Eric Nepomuceno - Carta Maior
A cada dia que passa aportam em Cuba cem mil barris de petróleo
venezuelano. Chegam a preços favorecidos. Se fosse recorrer ao mercado, o
estado cubano não teria como pagar esses cem mil barris vitais. Ou até
que teria, mas boa parte dos parcos recursos país sucumbiria. É disso
que se trata.
Como se fosse pouco, a Venezuela é uma das mais
generosas fontes de ingressos para Cuba. Faz décadas que a ilha obtém
divisas em quantidades essenciais com a venda de serviços profissionais
ao exterior.
Esse é, aliás, o segmento que mais recursos
propicia a Cuba: no ano passado, foram seis bilhões de dólares, o triplo
do turismo (dois bilhões) e cinco vezes mais que as exportações de
níquel (um bilhão e duzentos milhões).
Em todo o mundo, o país
que mais gera recursos pagando por serviços profissionais a Cuba é a
Venezuela. Existem pelo menos 40 mil profissionais cubanos, todos
altamente especializados, trabalhando no país presidido por Hugo Chávez.
São, em sua maioria, médicos. Mas também há assistentes
sociais, engenheiros, psicólogos e profissionais de várias outras áreas
trabalhando principalmente nas chamadas missões sociais, gigantescos
mutirões dedicados a construir e equipar bairros populares, destinados à
população carente. Somente em 2012 funcionaram 47 projetos conjuntos
entre os dois países, que vão de educação a esporte, de agricultura a
saúde. Isso, para não mencionar empresas binacionais e uma vasta gama de
assessoria em gestão, segurança pública e instrução militar que Cuba
presta aos venezuelanos.
Por essas e por outras, a presença da
Venezuela e sua revolução bolivariana é de importância imensa para Cuba,
que passa por uma etapa de transformações significativas em sua
economia, com reflexos óbvios em seu cotidiano.
Para trás
ficaram os tempos de agrura provocados pelo fim abrupto da antiga União
Soviética, quando da noite para o dia a ilha perdeu 85% de seu comércio
exterior e a economia entrou em colapso. Depois de terem alcançado um
estágio de relativa bonança ao longo dos anos 80, de forma igualitária e
estável, os cubanos viram como em apenas três anos – entre 1990 e 1993 –
o PIB do país despencou quase 40%.
A vida cotidiana virou um
tormento, com apagões diários que em alguns bairros de Havana duravam
até 16 horas, e o país praticamente ficou sem transporte. Um tempo de
sacrifício e resistência árdua, marcado para sempre na memória de
gerações.
O cenário, hoje, é certamente diferente. Ao longo dos
últimos seis anos foram implantadas reformas que estão significando um
forte estímulo à produção, enquanto a economia cresce a taxas sólidas.
Mas ainda assim há problemas sérios.
A ilha continua dependendo
da importação de alimentos, e a demanda, que afeta a tudo que é tipo de
produtos e serviços, é muito superior à oferta nacional. Há um evidente
hiato nessa etapa de transição, e todos em Cuba – tanto no governo como
nas ruas – têm plena consciência de que esse processo será lento. Tentar
apressá-lo seria pôr tudo em risco.
Pois bem: nesse quadro, uma
eventual interrupção da cooperação venezuelana teria consequências
funestas em Cuba. Não seria, é verdade, como o colapso da primeira
metade dos anos 90. Mas ainda assim, o peso da falta seria tremendo, e
se faria sentir de maneira contundente.
Os cubanos sabem disso.
Os venezuelanos sabem disso. Os opositores dos dois governos não apenas
sabem, como já traçam projeções do que acontecerá caso a cooperação seja
suspensa, e não parecem exatamente preocupados com as consequências.
Que, aliás, seriam sentidas fortemente nos dois países.
Na
Venezuela, porque, entre outras coisas, a saúde pública entraria em
pane, e essa é uma das conquistas mais valorizadas pelos milhões de
venezuelanos beneficiados pelo governo. Em Cuba, pelo corte abrupto do
petróleo e de todo o resto.
Nicolás Maduro, indicado por Chávez
para sucedê-lo, conta com a confiança de Fidel e Raúl Castro. Aliás,
esse foi um dos pontos que pesaram a seu favor no momento da escolha
para a difícil, muito difícil tarefa de suceder o condutor do processo
bolivariano na Venezuela.
Na eventualidade de uma nova eleição,
caso Hugo Chávez não possa assumir seu quarto mandato consecutivo,
Maduro é o candidato favorito. Ele certamente manterá os acordos entre
seu país e Cuba. Será, porém, um desafio a mais: a oposição terá mais
força, e seu principal dirigente, Henrique Capriles, o mesmo que Chávez
derrotou com folga em outubro passado, já deixou mais do que claro que
se opõe terminantemente à ideia de continuar beneficiando a ilha.
Não
há dúvida que, aconteça o que acontecer com Chávez, e isso vale
inclusive para a possibilidade de um afastamento definitivo, as linhas
básicas e centrais da revolução bolivariana serão preservadas. Mesmo sem
ele, o chavismo continuará determinando o processo político venezuelano
por muitos anos. Mas alguns de seus aspectos – e a forte ajuda que o
país presta principalmente a Cuba, mas também a outros governos da
região – com certeza passarão a ser alvo preferencial da oposição.
Impedidos de acabar os programas sociais que beneficiam milhões de
venezuelanos (a reação popular seria de dimensões impensáveis), os que
se opõem a Chávez e seu governo irão buscar brechas para despejar sua
artilharia.
A solidariedade internacional será um dos ímãs para
seus ataques. Todos sabem disso – a começar, claro, pelos cubanos. E,
com razão, estão preocupados.
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