Por Izaías Almada.
Sem paixões
partidárias, sem extremismos ideológicos, preconceitos e com moralismos à
parte, seria interessante que se fizesse nos dias atuais uma pesquisa
de opinião pública mais específica em que se pudessem estabelecer
comparações pormenorizadas entre o Brasil que veio até o final dos anos
90 e o Brasil que se inicia após a eleição do presidente Luis Inácio
Lula da Silva.
Uma pesquisa
de opinião que não fosse apenas para servir a campanhas eleitorais ou
programas televisivos de partidos, onde por vezes a emoção conta mais
que a razão, mas levantando questões efetivamente alicerçadas sobre a
nova realidade do país, construída nos últimos oito anos nos campos
econômicos, políticos e sociais, avaliando – com mais dados – suas
causas e seus efeitos práticos.
É natural
que em toda atividade humana o avanço, o progresso e o bem estar da
sociedade sejam desejados, sonhados, trabalhados e – sobretudo – muitas
vezes conquistados. Nem sempre, entretanto, na história das nações, essa
premissa se fez valer. No caso do Brasil, desde o nosso descobrimento,
diga-se a bem da verdade.
Vamos apenas
citar como exemplo, já que mais recente, o golpe civil/militar de
1964/68, muito embora até aí se possam pinçar, mesmo com o retrocesso
político e a supressão das liberdades democráticas, alguns avanços
estruturais e superestruturais no país.
Fruto de uma
opção ideológica e de um alinhamento total com a política de estado
norte americana nos anos após a Segunda Grande Guerra, fugindo da
“órbita soviética”, as elites brasileiras, seus estratos mais
conservadores e reacionários, ao darem um golpe de estado no início da
década de 1960, expulsaram do poder político os setores mais liberais e
de esquerda que vinham conquistando posições de destaque em governos
como os de Getúlio Vargas, Juscelino Kubstcheck e João Goulart.
Esses
governos, embora de origem, natureza e alianças partidárias distintas,
tinham em comum, cada um à sua maneira, uma visão de futuro para o país.
Mais do que isso, uma visão de independência, de autodeterminação e de
criação e defesa de um parque industrial brasileiro. Muitos de seus
integrantes abraçavam causas nacionalistas, populares e até mesmo a
ideia de uma nação socialista.
A quebra da
legalidade democrática em 1964/68, fruto do alinhamento estratégico
acima citado, levou milhares e milhares de brasileiros a uma oposição
que, tolhida pela censura, mas consentida e subjugada no Congresso,
ainda assim venceu algumas eleições estaduais em 1965. Com as prisões,
cassações e perseguições, chegou a pegar em armas. Durante 21 anos a
repressão entre nós se fez e de forma violenta, batendo e arrebentando
segundo o eufemismo castrense, chegando a reunir opositores cujo leque
ideológico variou de uma direita propositiva e nacionalista, passando
por católicos conservadores e progressistas até uma esquerda
guerrilheira socialista e internacionalista.
Com o correr
dos anos e da reconquista da democracia, contudo, para desespero dos
espíritos autoritários e saudosos de um regime fechado, o poder volta a
ser disputado nas urnas. Através de sucessivas eleições o exercício
desse poder é aceito e consagrado dentro de um mundo de configuração
ainda capitalista, agora com suas regras neoliberais fortemente
colocadas no tabuleiro, mas também aberto e cativo das possíveis opções,
para milhões de seres humanos, entre as economias socialistas e
capitalistas. Opção e conflito particularmente intenso nos países em
desenvolvimento do chamado terceiro mundo, vítimas seculares da predação
capitalista.
Nesse novo
cenário, onde prosperaram as ideias do fim da História, do Estado
mínimo, da economia regulada pelo mercado, das especulações financeiras
sem regulamentação legal e, sobretudo, pela desintegração do bloco
socialista na Europa de leste com o fim da União Soviética, com o
surgimento de dúvidas e inseguranças ideológicas por aí geradas, era
natural que se desse novo realinhamento no terreno da prática econômica e
política mundial e, por conseguinte, na brasileira. As peças no
tabuleiro se movimentavam com o propósito do cheque mate à opção
socialista, com a palavra e a atitude agressiva da globalização
econômica substituindo eufemisticamente o uso do substantivo imperialismo.
A
emblemática queda do muro de Berlim e o esfacelamento de inúmeros
Partidos Comunistas ao redor do mundo, além de lançar na orfandade
milhões de cidadãos que ansiavam pelas transformações e avanços sociais,
acabou por despertar nos esquerdistas de ocasião ou arrependidos, nos
‘pragmáticos’ liberais, e nas novas gerações crescidas dentro da
propaganda neoliberal, a oportunidade de revelarem – aqueles – o seu
verdadeiro caráter e ideologia há tantos anos sufocada e reprimida, e
nas novas gerações o sonho do enriquecimento fácil e do consumismo
desbragado. Isto para não nos aprofundarmos nas decisões “pragmáticas”
tantas vezes invocadas em defesa do status quo. E no fechar de olhos à
crescente cultura da corrupção.
Creio que
não saiu de moda o aforismo “a ocasião faz o ladrão”. Pode-se,
igualmente, também dizer que em política as circunstâncias fazem as
opções ideológicas e partidárias. Não será de um, de cem ou de mil o
número de pessoas que transitam de um lado para outro do espectro das
ideias e da política partidária, consoante o canto da sereia. Essa
liberdade de escolha, em si, não é condenável. Qualquer um de nós tem o
direito e a liberdade de fazer as escolhas e as opções políticas que
quiser. É isso, pelo menos, o que pregam os democratas convictos da
velha guarda ou os arrivistas. Temos é que manter alguma coerência com
essas opções. Ou justificá-las com alguma honradez quando nos levamos a
sério.
O que parece
condenável, a meu ver, é constatar que homens minimamente dotados de
conhecimentos que os credenciam à vida pública prepararem-se para o
exercício do poder político mercê do jogo sujo e oportunista de se
adaptarem às circunstancias de momento, a assumirem uma demagogia de
linguagem rebuscada e pseudocientífica, a nadarem sempre a favor da
correnteza, a dançarem conforme a música lhes é agradável e de ritmo
conveniente.
Será essa,
com certeza, a história política brasileira contemporânea que, entre
inúmeros exemplos, evidencia o caso dos cidadãos José Serra e Fernando
Henrique Cardoso, dois expoentes de uma, seja dita, esquerda política,
que nada mais representou até hoje do que o sonho social democrata em
ninhos de esquerda de matizes socialistas, enquanto ser de esquerda era a
“moda”, ainda que arriscada e perigosa. Em particular dentro do âmbito
muitas vezes elitista e acadêmico das universidades. Os caminhos do
exílio e do banimento durante e após o golpe de 1964 têm, a esse
respeito, histórias bem diferentes para serem contadas.
A trajetória
desses dois expoentes do PSDB é emblemática em vários sentidos: FHC
pelo exercício aligeirado e elegante do mando político, mas desprovido
de maior conteúdo; Serra pela obsessão em chegar à presidência da
república, gabando-se de ser um dos brasileiros mais preparados para
isso.
FHC comandou
um país subalterno e dependente economicamente de empréstimos obtidos
junto ao Fundo Monetário Internacional, vendendo a trinta dinheiros
várias empresas públicas, incentivando o verdadeiro mensalão para a
aprovação da reeleição em causa própria, deixando varrer para debaixo do
tapete a grande negociata das privatizações, eliminando conquistas
trabalhistas de décadas, mantendo um salário mínimo de fome, sucateando e
mercantilizando a educação e as escolas e universidades, negligenciando
a saúde, para lá indicando seu fiel escudeiro e até então protegido.
Essa escola
de “bem governar”, que pretendeu permanecer 20 anos ou mais no poder
federal (em parte conseguindo o seu intento no governo de São Paulo),
foi – enquanto isso – gerando em seu ninho um quadro que levasse à
frente o programa neoliberal com algumas tinturas menos ortodoxas,
fazendo-o caminhar pelas instâncias do Ministério da Saúde, do governo
do Estado de São Paulo e da prefeiturade São Paulo, mandatos nem todos
eles concluídos, é bom lembrar, tamanha a obsessão do candidato ao cargo
pretendido.
O Brasil
desses dois homens, nesses tempos informatizados, em que a realidade
muda com grande rapidez, se transformou também rapidamente num Brasil do
passado; no Brasil dos envergonhados de serem brasileiros; no Brasil
dos subalternos, da política externa submissa, dos que adoram encher a
boca para falar mal do seu país; no Brasil dos arrogantes de títulos
acadêmicos e de togas acima do bem e do mal, dos que comem peru e pensam
arrotar caviar; no Brasil das citações de pé de página; no Brasil em
que muitos insistem na justiça mais flexível para a Casa Grande e na
mais rígida obediência às leis para a senzala; no Brasil dos que ainda
anseiam por golpes militares; no Brasil da improvisação no lugar do
conhecimento, muitas vezes maquiada de competência; no Brasil dos
armários cheios de esqueletos físicos e morais; no Brasil de um passado
que tem medo da verdade; no Brasil de uma imprensa chantagista e
irresponsável, legando aos governos de Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma
Rousseff, o pesado fardo de consertar muita sujeira e muita
incompetência de se passado mais recente, tão evidente e tão escondido
pela mídia.
Vistos os
fatos por essa perspectiva, mas com os olhos confiantes postos no futuro
e nas transformações que vão, pouco a pouco acontecendo interna e
externamente, é que se pode afirmar: O BRASIL PRECISA DE SERRA E FHC!
O Brasil precisa de Serra e FHC para esquecer o passado;
O Brasil
precisa de Serra e FHC para se lembrar de não mais abaixar servilmente a
cabeça para países arrogantes e de natureza imperialista;
O Brasil precisa de Serra e FHC para mostrar a si mesmo e ao mundo que outro país é possível;
O Brasil precisa de Serra e de FHC para sempre se lembrar que não é preciso chegar ao limite da irresponsabilidade;
O Brasil
precisa de Serra e de FHC para, desmentindo-os, jamais privatizar sua
riqueza e entregar o país a grupos internacionais;
O Brasil
precisa de Serra e FHC para mostrar, na prática, que criar 15 milhões de
empregos em carteira não é uma questão de promessa eleitoral;
O Brasil
precisa de Serra e FHC para, paradoxalmente ignorando-os, mostrar ao
povo brasileiro como é possível manter em mãos do país uma empresa como a
Petrobrás, sem descaracterizá-la ou entregá-la a grupos estrangeiros;
O Brasil
precisa de Serra e FHC para, ao contrário deles, perceber que o mundo
começa à nossa volta, com os nossos vizinhos da América do Sul e do
Caribe;
O Brasil
precisa de Serra e FHC, enfim, para sacudir a poeira do atraso, o
colonialismo cultural e assumir em definitivo o seu destino de grande
nação.
Na parede da
ante-sala desse novo país que, tudo indica, está sendo construído, será
preciso colocar o retrato emoldurado desses dois personagens. E
olhando-o, sem qualquer saudade, ainda assim invocarmos o grande poeta
mineiro usando o tempo do verbo de nossa lamentação no passado: “E como
doeu!”.
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