A prisão de Guantánamo está perturbando a Casa Branca. Desde meados
de fevereiros, uma greve de fome vem sendo feita por 43 detentos,
segundo o Pentágono, ou 130, segundo os advogados de defesa.
Reclamam contra maus tratos, inspeções intrusivas como a que tomou
seus exemplares do Alcorão e especialmente por ficarem detidos
indefinidamente, sem terem sido condenados num julgamento.
Em fins de março, Navi Pillay, Alta Comissária da ONU para Direitos
Humanos, falou contra a prisão. “Precisamos ser claros a respeito disso
(Guantánamo)”, ela disse, “os EUA não estão apenas violando seus
compromissos, mas também as leis internacionais e os princípios que
estão obrigados a cumprir”.
E comentou: “quando outras nações violam esses princípios, os EUA –
de forma correta – as criticam fortemente”. Enquanto fazem a mesma
coisa.
A alta comissária da ONU também se queixou: “estou profundamente
desapontada porque o governo dos EUA não foi capaz de fechar Guantánamo,
apesar de repetidamente ter se comprometido a fazer isso”.
O problema da greve de fome se agravou quando soldados estadunidenses
avançaram sobre os grevistas, removendo-os para prisões solitárias.
Foi para limpar as câmeras de inspeção que tinham ficado obstruídas
pelos detentos, assegura o Pentágono. Foi para puir os grevistas,
garantem os advogados deles.
De qualquer modo, houve um conflito que não foi brincadeira, pois até tiros foram disparados pelos militares.
Segundo o Pentágono, cinco prisioneiros e dois soldados saíram
feridos, estes por garrafas de água usadas como armas por seus
oponentes.
O que os advogados clamam ser impossível, já que há vários meses os
estadunidenses proibiram a entrada de garrafas de água no recinto dos
prisioneiros.
Diante dessa sucessão de fatos inconvenientes, o governo defendeu-se.
Jay Carney, portavoz da Casa Branca, lamentou os incidentes e lembrou:
“a visão do presidente Obama é que a prisão deve ser fechada”.
Isso só não aconteceria devido a obstáculos criados pelo Congresso, que impedem Obama de cumprir sua vontade.
Só em parte é verdade. De fato, o Congresso votou leis e resoluções
cujo objetivo é manter todos os presos em Guantánamo indefinidamente.
Mas Obama, por sua parte, não fez nada para tentar fechar a prisão.
Pelo contrário, recentemente fechou o único setor público envolvido no
estudo dessa questão.
Do que depender de sua inação, Guantánamo não mudará: ficarão lá 166
presos, muitos dos quais para sempre, sem serem levados a julgamento por
não existirem provas contra eles, embora o exército os considere
culpados.
O mais escandaloso é que 86 deles, liberados como inocentes, em 2009, continuam ainda presos.
Depois de um nigeriano recém-solto ser recrutado pelo terror no Iêmen
e enviado para os EUA com uma bomba para explodir no avião, Obama
proibiu a soltura dos iemenitas liberados.
O Congresso foi mais além. Incluiu na proibição todos que iriam para
qualquer país rotulado como “perigoso” ou onde houvesse um único
prisioneiro liberado que tivesse reincidindo em ações anti-americanas.
Essas regras vencem neste ano e Obama já providenciou sua extensão para mais 12 meses.
Ou seja, 86 homens que estão presos há anos, alguns há 10, apesar de
oficialmente inocentados de crimes contra a segurança dos EUA, tiveram
sua reclusão aumentada em, pelo menos, mais um ano.
Analisando os motivos dessas proibições, analistas ponderam que as
provas do retorno ao terrorismo por prisioneiros liberados são vagas.
Rosa Brooks, professora de direito e ex-assessora política de Obama, em artigo na revista Foreign Policy, concede que isso pode até ser verdade. Mas ela pergunta: “e daí?”
Será que os danos causados aos EUA por esses pouquíssimos
reincidentes são piores do que os danos causados pela sua permanência em
Guantánamo?
Ela conclui: “deveríamos ponderar os perigos de libertar detentos
contra as ameaças a longo prazo provocadas pelas nossas políticas de
detenção. Há amplas razões para se acreditar que as políticas de
detenção dos EUA incitaram muitos sentimentos anti-americanos por todo o
mundo”.
De fato, recente pesquisa Gallup em 130 países mostra que o prestígio
da liderança dos EUA caiu em média de 49% em 2009, início do governo
Obama, para 41%, em 2012. Na Europa, a queda foi maior. De 42% para 36%.
Por sua vez, pesquisa YouGov mostra que, no Oriente Médio, o número
daqueles que não confiam nos EUA é duas vezes maior do que os que
confiam.
Lembre-se que coisas como Guantánamo são responsáveis pelo
alistamento de grande número de jovens islamitas na Al-Qaeda e outros
movimentos terroristas.
Rosa Brooks tem outro argumento contra a proibição de soltura de
presos inocentados: mesmo considerando reais as discutíveis acusações do
Pentágono, “a maioria dos detentos previamente libertados de Guantánamo
não retornou ao campo de batalha”. E entre os que o fizeram, raros
parecem representar uma ameaça direta ou grave aos EUA.
É de se acrescentar que punir inocentes para não deixar livres os
culpados é uma prática absolutamente inaceitável pelo direito dos países
civilizados.
Trata-se do velho “pagam os inocentes pelos pecadores” que, na Idade
Média, era até comum. Mas o mundo avançou, embora, nesse capítulo, o
governo estadunidense parece não ter percebido.
Como disse a representante da ONU: “isto (homens mantidos presos
depois de inocentados), solapa a postura dos EUA de ser um defensor dos
direitos humanos e enfraquece sua posição quando ataca violações de
direitos humanos em outros lugares”.
Segundo o portavoz da Casa Branca, é exatamente o que Obama pensa. Mas não age.
Fechar a criticada prisão estaria dentro das suas atribuições como
presidente dos EUA. Tanto é que, no início do seu primeiro mandato,
chegou a emitir uma ordem executiva nesse sentido (depois adiada).
Ele teria condições legais de enfrentar as proibições do Congresso para suprimir essa mancha na imagem dos EUA.
Certamente, sofreria ataques dos congressistas republicanos e até do
seu partido, dos militares e de grandes veículos da mídia, tendo à
frente a rede Fox do magnata Murdoch.
Para Obama, é mais tranquilo dizer que ele sempre foi contra Guantánamo, pondo no Congresso a culpa de sua permanência.
E não mexer numa palha. No curto prazo, ele foge de maiores problemas. Mas, estrategicamente, seria de interesse dos EUA?
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