26/03/2013

Fórum Social Mundial e o contexto geopolítico na Tunísia


Por Deborah Moreira, enviada especial do Vermelho à Tunísia

O ditador Ben Ali, que governou o país durante 23 anos, precisou deixar o país após uma onda de protestos. Atualmente, a Tunísia é presidida por Moncef Ben Mohamed Bedoui-Marzouki. Recentemente, uma crise política foi instalada por causa da morte do dirigente opositor Chukri Bel Aid, assassinado quando estava saindo de sua casa, em 6 de fevereiro. Com isso, o então primeiro-ministro da Tunísia, Hamadi Jabali, renunciou.

Como a Tunísia, outros países da região do Magrebe-Mashreq - Magrebe composta por Argélia, Marrocos e Tunísia e Mashreq Egito, Jordânia, Líbano e Síria - passam por situações semelhantes. É neste cenário que acontecerão os debates e conferências do FSM. Os ativistas presentes esperam que o mundo árabe seja enxergado com menos distanciamento, da forma como ele é, sem distorções.


Diversos movimentos sociais brasileiros estão entre as mais de 4.500 organizações inscritas no FSM, de 127 países, nos cinco continentes, como a União de Negros pela Igualdade (Unegro), a Central de Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil (CTB), a Confederação Nacional das Associações de Moradores (Conam), a União Brasileira de Mulheres (UBM), a União Nacional dos Estudantes (UNE) e União da Juventude Socialista (UJS).

Durante os cinco dias do FSM os participantes também poderão conferir mais de mil conferências, 70 espetáculos musicais, entre eles, Gilberto Gil que abrirá a programação cultural do FSM na Tunísia. Cerca de cem filmes também poderão ser vistos, muitos retratando a cultura árabe e o universo da mulher árabe, além de mais de 50 exposições e manifestações culturais.

Desta vez, antes da grande tradicional marcha de abertura, haverá uma Assembleia Geral de Mulheres, às 10h desta terça (26), que abrirá oficialmente o Fórum. São esperadas militantes de diversas partes do mundo que farão contatos e debates sobre os temas relacionados ao feminismo e a apropriação da luta das mulheres do mundo árabe.

“Há uma grande expectativa sobre esse encontro, que normalmente é bastante intenso devido às demandas locais e a diferença entre os diversos grupos. Há muitas etnias, muitas necessidades diferentes de cada país árabe. Anteriormente, em outros encontros que ocorreram na África, como em Senegal, tivemos discussões calorosas e tensas”, declarou Liége Rocha, secretária nacional da Mulher do PCdoB, durante encontro preparatório ocorrido na sexta-feira (22), na sede do Partido, em São Paulo.

Encerrado o encontro, é esperado que a partir das 14h os militantes comecem a concentração para a marcha na Praça 14 de Janeiro, palco da insurgência no país localizado no Norte da África. Vale lembrar que a região tem sofrido com a intensa pressão promovida pela expansão neocolonialista da França e Grã-Bretanha.

“Temos que levar um debate internacional, não somente da região árabe. A crise do capitalismo perdura, se aprofunda, pois é sistêmica e estrutural, não tem um fim previsível, e tem consequências geopolíticas e militares. E para sair dessa “crise” as grandes potências estão criando situações de desvalorização das forças produtivas e de guerra.

Os países imperialistas hoje, tem uma unidade política que é a OTAN[Organização do Tratado do Atlântico Norte] junto com o Japão. Desde a Segunda Guerra mundial não há conflito militar entre essas grandes potências imperialistas”, analisou Ricardo Alemão Abreu, secretário de Relações Internacionais do PCdoB, durante o encontro.

Segundo Alemão, as revoltas árabes tinham inicialmente um grande potencial de revoluções. “O que houve foram revoltas, a primeira inclusive foi no Saara Ocidental, em outubro de 2010, depois Tunísia e Egito. São revoltas legítimas, por demandas democráticas populares que tinham potencial de resistência anti-imperialista no início, em especial na Tunísia e no Egito, com forças políticas progressistas que, mesmo dispersas, são importantes, em especial a Tunísia”, reconheceu o secretário nacional do PCdoB.

No entanto, ainda de acordo com sua avaliação, na iminência de uma ascensão das forças de esquerda, os Estados Unidos intercederam para apoiarem setores que eles poderiam controlar, no caso, a Irmandade Muçulmana. “Eles pensaram o seguinte: já que vamos perder, vamos escolher quem vai entrar para ter controle, antes que aconteça uma virada de fato nos países árabes. Seria uma “primavera árabe” se realmente as forças progressistas, anti-imperialistas, tivessem assumido os governos”, completou o dirigente comunista.

Caso Síria

Alemão enfatizou a situação atual da Síria, que há cerca de dois anos sofre uma “agressão imperialista”, diferente do que ocorreu e ocorre ainda nos demais países da chamada Primavera Árabe.

“Na Tunísia e no Egito ocorrem processos com potenciais revolucionários, que foram frustrados pela ação do imperialismo, mas que ainda podem ser vitoriosos ao longo do tempo. Já a Síria não tem nada disso. Na Síria foram revoltas espontâneas inicialmente, por democracia e direitos econômicos sociais legítimos, mas que foram manipuladas e dominadas pela ação imperialista e por uma intervenção estrangeira”, concluiu Ricardo Alemão. “Quem está contra a proposta do Bashar al-Assad é quem está a favor da agressão imperialista”, completou.

Na avaliação de Alemão, este é um momento que pode se tornar um divisor de águas. “A Síria é um divisor de águas porque desde a União Soviética não havia uma posição tão dura e tão forte no Conselho de Segurança da ONU contra os Estados Unidos e Aliados. Em fevereiro de 2012, Rússia e a China, que deixaram passar a agressão contra a Líbia, que estava muito isolada barraram a agressão contra a Síria”.

Como alguns analistas internacionais, Alemão também não acredita em uma vitória militar plena da Síria, tendo em vista que o conflito militar se prolonga, inclusive, com o envio de novos mercenários chegados da Turquia. “A cada dia, dezenas de homens treinados em território turco se lançam no conflito”.

Ainda de acordo com o dirigente comunista, a Otan, os EUA, França e Inglaterra estão por trás disso, juntamente com a Turquia, que é o grande interessado em derrotar a Síria, que tem planos de dominação na região. Antes, a Turquia já havia se aliado à Síria para combater Israel, outro forte concorrente na disputa hegemônica local: “Agora, está mirando o território sírio. “Então, a Turquia, que faz parte da Otan, faz o jogo imperialista dela. Já dominaram uma vez, foi à sede do império turco-otomano, e querem retomar esse controle. Esse é o projeto do atual governo turco”.

“Uma saída que possivelmente poderá acontecer é se prolongar a agressão até chegar ao ponto da necessidade de a Otan ser obrigada a fazer um acordo político. O que já está sendo discutindo é se, após o acordo, o Assad continua ou não no governo até uma nova eleição no país. Se ele for candidato, vence, e aí será uma vitória dos russos, que apoiam o governo sírio”, finalizou o comunista.

Reformas

O secretário de Relações Internacionais do PCdoB reforçou que a Síria hoje tem uma postura anti-imperialista, sempre apoiou a luta palestina, sempre foi um contraponto da região e que recentemente realizou uma nova constituinte modernizando sua legislação.

“É um estado laico, onde tem mais liberdade religiosa e política. Setores do partido Baath, que dirige a Síria pela Constituição e que domina o país, tem setores muito avançados e um papel importante. Agora, com a agressão imperialista, esses setores se fortaleceram, estão enfrentando reformas para retomar as estatais. Também fizeram uma nova constituição, mais democrática do que a anterior, em plebiscito, onde se legalizou mais partidos, somando agora 20 legendas”, contou Alemão, durante o encontro de sexta-feira (22).

Ele relatou, ainda, que os opositores que concordaram em depor armas entraram para o governo e com uma posição bastante ativa no parlamento. Atualmente, são três partidos comunistas no governo, dois à frente de ministérios, e um terceiro recentemente criado [Partido da Esperança Popular], uma divisão do Partido Comunista Sírio, indicou o primeiro vice-ministro.

China

Existe efetivamente uma reconfiguração no panorama internacional: o declínio relativo dos Estados Unidos provocou uma redistribuição de poder mundial, com forte tendência de multipolarização. E a China surge como uma dessas forças opositoras, como uma potência politica, econômica, militar e tecnológica ainda em expansão.

“Porém, esse ‘equilíbrio’ de forças no quadro geopolítico ao mesmo tempo gera mais desequilíbrio, mais instabilidade e mais tensões. Por um lado tem a China se fortalecendo muito, com alianças que ela faz com a Rússia e com outros países vizinhos, a chamada Organização de Cooperação de Xangai - que é um acordo militar e econômico - por outro, na África, que é um espaço de disputa, mantém uma relação diferente, de forte competição e concorrência comercial”, lembrou Alemão.

Em Túnis, os debates certamente envolverão as investidas comerciais chinesas que, no continente africano, são bastante agressivas, como é também na América Latina. “Com certeza vai haver debates que vão comparar o imperialismo estadunidense com o ‘imperialismo chinês’. O que é uma visão falsa. O padrão da relação entre China e países africanos é diferente da relação destes com Estados Unidos, França ou Grã-Bretanha por não ter componente de ameaça, de chantagem ou agressão militar. O que existe é uma assimetria que gera desigualdade, mas, em geral, os países africanos que tem feito parceria com a china tem se beneficiado mais”, explicou o secretário do PCdoB.

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