14/12/2012

O fim dos paraísos fiscais segue uma promessa não cumprida

 Marcelo Justo - Londres - Carta Maior

Londres - Em 2009, a segunda cúpula do G20, que constitui cerca de 90% do PIB mundial anunciou “o fim da era dos paraísos fiscais”. O estouro financeiro e a crise mundial tinham feito disparar o alarme: era preciso curar um sistema cheio de buracos. Ao invés de terminar, a crise entrou em uma nova fase, a da dívida soberana. Enquanto isso – seis cúpulas do G20 mais tarde – os paraísos fiscais não ficaram sabendo que sua era havia acabado.

Apesar dos discursos grandiloquentes, interesse criado e questionável vontade política para a erradicação dos paraísos fiscais há um crescente otimismo entre as organizações que lutam contra a evasão global. “Pela primeira vez vemos sinais que apontam para a criação de uma nova arquitetura global baseada na transparência fiscal e numa luta mais genuína contra os paraísos fiscais”, disse à Carta Maior, Nicholas Shaxon, autor de “Treausure Islands”, uma exaustiva análise sobre os paraísos fiscais.

A razão do otimismo de Shaxon e organizações como Tax Justice International reside em um princípio tão simples que custa crer que toda a suposta massa cinzenta do G20 ou da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE) não a tenham concebido antes: o intercâmbio automático de informação. Sob este princípio os governos estão obrigados por lei a informar sobre o dinheiro e bens dos cidadãos estrangeiros a seus países de origem.

“O sistema proposto pelo G20 em 2009 se baseava na obrigação de informar ante um pedido concreto de um país. Isso obrigava o governo a ter o dado de antemão da pessoa em questão para fazer o correspondente pedido de informação. Os paraísos fiscais assinaram em seguida seu acordo com essa medida porque ela tinha um impacto nulo.
Com o princípio de intercâmbio automático, isso muda por completo porque os governos têm a obrigação legal de fornecer a informação, haja ou não um pedido a respeito”, explica Shaxon.

Este novo princípio é a base de uma lei europeia e outra que entrará em vigor nos Estados Unidos no próximo ano para as instituições financeiras.

Segundo publicou no final de novembro o jornal dominical britânico “The Observer”, o Reino Unido – país líder na evasão fiscal internacional, segundo a Tax Justice International – planeja uma lei similar para os estadunidenses para obrigar os paraísos fiscais a revelar os nomes que escondem por trás de empresas e colônias que tem como endereço uma caixa postal ou um correio eletrônico.

O imperativo econômico e político destas iniciativas é evidente. A União Europeia e os Estados Unidos têm sérios problemas fiscais que não podem ser resolvidos com o simples e expeditivo recurso de cortar “ad eternum” o gasto em programas sociais. Mas as próprias ONGs reconhecem que as atuais iniciativas estão cheias de brechas legais. No caso europeu, a UE está debatendo uma série de emendas que permitiram tapar esses furos que facilitam a elisão fiscal (espécie de evasão amparada pela lei). Essas emendas desataram uma contraofensiva liderada pela Suíça com apoio da Áustria, Luxemburgo e o principado de Liechtenstein para forçar acordo bilaterais que permitam conservar o sigilo fiscal com os países mais poderosos, em especial a Alemanha e o Reino Unido,

Essa queda de braço diplomática será chave na luta contra a evasão. “No dia 23 de novembro, a Câmara baixa alemã rechaçou um acordo bilateral com a Suíça, desferindo um virtual tiro de misericórdia. A posição do Reino Unido é mais ambivalente. Por um lado está pressionado por seus problemas fiscais e uma economia que acaba de sair de uma dupla recessão, mas não da estagnação. Por outro, é um centro financeiro que se beneficia da existência dos paraísos fiscais”, assinala Shaxon.

Se na Europa e no mundo desenvolvido as contradições entre distintos setores sociais e países começam a se tornar evidentes, na América Latina apenas está se falando de um tema que deveria ser central na agenda. Em junho, a Rede de Justiça Fiscal publicou um denso informe, “The Price of Offschore revisited”, no qual mostrava que quatro países latino-americanos se encontravam entre as 20 nações que mais tem dinheiro depositado em paraísos fiscais. O Brasil encabeçava a lista regional com cerca de 520 bilhões de dólares em paraísos fiscais em 2010, seguido pelo México com 417 bilhões, a Venezuela com 406 bilhões e a Argentina com 399 bilhões.

Segundo Jorge Gaggero, membro da Rede de Justiça Fiscal da América Latina (associada à Tax Justice International), a região avançou muito pouco neste capítulo. “Estamos muito longe da aplicação deste princípio. A isso se agrega outro problema. O primeiro mundo está começando a aplicá-lo, mas de uma maneira assimétrica. Uma coisa é o que fazem com seus próprios capitais fora de seus países. Outra é a conduta que seguem com os capitais de outros países que terminam fugindo de seu controle”, indicou Gaggero à Carta Maior.

Os Estados Unidos são um claro exemplo dessa assimetria. A lei para que as instituições financeiras revelem as contas de seus cidadãos no estrangeiro é contraditória com a absoluta confidencialidade que lhe outorgam ao cliente ou investidor estrangeiro quando deposita seu dinheiro nos EUA.

A presidenta Cristina Kirchner se referiu a essa contradição na cúpula do Mercosul que celebrou a incorporação da Venezuela ao bloco em julho quando exigiu dos países centrais mais segurança financeira. “Basta de paraísos fiscais e duplo discurso”, disse a presidenta. Neste sentido, o Mercosul poderia ser um ponto de partida para uma ação conjunta, mas - como uma clara mostra da complexidade das coisas – conta com o obstáculo representado por um de seus membros, o Uruguai, qualificado de paraíso fiscal pelo G20 em 2009 e com algumas queixas próprias sobre as assimetrias que existem no bloco.

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