Saul Leblon - Blog das Frases
Oito anos de consórcio Serra/Kassab na cidade de São Paulo e, só agora,
com a administração Haddad, vem à luz o resultado dramático de um
abandono apenas intuído.
Ele não explica sozinho a deriva em
que se encontram os serviços e espaços públicos da cidade. Obra
meticulosa e secular de elites predadoras.
Mas ajuda a entender
por que motivo a Prefeitura se consolidou aos olhos da população como
uma ferramenta irrelevante, incapaz de se contrapor à tragédia
estrutural e ao desastre cotidiano.
O artigo do secretário de
educação, Cesar Callegari, publicado na Folha, nesta 5ª feira, faz o
balanço das causas profundas desse estado de espírito na área da
educação.
É arrasador.
Acerta a administração Haddad se
fizer disso um compromisso: expor em assembleias da cidadania,
organizadas pelas administrações regionais, a radiografia objetiva do
que significou, em cada serviço, e em cada bairro, a aplicação da
‘excelência administrativa' daqueles que, de forma recorrente, avocam-se
a missão de submeter o país a um ‘choque de gestão'.
Somente a
compreensão de suas causas pode desfazer a tragédia que se completa com
o descrédito da população em relação ao seu próprio peso na ordenação
pública da cidade.
A missão mais difícil do prefeito Fernando
Haddad é sacudir esse olhar entorpecido de uma cidadania há muito
alijada das decisões referentes ao seu destino e ao destino do seu
lugar.
Expor o custo desse alijamento, meticulosamente construído, é um primeiro passo.
É o que o secretário Callegari faz ao mostrar que:
a)São Paulo ocupa o 35º lugar entre os 39 municípios da região metropolitana em qualidade da educação, medida pelo Ideb;
b)
28% das crianças paulistanas concluem o 1º ciclo do ensino
fundamental, aos 10 ou 11 anos de idade, sem estar alfabetizados;
c) em 2012, a rede municipal contabilizou 903 mil faltas de professores desmotivados e doentes;
d) há 97 mil crianças na fila, sem creche ;
e) a construção de 88 escolas foi contratada ‘criativamente', sem terrenos;
f)
50 mil alunos ficaram sem livros didáticos este ano, porque não foram
solicitados ao MEC, ‘por um lapso' da administração anterior.
Engana-se, porém, quem atribuir esse saldo à força de uma inépcia especializada na área educacional.
Troque-se a escola pela a saúde.
Reafirma-se o mesmo padrão.
A
seguir, alguns números pinçados também de uma reportagem da Folha,
desta 5ª feira, que, por misterioso critério da Secretaria de Redação,
deixou de figurar na manchete da 1ª página:
a) a Prefeitura de SP
pagou, em 2012, R$ 2,1 bilhões a entidades privadas de saúde, ‘sem
fins lucrativos' -- fórmula de terceirização de serviços públicos
elogiadíssima por Serra na disputa eleitoral contra Haddad;
b) 530.151 consultas deveriam ter sido realizadas por esse valor; mas apenas 347.454 foram de fato executadas;
c) não foi um ponto fora da curva: em 2011, as mesmas entidades
deixariam de realizar 41% dos atendimentos previstos. Repita-se 41% do
atendimento terceirizado não foi feito;
d) apesar disso,
receberam integralmente os repasses estipulados nos dois anos. Sem ônus,
sem fiscalização, sem inquérito, sem arguição pelo descalabro.
Qual é o nome disso?
O nome disso é desprezo pela sorte da população.
O
nome disso é uma esférica certeza na impunidade ancorada no torpor das
vítimas, desprovidas dos meios democráticos para reagir.
Mas
também é o reflexo de um conluio inoxidável com a mídia de São Paulo,
que, agora denuncia, mas nunca lhes sonegou o acobertamento na hora
decisiva da urna.
Leia, a seguir, a íntegra dos dois artigos mencionados:
Heranças e desafios da educação paulistana
04/04/2013 - Folha de S.Paulo
Inútil
a tentativa do ex-secretário Alexandre Schneider de, em artigo recente
("Sobre parcerias e lealdades", em 29/3), fabricar uma "vacina" tardia
contra avaliações negativas dos problemas deixados por seus sete anos de
gestão à frente da Educação no município de São Paulo.
A eleição
já passou, a população já fez a sua avaliação e já elegeu o programa de
metas educacionais do prefeito Fernando Haddad. São elas que nos animam
e mobilizam. Já dedicamos muito tempo e energia para solucionar os
problemas que encontramos. São imensos os desafios à nossa frente.
É
inaceitável que São Paulo ocupe o 35º lugar entre os 39 municípios da
região metropolitana em qualidade da educação medida pelo Ideb (Índice
de Desenvolvimento da Educação Básica). As crianças paulistanas não
merecem e precisamos avançar.
Ano após ano, os alunos foram
automaticamente aprovados. Mas 28% deles terminaram o primeiro ciclo do
ensino fundamental, aos 10 ou 11 anos de idade, sem estar alfabetizados.
Isso não é normal. Daí o nosso esforço para a Alfabetização na Idade
Certa: todos lendo e escrevendo até os oito anos.
Educação com
qualidade, sabemos, depende das condições em que se realiza o trabalho
dos professores. Encontramos muitos deles adoecidos e desmotivados. Em
2012, houve 903 mil faltas por motivo de saúde -uma média de 15 dias por
professor.
Foi necessário criar uma força-tarefa entre as
secretarias de Educação, Saúde e Gestão, ouvir os sindicatos e passar a
tratar desse problema com urgência. Estamos determinados a valorizar
todos os educadores, apoiar o seu trabalho e investir na sua formação
com a criação de 32 polos da Universidade Aberta do Brasil, em parceria
com 22 das melhores universidades do país.
Herdamos, no dia 1º de
janeiro de 2013, uma fila com 97 mil crianças à espera de vagas em
creche. Fora as 1.600 que foram matriculadas em unidades que não estavam
prontas. Um problemão. Nossa meta é zerar o deficit herdado e abrir
ainda mais vagas, com a construção de 240 novas escolas, ampliação de
convênios e estímulos para que as empresas atendam às necessidades
educacionais dos filhos de seus empregados.
Estamos trabalhando
muito para conseguir os terrenos para construir as 88 escolas que foram
criativamente contratadas (sem terrenos) pela gestão anterior. Da mesma
forma, estamos reduzindo os atrasos na entrega de material e uniforme
causados por problemas havidos no ano passado.
É verdade que
educação com qualidade se faz com cooperação e parcerias. Não
continuaremos desprezando os apoios dos governos federal e estadual como
vinha acontecendo. Eles são necessários.
Não "esqueceremos" de
pedir livros didáticos ao MEC (Ministério da Educação) -lapso que
prejudicou 50 mil alunos neste ano. Em dois meses, 312 de nossas escolas
já se cadastraram nos programas de educação integral do MEC contra
apenas 33 dos últimos quatro anos. Logo no primeiro mês, já obtivemos a
liberação de R$ 20 milhões do governo estadual para a construção de
novas creches.
A educação não pode ficar à mercê de diferenças
político-partidárias. Portanto, tudo que foi produzido de bom nos
últimos anos é tratado com o devido zelo à causa pública.
E tudo
que mereça ser auditado, avaliado, mudado e melhorado será feito em
respeito ao compromisso maior assumido com a população de São Paulo:
fazer dela uma cidade educadora.
Cesar Callegari, 60, sociólogo, é secretário de Educação do município de São Paulo
* * *
Prefeitura paga entidades da saúde por consultas não feitas
04/04/2013 - Folha de S.Paulo
Entidades
privadas contratadas pela prefeitura para agilizar o atendimento médico
na cidade de São Paulo deixaram de fazer três em cada dez consultas com
especialistas pelas quais foram pagas pelo poder público.
O
dado consta de levantamento da Folha sobre prestações de contas feitas à
prefeitura pelas OSs (Organizações Sociais), instituições sem fins
lucrativos pagas para cuidar de unidades e complementar serviços de
saúde.
As entidades deveriam ter realizado 530.151 consultas nos
Ambulatórios Especialidade e nas AMAs (Assistências Médicas
Ambulatoriais) Especialidade em 2012. Mas apenas 347.454 foram feitas.
O cenário repete o que aconteceu em 2011, quando as entidades deixaram
de realizar 41% dos atendimentos previstos. Nesses dois anos, elas
receberam todos os repasses do município normalmente.
As
instituições também não cumpriram os contratos dos Caps (Centros de
Atenção Psicossocial), onde são atendidos, por exemplo, dependentes de
drogas que não conseguem ser internados.
Em 2012, só 35% desses atendimentos intensivos (com acompanhamento diário de pacientes) foram feitos.
Entidades privadas de saúde receberam no ano passado R$ 2,1 bilhões da
prefeitura. Cerca de 72% das consultas da rede hoje são feitas por elas
(ao menos 34% por OSs).
A falta de realização de consultas tem
reflexo na fila de espera da saúde. Em dezembro passado, 800.224 pedidos
médicos aguardavam na fila na rede inteira (não só nas unidades
administradas por OSs). Desses, 311.627 eram com especialistas.
PACIENTES
São
casos como o do pedreiro José Cândido da Silva, 54, que só conseguiu
uma consulta com um cardiologista ontem, após dois meses de espera, e da
doméstica Maria de Assis, 59, que aguarda há sete meses para ser
atendida por um reumatologista.
"Tenho osteoporose, estou com
dor. Fazia um acompanhamento com uma médica, que deixou de trabalhar
aqui em setembro do ano passado e até hoje não foi substituída. Sem a
consulta, não consigo o remédio", dizia Maria, ontem, na porta da AMA
Especialidade Isolina Mazzei, na Vila Guilherme (zona norte).
Uma das justificativas das OSs para o não cumprimento dos contratos é a dificuldade em contratar especialistas.
O
principal argumento da prefeitura para adotar o modelo era justamente a
facilidade que elas teriam para isso, já que têm liberdade para pagar
melhores salários.
A não realização de consultas não implica em desconto dos repasses feitos às OSs.
Mesmo deixando de fazer o atendimento, elas continuam a receber a mesma verba.
"Elas
são remuneradas pela capacidade operacional que disponibilizam. É um
sistema ineficiente", diz Mauricio Faria, conselheiro da área de saúde
do TCM (Tribunal de Contas do Município).
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