A sucessão de casos de Presidentes progressistas latino-americanos
que tem padecido de câncer tem colocado grandes dilemas políticos para
os povos da nossa região. E também tem ensinado aos povos duas
importantes lições. A primeira é a da necessidade de levar adiante os
processos de mudança para além da efemeridade de nossas vidas enquanto
indivíduos, um desafio imenso em todos os projetos de mudança. Sempre. A
vida é um sopro, dizia-nos o longevo e saudoso Niemeyer.
A segunda é o aprendizado de até onde chega o ódio da classe
dominante. Acabo de ver uma postagem infame sobre Lula e Chávez que
fazia piada sobre a doença que o brasileiro venceu e que o valente
venezuelano enfrenta de um modo admirável.
Fico pensando como deve ser descobrir-se enfim como um "militante" do
Partido do Câncer. É algo de fato assustador, para mim. É importante
tornar visível esse tipo de publicação, que tem papel educativo. Cada
um dá o que tem, certo? É quando o desespero e o ódio de classe chega ao
paroxismo que só se pode oferecer essa monstruosidade. E o povo vê e
rejeita essa gravíssima deformação moral.
Enquanto isso, Chávez, que já ofereceu tanto de sua paixão, em
versos, pulos, discursos, canções e gestos, oferece agora essa outra
paixão, e aqui me refiro ao sentido da conhecida Paixão de Cristo, que é
padecimento e entrega, martírio. O que a direita venezuelana,
brasileira, latino-americana não entende é que a solidariedade - e não a
ganância e a vileza - persistem no coração humano. Ignoram essa verdade
universal de que o amor com amor se paga. São, afinal, o Partido do
Câncer, mas também da guerra e da ganância, da exclusão e da opressão.
Como poderiam entender? Mas em seu ato falho, reluz, à vista de todos, a
sua vileza infinita.
Como poderiam entender que, mesmo gravemente enfermo, Chávez ensina
maravilhosamente esse sujeito social que o erigiu e a quem em
contrapartida moldou. São emocionantes os fatos que se passam na
Venezuela. À questão tantas vezes repetida pela direita e pelos
irresponsáveis, que o processo bolivariano repousava numa só figura, a
realidade responde com a mesma criatividade daquele povo que, esmagado
no Caracazo, soube parir o tenente-coronel Hugo Chávez Frías. E levá-lo
ao poder. E resgatá-lo das mãos dos golpistas quando intentaram depô-lo
com o apoio da mesma cúpula da Igreja Católica que mais uma vez, com
suas declarações infames, envergonha qualquer cristão sincero.
Esse povo que se foi construindo sujeito de tantos modos, em
movimento novo, sindicato novo, partido novo, trabalhador e camponês
novos, liderança nova, comunicação nova. É essa impressionante força
social que se foi educando, construindo seus instrumentos de luta, uma
nova institucionalidade, uma nova democracia, um novo pacto inclusivo
que trouxe milhões de venezuelanos ao centro do tabuleiro político que
sempre lhe foi negado. São elas e eles que enchem as ruas da Venezuela
no histórico dia 10 de janeiro, a dizer que cada um, cada uma, todos são
Chávez. Que lindo isso, não é mesmo? Como poderia o Partido do Câncer
vencer essa beleza? Não passarão os esquálidos. E nem o jogo está
decidido. Fidel está por aí ainda, não está? O jogo só termina quando
acaba, é preciso lembrar a canalha.
Na Venezuela há uma Revolução e, como todas, é uma obra grandiosa, de
milhões. Responde a necessidades muito profundas, a dilemas seculares,
por isso sua força imensa, a encontrar caminhos e a forjar heróis, nessa
simbiose tão especial que une o indivíduo e coletividades tão imensas.
Que coisa pode engrandecer mais a vida de uma pessoa, dure quanto dure,
que essa possibilidade de inspirar tanto amor, mudança, inclusão, poder
popular, coragem, socialismo? Lembro de Chávez já em Cuba, mandando uma
saudação para as crianças venezuelanas por seu primeiro dia de aula. Que
lembrança, a dele! Chávez é desses revolucionários que nos ensinam que
vale a pena lutar para viver porque vale a pena lutar, pelos tais
"grandes sentimentos de amor" de que nos falava o Che.
Recupere-se tranquilo, querido Chávez, com essa garra imensa que
aprendemos a amar. Com essa ousadia que desafia os limites desse mundo
capitalista tão cruel que gera deformados morais, beneficiários da
miséria, do câncer. Essa ousadia que trouxe outra vez para o campo do
possível a perspectiva socialista.
O povo que te plasmou, e te fez instrumento de tantos sonhos
silenciados, zela por ti e pelo sonho teu, de Bolívar, e das multidões,
força material imbatível, espectro terrificante que ronda novamente as
noites e os dias das oligarquias latino-americanas. Oligarcas, tremei!
Venceremos!
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