Marcelo Justo- Carta Maior
Londres - No plano internacional ela era a “dama de ferro”. Entre
os britânicos tinha outro apelido mais emblemático: “ladra do copo de
leite”. Dois fatos definiram sua vida política: a guerra das Malvinas e o
radical programa de privatização econômica. Ambos marcam a particular
contribuição da junta militar argentina encabeçada pelo general Leopoldo
Fortunato Galtieri à história universal do século XX: sem as Malvinas,
Thatcher não teria se convertido na heroína da economia de mercado que
começou a se expandir por todo o planeta desde meados dos 80.
Nascida
Margaret Roberts no dia 13 de outubro de 1925, em Grantham (norte da
Inglaterra), de um quitandeiro e pastor laico metodista, de quem diria
em sua autobiografia teria aprendido “tudo o que sabia de política”,
Thatcher chegou ao Parlamento em 1959 e aos primeiros escalões do
governo, dois anos mais tarde. Obteve um grande apoio político das mãos
do conservador Edward Heath, que agradeceu seu apoio em sua eleição como
líder partidário, nomeando-a ministra da Educação em 1970 com a missão
de reduzir o gasto estatal.
Convencida que a presença do Estado
na economia e na vida individual era uma das grandes maldições do Reino
unido, Thatcher agradeceu a oportunidade dada por Heath e eliminou o
copo de leite para as crianças entre 7 e 11 anos, episódio que lhe valeu
o apelido de ladra. “Aprendi uma lição muito importante”, diria em sua
autobiografia, “consegui atrair o máximo nível de ódio coletivo com o
mínimo nível de benefício político”.
O governo de Edward Heath
caiu em 1974 arrastado por uma crise petroleira internacional e – fato
que a dama de ferro jamais esqueceria – e pela greve de mineiros e a
semana de trabalho de três dias por causa dos cortes no fornecimento de
energia. Em 1975, foi ao escritório de seu mentor político, o mesmo
Heath, para informá-lo que tentaria disputar a liderança do Partido
Conservador. “Nunca ganhará. Bom dia”, foi a resposta de Heath.
Convertida
em líder da oposição, um diário soviético a chamou de “dama de ferro”
após um virulento discurso contra a política de direitos humanos da
União Soviética, ajudando-a como ninguém a forjar, com esse apelido, sua
imagem pública. A crise econômica do governo trabalhista de James
Callaghan e o famoso “inverno do descontentamento”, com greves de
lixeiros e coveiros que deixaram uma imagem de paralisia absoluta de um
país onde nem os mortos podiam descansar em paz, prepararam o caminho
para sua vitória nas eleições de 1979.
Seu primeiro encontro com a
imprensa é lembrado por uma citação que fez de São Francisco de Assis e
por um pouco usual tom pacificador. “Onde houver desacordo, que eu
traga harmonia. Onde houver erro, que eu traga a verdade. E onde houver
desespero, espero trazer esperança”. São Francisco de Assis não voltou a
frequentar seus discursos.
Com um duríssimo programa de
austeridade, com cortes do gasto público e aumento de impostos, a
economia afundou em uma recessão e, em dezembro de 1980, só 23% dos
britânicos a apoiavam, o nível mais baixo desde o início das pesquisas
de avaliação de um primeiro ministro. Os violentos distúrbios sociais
nas principais cidades britânicas em 1981 e um desemprego que superou a
casa de três milhões de pessoas – o triplo do que havia com o governo
trabalhista – golpearam ainda mais a escassa popularidade de seu
governo.
Tudo seguiu assim até que apareceu a junta militar
argentina. A guerra das Malvinas permitiu-lhe reafirmar como nunca antes
sua imagem de dama de ferro por mais que documentos secretos liberados
no ano passado mostrem que durante o conflito sua posição mais flutuante
do que foi propagado com a vitória militar. Esta vitória abriu caminho
para o triunfo eleitoral em 1983 com uma maioria absoluta que lhe
permitiu avançar com um radical programa de privatização e desregulação
financeira que mudariam o Reino Unido do pós-guerra.
A forte
presença estatal na economia foi drasticamente reduzida (venda da
indústria automobilística Jaguar, da telefônica British Telecom, da
British Aerospace, da British Gas, etc.) e praticamente aniquilada com a
segunda onda de privatizações que se seguiu à vitória eleitoral de 1987
(aço, petróleo, a British Airways, a Rolls Royce, água e eletricidade).
Apenas o Serviço Nacional de Saúde e o sistema ferroviário se salvaram
da poda que incluiu o poderoso setor de habitações municipais construído
no pós-guerra. A esta revolução neoliberal se somou a desregulação do
setor financeiro com as novas regras que passaram a reger a Bolsa de
Londres em 1986, o célebre Big Bang que muitos analistas situam como a
origem da turbulência financeira mundial que sacode o mundo desde
2007-2008.
Ao mesmo tempo, sua imagem de dama implacável se
consolidou com o atentado que sofreu do IRA em 1984 e com sua vitória
sobre a greve dos mineiros que terminou de desarticular o poderoso
movimento operário britânico do pós-guerra. Essa imagem, tão importante
em sua carreira política, terminou convertendo-se na armadilha que
precipitaria sua queda.
Apaixonada por sua própria intransigência
principista, assumindo ares de rainha com o eleitorado e com seu
próprio gabinete, Thatcher implantou um imposto municipal que se baseava
no número de pessoas que vivia em uma casa e não no valor do imóvel. Em
março de 1990, uma manifestação de centenas de milhares de pessoas no
centro de Londres abriu a cortina para a primeira cena do último ato.
Apesar de só 12% dos britânicos terem apoiado a medida, Thatcher apelou a
esse escudo público que havia forjado nos anos mais exitosos de sua
carreira – “vocês mudem, esta dama jamais fará isso”, disse certa vez – e
se negou a recuar. Foi um erro gigantesco. A gota que fez o copo d’água
transbordar foram suas eternas brigas com a Europa e o desdém público
com que tratou o seu então vice-primeiro ministro Geoffrey Howe – um dos
cérebros econômicos do thatcherismo – forçando sua renúncia.
Em
novembro de 2011, um ex-ministro, Michael Heseltine, forçou uma votação
sobre a liderança do Partido Conservador e ainda que Thatcher tenha
vencido o primeiro turno, seus próprios ministros e assessores deixaram
claro que perderia o segundo. “Foi a típica traição com um sorriso nos
lábios”, diria Thatcher a BBC. Desconsolada, a dama de ferro renunciou
ao seu cargo. Uma foto da época mostra-a com os olhos chorosos olhando
desde a janela de sua limusine a parta de 10 Downing Street, residência
oficial que acabava de deixar após 11 anos no poder. Era uma imagem
atípica, feroz, que muitos britânicos celebraram nos pubs. Nada havia
comovido a dama de ferro em todos esses anos. Nada salvo esse sonho
desfeito de eterno poder.
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