Saul Leblon - Blog das Frases
O jogo do conservadorismo para 2014 está montado em duas cartas: uma de
natureza diretamente política; outra, de manipulação das expectativas
econômicas.
Com a primeira, pretende-se impedir que Lula transfira a força de seu prestígio ao palanque de Dilma.
O
processo de investigação contra o ex-presidente, engendrado no
circuito Gurgel, Valério & Associados, tem essa finalidade.
Com
a segunda, trata-se de corroer a confiança do país no futuro, de modo a
impedir que o capital privado migre do rentismo para o novo ciclo de
investimento produtivo buscado pelo governo.
Ademais de jogar a
economia num corner inflacionário , dado o desequilíbrio entre oferta e
demanda, o êxito dessa dupla cartada deixaria Dilma ‘solteira’, num
palanque cercada de difamação administrativa por todos os lados.
Esse é o jogo.
O primeiro tempo corre nas manchetes e escaladas noticiosas.
O segundo, com os acréscimos previsíveis de golpes baixos, tomará todo o ano de 2014.
Como
na mesa de truco, o sucesso da empreitada depende do poder de
convencimento daqueles cujo blefe não contagiou o Brasil em 2002, 2006 e
2010.
Por que haveria de ser diferente agora?
Distorções
intrínsecas à macroeconomia das últimas décadas (juro sideral e
câmbio valorizado) , acrescidas do contágio lento, mas cumulativo, da
desordem planetária neoliberal , afetam o crescimento brasileiro nesse
momento.
O vício rentista trazido dos anos 90, quando a taxa de
juro chegou a estonteantes 40%, poupou o dinheiro graúdo dos
percalços do mundo físico da produção, até meados de 2008.
A uma
elite sempre dissociada do país, concedeu-se trocar o relevo acidentado
da produção, pela planície financeira do ganho alto, com risco zero e
liquidez imediata.
Esse dinheiro bronzeado em férias permanentes
em paraísos fiscais e locais, está sendo induzido agora, a toque de
juros baixos, a se sujar de graxa e poeira outra vez.
Não é uma travessia simples, mesmo quando todas as variáveis estão sob controle.
E, no caso, elas não estão.
A
principal variável, a das expectativas em relação ao futuro brasileiro,
está sendo minada, diariamente, pelo dispositivo midiático conservador.
O governo enfrenta aqui a sua principal desvantagem.
A questão decisiva da confiança não argui, propriamente, os projetos de investimento previstos e em curso.
Não se questiona a sua pertinência.
Nem
seria possível. O Brasil precisa aproveitar a alavanca do pré-sal para
se reindustrializar. Tem que readequar uma infraestrutura desenhada para
a sociedade elitista do século XIX, ao gigantesco mercado de massa
revelado sob o ciclo de governos do PT.
As dimensões do que já se encontra em andamento colocam o país no ranking dos maiores canteiros de obras do mundo.
Das 50 maiores tapumes de infraestrutura e energia erguidos no planeta, 14 estão no Brasil.
A Europa se liquefaz; os EUA ainda tropeçam; as taxas juros são negativas em 90% dos mercados relevantes do globo.
Dados
da associação Brasileira de Tecnologia para Equipamentos e Manutenção
(Sobratema)informam que no Brasil, ao contrário, há 12.260 obras e
investimentos importantes agendados para até 2016.
Em valores, R$ 1,5 trilhão. Pouco menos que a metade do PIB atual.
Onde a coisa emperra então?
Na barragem de fogo que fomenta a incerteza quanto à capacidade do atual governo de implantá-los.
A acusação é de intervencionismo.
'O
governo Dilma quer decidir até a taxa de lucro dos projetos', uivam os
órfãos nativos de Margareth Tatcher -- 'a ladra do copo de leite'(leia
sobre a construção do mito neoliberal na matéria do correspondente em
Londres, Marcelo Justo; nesta pág)
O dispositivo midiático fala à elite e aos investidores, locais e forâneos.
A mensagem é: não se arrisquem agora; se o PT for derrotado em 2014, as regras do jogo mudam.
A pregação pela alta dos juros sinaliza o convite e o nome da recompensa.
À medida em que posterga prazos e projetos urgentes , a incerteza muda o pano de fundo econômico da disputa politica.
É
esse manejo psicológico do futuro brasileiro que dá à mídia em 2014 uma
importância ainda mais central do que já teve em 2002, 2006 e 2010.
Em 2002, o governo era comandado pelo conservadorismo.
Sua inoperância estava tão evidente que nem mesmo a barragem da mídia seria capaz de acobertá-la.
Lula ganhou.
Em
2006, o cerco montado em torno das denúncias do ‘mensalão’ colidiu de
frente com a resistência social, embalada por uma economia em
ascensão, em contraposição à memória ainda fresca do desastre tucano no
poder.
Lula foi reeleito.
Em 2010, o país contabilizava os ganhos do enfrentamento contracíclico oposto ao colapso da ordem neoliberal.
Dilma venceu.
Hoje, a disposição das peças do xadrez é mais complexa.
O
mantra do ‘Brasil que não dá certo’, mesmo sendo essencialmente uma
conveniência ideológica, pode interferir objetivamente no cenário
econômico e político.
O cerco a Lula, na medida em que possa enfraquecer o fiador de última instância de Dilma, converge no mesmo sentido.
Por isso a dimensão midiática da luta eleitoral hoje é mais decisiva do que o foi em 2002, 2006 e 2010.
Desengavetar o marco regulatório da mídia é imperativo.
Mas talvez não seja mais suficiente. O processo, previsivelmente longo, não responde à urgência da hora.
Como diz o governador Tarso Genro, em sintomática entrevista concedida a Marco Aurélio Weissheimer (leia aqui) , o Brasil vive sob o bloqueio da informação.
A mídia interdita o debate e a solução dos problemas nacionais.
‘Temos, frequentemente, que recorrer à mídia alternativa para romper o cerco’, resumiu o líder gaúcho.
Recorrer aos veículos alternativos e aos canais públicos talvez não possa mais ser encarado como a alternativa do desespero.
Chegou a hora de cogitá-la como a resposta da sensatez.
Nenhum comentário:
Postar um comentário