro ser humano,
Que existiu e pensou muito antes de mim.
Essencial nos dias de hoje:
E que não se vê muitos, por aí...
Sou um náufrago da utopia.
Que já existia antes de minha existência.
Não pertenci a ela e não a vivi.
Não participei dela e não fui um voluntário.
Não fiz parte dela e não lutei por ela,
Mas ela esta em mim,
Está em mim, como os pelos estão em meu rosto.
Ela é eterna, e eu não.
Quando o sol me agracia com seus raios matutinos..
Contemplo-o como um camarada,
Camarada fiel às nossas convicções!
Com um caco de espelho, sinalizo ao horizonte.
Como se usasse o telégrafo, durante uma invasão;
Em um flanco esquecido, com uma bala nas entranhas..
“A utopia está distante, mas ela é o meu único resgate.”
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