A eleição de
um diplomata brasileiro, Roberto Azevêdo, para a direção da OMC,
levantou uma nova onde de poeira lançada pelas vozes da direita à livre
circulação dos ventiladores.
Baseia-se
esta nova tempestade poeril (ou será pueril?) na rebatida ideia de que
“o Brasil está isolado” (?) ou na recauchutada mania de que tudo no país
é um “fracasso”.
Não sei
muito bem onde se sustenta a tese deste “isolamento” brasileiro, se
recentemente candidatos nossos venceram eleições importantes, a da
direção da FAO e agora a da OMC. A não ser pelo vezo de que o Brasil
anda em “más companhias”, quais sejam, as do pobrerio do mundo.
Parodiando e invertendo o dito de Lúcifer no Paraíso Perdido, de Milton,
para este tipo de mentalidade é melhor ser servo(a) na Casa Grande do
que senhor(a) em sua própria casa.
Quanto à
tese do “fracasso”, ela se apóia em duas vertentes. A primeira vem de
longa data, e vitupera, ainda que à socapa, que o país não jeito, no
fundo, por causa do povo que abriga. A segunda é a de que não adianta
“dar dinheiro para pobre”. Eles (os pobres) não sabem gastar, preferindo
porcarias a refinagens.
Assim, tudo o que se faz nesta direção vira
mesmo “assistência eleitoreira”.
O mundo
em que vivem os arautos destas teses é de um anacronismo ímpar.
Desconhece até as teses de seus colegas conservadores de outras plagas,
um pouco mais ilustrados e solertes quanto ao que vai pelo planeta.
Estive
pass(e)ando os olhos por um documento muito interessante, elaborado pelo
National Intelligence Council dos Estados Unidos inicialmente para
leitura do presidente e agora divulgado (desconheço se há diferenças
entre a versão entregue à Casa Branca e esta que agora vai em pdf para
as telas dos comuns mortais). O documento se chama “Global Trends 2030:
Alternative Worlds”.
Grosso
modo, trata-se de uma previsão de como poderá ser o nosso mundo em 2030.
O documento faz poucas afirmações cabais, preferindo ficar na definição
de molduras possíveis. O que vai acontecer se o Irã desistir do seu
programa nuclear? O que acontecerá se ele não desistir? E assim por
diante.
Mas há nele algumas afirmações bastante, digamos, afirmativas.
Uma
delas é a de que diminuirá muito o alcance, o poder e a influência das
potências ocidentais. Elas hoje manejam 56% da atividade econômica
mundial. Em 2030 deverão manejar 25%. Este declínio aponta para uma
reversão de tendência multissecular, que data do Renascimento. Em
compensação, o peso asiático vai aumentar.
Mas não
só o asiático, seja chinês ou indiano (pois o japonês também estará em
declínio). Haverá outros polos que, de regionais, passarão a ter um
alcance mundial – entre eles (vejam só!), o nosso “isolado” Brasil.
Além, possivelmente, da África do Sul.
Mas há
mais. Neste mundo de pesos que se valorizam e se desvalorizam, o da
Europa vai decrescer sensivelmente. Talvez até o ponto, alerta o
documento, de pôr em perigo a própria coesão da União Europeia, quem
sabe a da Zona do Euro em primeiro lugar.
Na
contramão do que acontece hoje na Europa, a tendência predominante deste
mundo velho sem porteira será a do fortalecimento da classe média, que,
apesar da sua perda de poder aquisitivo no Velho Continente, deverá
estar em torno de 35% da população mundial. Serão 3 bi em 8,4 bilhões de
pessoas. Pela primeira vez na história, pode ser que a maioria
da população mundial não viverá na miséria – com uma substantiva
contribuição do “fracasso Brasil” para tanto, como mostram sucessivos
documentos de múltiplos organismos internacionais, entre eles a OIT e a
Unesco, dentre outros.
Esta
ascensão social provocaria um aumento da demanda por saúde, educação,
alimentação, água e – veja só – energia. Neste itens todos, apesar da
persistência de problemas seculares, o “fracasso Brasil” vai bem, embora
isto seja difícil de ver através da cortina de fumaça – ou poeira – que
os nossos doutores em isolamento ou fracasso continuamente teimam em
levantar.
Ah, um
outro item interessante é o da internet. Levantamentos recentes indicam
que no “isolado” e “fracassado” Brasil, a maioria da informação buscada
pela população está nas redes virtuais. Pois bem, o documento do Council
afirma que uma das características do mundo em 2030 será a da formação
de “comunidades congregadas” virtuais, supra-nacionais, em territórios
novos como a “googlelândia”, ou a “twitterlândia”, ou ainda a
“facebooklândia”. Não é a minha praia, partidário que ainda sou de uma
boa caneta-tinteiro, mas devo reconhecer que há uma tendência mundial
naquele sentido, e que nela, o “fracasso Brasil”, ou o “isolado Brasil”
navega muito bem.
É claro
que um documento desta natureza deve ser lido com várias mãos e pés
atrás, não só por vir de onde vem, mas igualmente por ser, no fundo e ao
final, um conjunto de previsões para melhorar ou tirar o sono do
ocupante da Casa Branca.
Mas ele
mostra, de modo muito inequívoco, a bobajada que os adeptos do “fracasso
Brasil” ou do “isolado Brasil” são infatigáveis em apregoar.
A estes, o passado. Ao Brasil, de novo, o futuro – mas desta vez carregado de presente. E se o Brasil for, eu vou. Com minha caneta-tinteiro e tudo.
Muito bom!
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