Por Gabriel Brito, da Redação - Correio da Cidadania
Após seis meses sob nova direção, a Confederação Brasileira de
Futebol (CBF), confirmando os boatos que ecoavam após a renúncia de
Ricardo Teixeira, demitiu o técnico da seleção, o gaúcho Mano Menezes,
que esteve à frente do cargo por quase dois anos e meio. Sem dúvida
alguma, contribuíram as derrotas na final da Olimpíada e também em jogo
recente contra a Argentina (somente com atletas que atuam nos
respectivos países, sem as estrelas da Europa).
No entanto, a boa e velha politicagem que sempre deram o tom da
gestão esportiva do país tiveram papel indisfarçável. A decisão, tomada
pelo presidente biônico José Maria Marin (resquício da ditadura que
deveria estar nos bancos da Comissão da Verdade, e não do futebol),
representa também uma luta cada vez menos silenciosa pelo suculento
espaço aberto com a saída de Rei Teixeira, que por sinal teve seu legado
preservado, como prometera Marin em sua posse de março.
Com isso, o diretor de seleções, e ex-presidente do Corinthians,
Andrés Sanchez (este abençoado até por Lula), deixou o cargo, uma vez
que sequer foi consultado sobre o tema. Nomeado por Teixeira, percebeu
imediatamente que a desfeita não foi gratuita e o objetivo era vê-lo
fora da CBF também. Mesmo derrotado, segue sua ascensão e irá trabalhar
no governo de Fernando Haddad em São Paulo.
Objetivamente falando, não foi uma decisão técnica, ainda que se
possam fazer críticas ao trabalho de Mano, tanto em termos de escolhas
futebolísticas como de resultados. Mais além, o ex-técnico era visto
como alguém de relações estreitas demais com empresários, sempre
associados a pressões escusas nos bastidores, em favor de convocações de
jogadores por eles agenciados.
Porém, o mesmo fardo já recaíra sobre outros técnicos do passado
recente e o fato é que nunca se levantaram indícios consideráveis a este
respeito. Divergir de nomes eleitos não é o mesmo que desbravar tramas
obscuras na escalação do time. Além do mais, sujeira mesmo é aquilo que a
CBF pratica aberta e declaradamente, tanto na gestão do selecionado
nacional como do maltratado futebol doméstico, permeado por um patético
calendário que mais uma vez impediu Neymar de efetivamente participar do
recém-encerrado Brasileirão, entre outras façanhas.
Não se pretende neste espaço analisar todas as filigranas do trabalho
de Mano, que ao menos acumulara méritos profissionais para chegar ao
cargo. Em trajetória diametralmente oposta à do antecessor Dunga,
começou a carreira na beira dos campos em times do interior gaúcho,
chegando ao futebol grande através do Grêmio e emendando trabalho bem
sucedido no Corinthians, após sair do tricolor gaúcho. Em ambos os
casos, pegou times destruídos e rebaixados à segunda divisão e os
devolveu ao topo.
“Só pode ser política, porque não é do campo. Era o melhor momento da
seleção, todos estávamos com alegria, voltando a ligar a televisão para
ver jogar, o que não estava acontecendo, estava chato. E agora sai o
treinador? Sou treinador, os caras têm que me tirar pelo trabalho
técnico, não concordo com outra saída”, criticou Muricy Ramalho, técnico
do Santos que rejeitara o cargo que Teixeira lhe ofereceu, logo após a
derrota para a Holanda em 2010.
A escolha de Luiz Felipe Scolari para o seu lugar, acompanhado de
Carlos Alberto Parreira na condição de gerente, é de um baratíssimo
populismo, que denuncia a ausência de uma planificação, qualquer que
seja, dos herdeiros do ex-genro de João Havelange – que ainda recebe 100
mil reais mensais a título de “consultoria” e cujas falcatruas já estão
inteiramente desnudadas pela justiça suíça, informação que nossa
Polícia Federal e Ministério da Justiça parecem desconhecer.
“Foi proposta a renovação para ele ser o técnico em 2014, mas parece
que isso nunca existiu. Quem fez o trabalho mais duro foi ele e recebeu
muitas críticas. Porque no Brasil ninguém quer saber de nada, só de
ganhar o jogo”, emenda Muricy.
Mais do mesmo
Como se sabe, além da fidelidade a Teixeira, Marin também se destaca
como ponta de lança das pretensões do presidente da Federação Paulista,
seu compadre Marco Polo del Nero, por sinal outro admirador do
vergonhoso regime militar. Este, por sua vez, lembra em quase tudo o
antigo imperador, desde a desfaçatez com que trata o futebol e o
torcedor, passando pela total inépcia na lida com o que se passa dentro
das quatro linhas. Em resumo, mais um ávido por poder, holofotes,
influência y otras cositas más.
À frente da federação do estado mais rico da nação, sua gestão pode
ser definida como aquela que selou o fim do campeonato estadual como
algo realmente digno de comoção, criando um monstrengo de intermináveis
23 datas, que tanto contribui para o descompasso do calendário
brasileiro e nos entorpece de péssimos jogos durante quatro meses, ainda
por cima com estádios vazios, visto se tratar de um dos arautos da
elitização social das arquibancadas.
De resto, os times do interior adentraram mediocridade nunca antes
vista e são usados como moeda política nos jogos de interesse que
permeiam a gestão desse tipo de cartola. No entanto, não raro foram
prejudicados. Podemos citar um exemplo recente: a chegada do Guarani de
Campinas à final do Paulista e o golpe de bastidor que lhe tirou o jogo
que tinha direito de sediar em sua cidade e o levou ao Morumbi. A
explicação, falsa, foi de que a renda seria maior. De fato, para o São
Paulo FC, dono do campo, houve aumento inesperado de renda.
Como se não bastasse, no mesmo dia em que Marin anunciou a queda de
Mano, e todo o público se dava conta do triunfo político de Del Nero, a
Polícia Federal o levou a depor, por conta da chamada Operação Durkheim,
que investiga uma quadrilha especializada em quebra de sigilo – e que
teria, no dito cujo, um dos suspeitos de se beneficiar do esquema.
Candidamente, veio a público assegurar que não há nada relacionado ao
futebol. Como se assim pudéssemos ficar tranqüilos a respeito de quem
advogou para o maior ladrão da história do Corinthians. É de se
reconhecer no sujeito um substituto à altura para “Tricky Ricky” –
apelido dado pela imprensa inglesa a Teixeira.
Futebol tem vez?
Tentando abordar um pouco daquilo que deveria interessar, o futebol,
pode-se dizer que é difícil se animar com a segunda passagem de Felipão
pelo time canarinho. A tentativa de retorno ao passado glorioso em
muitas vezes mostra-se uma lástima, como o próprio futebol cansa de
atestar. Além do mais, não podemos ignorar as particularidades e acasos
que abriram caminho para o penta brasileiro, em 2002.
Depois, Felipão teve boa passagem (seis anos) pela seleção
portuguesa, o que constituiu seu último bom trabalho, seguido de
aventuras mal sucedidas na Inglaterra e Uzbequistão. No meio de 2010, voltou
ao Palmeiras, e mostrou que não tinha renovado conceitos e idéias
futebolísticas. Fez seu time jogar sempre da mesma forma rústica e
aguerrida, com bastante marcação e dependente das bolas paradas. Não
havia muita variedade tática e muito menos um time pronto para a troca
de passes e o jogo qualificado, pensado, mais do que necessário em um
time de tal envergadura, até pelo poderio econômico para a montagem de
times mais fortes.
Ganhou a Copa do Brasil deste ano na bacia das almas, mas ao mesmo
tempo não conseguiu manter o controle do grupo, uma de suas velhas
marcas, o que levou o alviverde a ser dominado pela acomodação de
jogadores limitados, dentro de um clube há muito tempo dividido pela
pequena política, culminando num desastroso rebaixamento à segunda
divisão – mesmo que tenha deixado o cargo a dois meses da tragédia.
A seu favor, apenas o carisma e uma previsível aprovação popular, que
devem lhe render tranqüilidade para tentar criar alguma mística em
torno do atual grupo de jogadores e fazê-los entregar mais do que o
imaginável. No futebol, não é impossível.
Mas, se com Felipão estamos desconfiados, com Parreira a coisa é
certamente pior. Sempre amigo do poder, o técnico do tetra mostra-se um
iluminado pela generosidade da vida, uma vez que há muito tempo não faz
um bom trabalho no ramo e, acima de tudo, esteve à frente do vexame –
moral e esportivo – da Copa de 2006.
Acomodado na glória e fama, foi um professor preguiçoso quando
reocupou o cargo entre 2003 e 2006. Queria apenas “administrar
talentos”, como dizia, o que revelava um treinador à espera que seus
craques sempre resolvessem a vida em passes de mágica. O resultado foi
que sua falta de comando permitiu uma preparação para o mundial em
verdadeiro ritmo de Sodoma e Gomorra.
Depois, tentou a sorte na África do Sul na Copa de 2010, tendo pouco a
fazer ante a limitação deste selecionado, que foi o primeiro país-sede a
cair fora na primeira fase. Agora, estava aposentado, promovendo
congressos e encontros de cunho corporativo e marketeiro dentro do mundo
do futebol.
“Não podemos permitir que a tradição nos impeça de notar a
estagnação. O esporte evolui física, técnica e taticamente. Novas
ideias, conceitos renovadores, avanços em todos os campos são
fundamentais num meio tão competitivo. E o Brasil parou no tempo. Mano
Menezes não era exatamente um vanguardista no comando da seleção
cebeefiana, mas capitaneou uma necessária renovação e vinha forçando
ainda mais um jogo de bola no pé, técnico, hábil”, escreveu o
comentarista Mauro Cezar Pereira, da ESPN.
Diante do quadro, tanto político como técnico, podemos dizer que o
futebol brasileiro premia o não trabalho, a acomodação, o conchavo
político da pior espécie e os interesses mais mesquinhos e
inconfessáveis da cartolagem paulista, que pela primeira vez pode
superar seus pares do Rio de Janeiro em termos de ascendência sobre a
totalidade do futebol nacional. Culpa também de todos aqueles que, desde
a renúncia de Teixeira, nada fizeram para promover uma autêntica
limpeza e renovação.
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