Por Lincoln Secco - Blog da Boitempo
Faz 110 anos que o livro Que Fazer de
Lenin foi publicado. O seu conteúdo foi dissecado por estudantes e
estudiosos, militares e militantes, teóricos e organizadores. Mas pouco
se deu atenção à sua estrutura interna. Seria preciso elencar as
edições, as tiragens e traduções para termos uma ideia exata da sua
influência.
A obra de
Lenin foi publicada fora da Rússia em março de 1902, pela Editorial
Dietz de Stuttgart. O livro surgiu no momento em que as diferenças no
interior do Partido Operário Social Democrata Russo se ampliavam. Elas
levariam à cisão de 1903 que geraria as duas alas do partido:
bolcheviques e mencheviques. Logo, a obra tem caráter polêmico e
dialógico.
Com
prefácio, cinco capítulos relativamente breves, conclusão e um anexo,
Lenin inicia pelo conceito de liberdade de crítica. Ele é direto e usa
Marx e Engels como fontes de autoridade. Também ataca a ideia de
espontaneidade das massas e mostra como a consciência revolucionária
deve ser elaborada no partido pelos operários não enquanto operários,
mas enquanto teóricos do socialismo. Em famoso trecho de Que Fazer Lenin
disse: “Os operários, já dissemos, não podiam ter ainda a consciência
social-democrata. Esta só podia chegar até eles a partir de fora. A
história de todos os países atesta que, pelas próprias forças, a classe
operária não pode chegar senão à consciência sindical, isto é, à
convicção de que é preciso unir-se em sindicatos, conduzir a luta contra
os patrões, exigir do governo essas ou aquelas leis necessárias aos
operários etc”.
Os capítulos
seguintes se dedicam a questões práticas: política sindical, superação
dos métodos artesanais na política pela organização dos revolucionários e
um plano de um jornal para toda a Rússia. A organização leninista
lembrava o blanquismo no conteúdo, mas não na forma: o partido era de
revolucionários profissionais.
A obra foi
difundida como primeiro documento contra o reformismo e o oportunismo da
II Internacional, mas também questionada como fonte de um modelo
autoritário de partido que estaria já ultrapassado. Se o Movimento
Comunista se tornou reformista em muitos lugares, o livro continuou
sendo um guia para a montagem de estruturas partidárias eficientes,
independentemente do fato da ação prática ser reformista ou
revolucionária, como mostra a história dos partidos comunistas
ocidentais. Assim, o livro contou mais como modelo de estrutura
partidária do que como programa para a revolução.
No Brasil, o
livro foi reeditado em 1978 com introdução de Florestan Fernandes no
momento em que a primeira grande Greve do ABC paulista sugeria uma
retomada do movimento operário e, para os marxistas, a necessidade de
reorganização partidária.
Independentemente
do juízo ideológico que tenhamos na atualidade, Lenin permaneceu como o
único grande estadista que também foi um grande teórico, em qualquer
época. Mas o notável livro Que Fazer é hoje mais um documento histórico do que um guia para a ação.
É que há uma
similitude desconcertante entre a fábrica, o partido e o exército. Para
Lenin, o proletariado se submeteria mais facilmente à disciplina porque
foi forjado na escola da fábrica. Mas Daniel Guèrin certa vez
acrescentou que a fábrica é uma escola de cooperação, mas também de
submissão.
Nenhum comentário:
Postar um comentário