Por Luiz Antonio Simas - Correio da Cidadania
No sábado (8), com a inauguração cheia de salamaleques da nova arena
do Grêmio, foi dado mais um passo no processo sinistro de gentrificação
dos estádios de futebol no Brasil. Uso gentrificação no sentido dado ao
termo pelos estudos pioneiros de Ruth Glass e Neil Smith; aquele que,
grosso modo, designa um processo de aburguesamento de espaços nas
grandes metrópoles e gera o afastamento das camadas populares do local
modificado. O espaço gentrificado passa a ser gerido
prioritariamente pelos interesses do mercado financeiro, do grande
capital e quejandos. Este processo de submissão ao capital é, em geral,
acompanhado de discursos legitimadores que vão desde o "tratamento
ecologicamente correto" até o da "gestão financeira responsável".
Não acho que o futebol seja um espetáculo, uma brincadeira, um jogo
ou uma guerra; ele pode ser tudo isso e muito mais. Futebol no Brasil é
cultura, pois se consolidou como um campo de elaboração de símbolos,
projeções de vida, construção de laços de coesão social, afirmação
identitária e tensão criadora, com todos os aspectos positivos e
negativos implicados neste processo. Nossas maneiras de jogar bola e
assistir aos jogos dizem muito sobre as contradições, violências,
alegrias, tragédias, festas e dores que nos constituíram como povo.
O processo de morte do futebol como cultura reduz o jogo ao patamar
de mero evento. Contamina, inclusive, o vocabulário, que perde as
características peculiares do boleiro e se adéqua ao padrão
aparentemente neutro do jargão empresarial. O craque se transforma em
"jogador diferenciado", o reserva é a "peça de reposição", o passe vira
"assistência", o campo é a "arena multiuso" e o torcedor é o
"espectador". As conquistas não são mais comemoradas em campo, mas em
eventos fechados, sob a chancela de patrocinadores e com a participação
do "torcedor virtual", aquele chamado a se manifestar pelas redes
sociais a partir do que verifica nas telas da televisão.
Mais grave é constatar que o exemplo do futebol não é a exceção. A
regra é gentrificar. Como carioca, este é um processo que talvez me
espante e entristeça mais, já que a cidade do Rio vive a mais agressiva
gentrificação de sua história recente. Penso nas arenas futebolísticas e
acho inevitável comparar com o famoso Parque Madureira, com o elevador
do Cantagalo, com o projeto de revitalização da zona portuária e
similares. O discurso do embelezamento urbano, do ecologicamente
correto, da dignidade do morador, é acompanhado da especulação vigorosa e
proposital do solo urbano e da ruptura criminosa de laços comunitários,
com a saída de uma população que não consegue mais pagar o aluguel ou
não tem como adquirir o imóvel na área embelezada. Há ainda um discurso
hegemônico na mídia que glorifica o embelezamento e esconde as
contradições sociais que ele traz. A limpeza social é silenciosa,
enquanto a limpeza urbana toca seus tambores, se apropria de códigos do
que ela mesma destrói e domina, pela propaganda, os corações e mentes.
Tenho me referido a este processo nocivo como "perversidade do bem", e
é ele hoje uma das mais ardilosas estratégias de submissão do homem aos
ditames dos grandes interesses corporativos. É bom ver o jogo
confortavelmente na Arena do Grêmio; é bom ter um camarote climatizado; é
bom ter uma área verde no coração de Madureira; é bom um elevador que
facilite a acessibilidade ao Cantagalo; é bom ter bicicletas disponibilizadas
por bancos (uso, propositalmente, os cínicos jargões empresariais deste
processo); é bom ver o porto maravilha ser a porta de entrada do Rio de
Janeiro... Mas é de uma perversidade assassina, castradora, higienista,
desarticuladora de laços comunitários, fria como um museu virtual,
adequada ao delírio dos corretores de imóveis, moldada ao gosto dos
velhos conservadores que sonham com as europas e os playboys
reacionários que desejam as miamis e califórnias. É bom e não é para
todos. É perverso quando se apropria dos ícones de um local e louva
estes ícones para destruí-los ou submetê-los (como acontece hoje na
minha cidade) aos interesses do mercado.
A perversidade suprema é matar a nossa cultura sorrindo e nos fazer
sorrir também, como clientes satisfeitos de um futebol-produto, de um
bairro-playground, de uma cidade-condomínio, de um jogo-espetáculo.
Assistiremos, aplaudindo, a simulacros festivos do que não é mais
o nosso pertencimento, seduzidos pelas fanfarras alegres do nosso
próprio – e lindíssimo – velório.
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