31/05/2013

Colômbia: um passo rumo à paz. Faltam muitos.


 Eric Nepomuceno - Carta Maior
Foram necessários seis meses, muitas idas e voltas, houve tensão em determinados momentos, desalento em outros, mas finalmente o governo colombiano do presidente Juan Manuel Santos e as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia, as FARC, chegaram a um acordo. E essa é uma notícia boa: no primeiro e mais complexo ponto de uma agenda de seis temas chegou-se a um acordo entre a guerrilha mais antiga da América Latina e o governo constitucional da Colômbia.

Faltam outros cinco pontos, é verdade. Mas esse primeiro, pela sua amplidão e por ser foco de violência e divergência desde sempre, tinha um peso especial. Trata-se da questão agrária, e durante esses longos seis meses guerrilha e governo negociaram aspectos tão profundos e diversos como a infra-estrutura e a adequação de terras, desenvolvimento social (saúde, educação, pobreza, moradia), estímulo à produção, economia solidaria e cooperativa, assistência técnica, créditos, subsídios, enfim, tudo que fazia falta quando, e justamente por causa da questão agrária, as FARC se formaram e deram início a uma luta que até hoje não cessou. Foram estabelecidas bases para que os sem-terra deixem de ser sem-terra.

Desde novembro do ano passado os dois lados tratam de negociar em Havana, ao amparo de Cuba, da Noruega, da Venezuela e do Chile.

É verdade que os colombianos tiveram experiências amargas num passado não muito distante, quando guerrilha e governo buscaram um acordo de paz e não se chegou a parte alguma. A última dessas experiências foi em 2001.

Mas também é verdade que, desta vez, há razões concretas para otimismo. Se efetivamente implantado, esse primeiro dos seis pontos em discussão irá transformar, de maneira radical, o campo colombiano.

O próximo ponto começará a ser discutido, sempre em Havana, no dia 11 de junho. O tema não é nada fácil: a participação política das FARC na vida do país, depois que desmobilize suas tropas.

Na verdade, o acordo em si, que só existirá se houver consenso com relação a todos os pontos de sua agenda, desperta reações divergentes – profundamente divergentes – na Colômbia.

A questão da participação dos ex-guerrilheiros na vida política, por exemplo, é rejeitada, segundo algumas pesquisas, por 67% da opinião pública colombiana. Para essa parcela majoritária, nenhum guerrilheiro deveria poder ocupar cargos públicos ou se candidatar a nada. Ao contrário: deveria ser julgado e condenado.

Ao mesmo tempo, 70% dos entrevistados dizem almejar que se chegue, de uma vez por todas, a um acordo de paz com a guerrilha. Esses 50 anos de violência provocaram milhares de mortos, deslocaram dezenas de milhares de colombianos de sua região para outra, impediram um desenvolvimento econômico mais acelerado (bem, isso na suposição de que os diferentes governos ao longo desse período tivessem alguma proposta concreta...).

O governo diz que não busca a paz com impunidade, mas uma paz digna. E que haverá uma campanha de esclarecimento junto ao eleitorado, que será convocado para ratificar o acordo, quando for a hora. A guerrilha diz que se está avançando mais que nunca, mas que ainda falta muito.

Se esse primeiro passo no acordo foi saudado por governos de tendências tão avessas como Washington e Caracas, na opinião pública colombiana as reações foram divididas. É natural, numa sociedade tal polarizada com relação ao tema da paz.

Já a oposição ao presidente Santos, a começar por seu antecessor e principal mentor, Álvaro Uribe, não poderia ter reagido de maneira mais furibunda. Ele foi duro e contundente em seus comentários. Disse, por exemplo, que o acordo será um prêmio aos ‘terroristas’, e que é inaceitável que o modelo agrário colombiano ‘seja negociado pelo governo de Santos com o narco-terrorismo’.

José Lafourie, presidente da Federação Colombiana de Pecuária, fez exatamente o que se podia esperar dele e de seus pares: criticou duramente o acordado, dizendo que ‘a face anti-empresarial das FARC atrasou por décadas o desenvolvimento rural do país’. Outro digno representante das elites do país, Oscar Zuluaga, foi direto ao ponto: muito mais do que reformas do setor rural, o que se acordou em Havana foi uma recolocação total do modelo de desenvolvimento do país.

Há muito chão pela frente, e nada será fácil. As FARC insistem: não querem uma negociação-express, preferem discutir cada linha, cada palavra, com calma, para estabelecer acordos fechados em seus mínimos detalhes e, assim, evitar interpretações antagônicas no futuro.

O governo, por sua vez, diz que está disposto a negociar, mas que tem bem claros os limites na hora de conceder.

Claro que na Colômbia há outros desafios gigantescos para serem resolvidos: 33% dos colombianos vivem abaixo da linha da pobreza, por exemplo, e é preciso mudar isso. Mas sem que se chegue a uma paz sólida, tudo que mudar será sempre pouco.

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