09/09/2011

Quem tem medo de ser feliz? Por Marcos Aurélio Ruy



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Há alguns anos atrás, ao ligar para um amigo para agradecer-lhe por ter me ajudado a arrumar um emprego, fiquei pasmo com sua pergunta. Ele perguntou: “você está feliz?” Pego assim de surpresa, respondi que sim, mas afinal o que é a felicidade? Por que tantos filósofos debruçaram-se sobre ela e ela parece nunca estar completa enquanto nossos amigos também não estejam felizes? Afinal é possível ser feliz sozinho?




Recentemente a ONU recentemente declarou a felicidade como “objetivo humano fundamental”, justamente porque esse tema sempre esteve presente nos anseios das pessoas, de Epicuro a Sêneca, de Aristóteles à modernidade. E se dependesse do tratamento dado ao tema pelos nossos compositores, a gente seria obrigado a ser feliz, como diz Chico Buarque na canção João e Maria. Mas afinal quem não gosta de felicidade?

A questão é tão importante e a música tão presente na vida do brasileiro, que na primeira eleição presidencial no pós-ditadura de 1964-1985, Chico Buarque compôs um dos mais memoráveis jingles políticos da história: Sem Medo de Ser Feliz, para o candidato Lula, combatendo assim a sórdida campanha desenvolvida para amedrontar a população caso ocorresse uma vitória do candidato do PT. Tudo bem, como dirão alguns, jingle não faz parte do rico acervo da MPB, mas para a discussão do tema da felicidade sim. Nossos compositores atuam quase como filósofos populares e com suas poesias ligam a felicidade às condições de vida do povo e da capacidade de amar e ser amado, portanto a felicidade para a maioria dos nossos compositores está intimamente ligada às condições objetivas e subjetivas de vida, ou seja, é preciso alimentar tanto o corpo quanto a alma, ou como diz o grupo Titãs “a gente não quer só dinheiro/a gente quer dinheiro e felicidade”, no rock Comida.

Caetano Veloso numa música inspirada em poema do russo Vladimir Maiakovski canta lindamente “gente quer comer/gente quer ser feliz/gente quer respirar ar pelo nariz”, na canção Gente e mais na frente emenda que “gente é pra brilhar/não é pra morrer de fome”. Gonzaguinha aprofunda a discussão ao afirmar que “sem o seu trabalho/o homem não tem honra/e sema sua honra/se morre, se mata/não dá pra ser feliz”, na canção Guerreiro Menino. A reflexão dessas músicas liga-se intimamente com a preocupação do senador Cristovam Buarque (PDT-DF) e da jovem deputada federal Manuela D’Ávila (PCdoB-RS) com suas propostas de emendas à Constituição para que a República garanta vida boa aos brasileiros, possibilitando-lhes a chance de serem felizes.

O verso “tristeza não tem fim felicidade sim” está na música A Felicidade, de Vinicius de Moraes e Tom Jobim, para ilustrar um tempo de obscuridade da vida brasileira na ditadura fascista. Para fazer ligação direta de música com política, era a bossa nova deixando o seu lado puramente intimista. Talvez por isso, Assis Valente pede a Papai Noel a felicidade como presente e como esse brinquedo não desceu pela chaminé ele conclui que “já faz tempo que eu pedi/mas o meu Papai Noel não vem/com certeza já morreu/ou então felicidade é brinquedo que não tem”, na mais linda canção brasileira de Natal, chamada Boas Festas. Ou como cantou Geraldo Vandré “fica mal com Deus quem não sabe dar/fica mal comigo quem não sabe amar”, em Fica Mal com Deus, para mostrar que felicidade também depende de generosidade, de solidariedade humana.

Em Wave, o maestro Tom Jobim afirma que “fundamental é mesmo o amor/é impossível ser feliz sozinho”. Já para Tim Maia para ser feliz basta “ser amado por alguém”, na música Não Quero Dinheiro, na contramão do dito popular de que “dinheiro não traz felicidade, manda comprar”. Gilberto Gil disse lindamente na canção Procissão que “eu também /to do lado de Jesus/só que acho que ele/se esqueceu/de dizer que na Terra/a gente tem/de arranjar um jeitinho/pra viver”, sobre a proposta do cristianismo de se conquistar a felicidade no paraíso após a morte. Novamente os Titãs abordam o tema de uma maneira peculiar. Na música Não É Por Não Falar dizem que “não é por não falar/em felicidade/que eu não goste de felicidade”, também já avaliando a questão sobre a importância de se discutir a questão de forma abrangente. Forma que Gonzaguinha novamente entra em cena e diz “viver e não ter a vergonha de ser feliz/cantar a beleza de ser um eterno aprendiz/eu sei que a vida devia ser bem melhor e será/mas isso não impede que eu repita/é bonita”, em O Que É, O Que É?. Difícil ser mais humilde e sintético.

Outro tema muito presente na MPB e que se liga à felicidade é o carnaval. Essa festa popular cantada em prosa e verso como os dias em que nesses dias vive-se uma igualdade ausente nos outros 362 dias do ano. Chico Buarque produziu canções memoráveis, mas Vai Passar, em parceria com Francis Hime, marca por representar o início de uma nova era no país, a era da liberdade. Ele diz que tínhamos “direito a uma alegria fugaz/uma ofegante epidemia/chamada carnaval”. Em Noite dos Mascarados Chico diz “mas é carnaval/deixa o barco correr/deixa o dia raiar/que hoje eu sou tudo o que você quiser”. O samba-enredo É Hoje, de Didi e Mestrinho, diz É hoje o dia da alegria/e a tristeza nem pode pensar em chegar”, sobre o desfile da escola de samba.

Nenhum tema escapou à inteligência de Noel Rosa ele afirma na canção Felicidade sentir “inveja dessa gente que não sabe o que é sofrer”, por que sofremos também por amor. Enquanto o grupo Mundo Livre S/A canta que “a felicidade como a morte/é como um concurso milionário na TV/existe um globo infinito/ com bilhões de bolinhas”, na música Samba Esquema Noise. Marcelo Jeneci interpreta a sua Felicidade em parceria com Chico César, e afirma que “tem vez que as coisas pesam mais do que a gente pode agüentar/nessa hora fique firme, pois tudo isso logo vai passar/você vai rir sem perceber, felicidade é só questão de ser” e concluem: “quando chover, deixar molhar para receber o sol quando voltar.” Em Anunciação Alceu Valença encanto ao afirmar que “na bruma leve das paixões que vem de dentro/tu vens chegando/pra brincar no meu quintal”.

“Quero a felicidade nos olhos de um pai/quero a alegria muita gente feliz/quero que a justiça reine no meu país/quero a liberdade, quero o vinho e o pão/quero a cidade sempre ensolarada/o povo e os meninos no poder eu quero ver”, canta Milton Nascimento em Coração Civil, parceria com Fernando Brant. Sempre ligando a felicidade com liberdade, justiça social e modo da gente relacionar-se com o mundo não precisa ser filósofo para entender a alegria de um pai, basta ver a felicidade que ficou o jovem jogador de futebol Neymar no nascimento de seu primogênito. Como afirma Walter Franco em Coração Tranqüilo, “tudo é uma questão de manter/a mente quieta/a espinha ereta/e o coração tranqüilo”, ou seja, o trabalho, a dignidade, enfim uma vida com todas as possibilidades de ser feliz. Na mesma toada diz Gonzaguinha na canção É, na qual afirma que “a gente quer valer o nosso amor/a gente quer do bom e do melhor/a gente quer carinho e atenção/a gente quer calor no coração/agente quer suar mas de prazer”. Já o grupo Natiruts canta “quero ser feliz também”, em canção homônima.

Na contramão Ataulfo Alves e Mario Lago cantam o rompimento com a amada pelo temor do amor acabar e traze um sofrimento insuportável na canção Pra Que Mais Felicidade? Já Cazuza em parceria com Rogério Miranda diz que “as possibilidades de felicidade/são egoístas, meu amor/viver em liberdade, amar de verdade/só se for a dois”, na canção Só se For a Dois. Noel Rosa combate a hipocrisia do poder econômico com fina ironia na música Filosofia, na qual diz que “não me incomodo que você me diga/que a sociedade é minha inimiga/pois cantando neste mundo/vivo escravo do meu samba, muito embora vagabundo/quanto a você da aristocracia/que tem dinheiro, mas não compra a alegria/há de viver eternamente sendo escrava dessa gente/que cultiva a hipocrisia”. Nada mais atual, numa sociedade onde tem mais valor a alegria fugaz, o prazer individual acima de tudo, o ter em detrimento do saber. Com tudo isso, quem sabe o Papai Noel possa trazer esse presente e a felicidade bater à nossa porta e morar com a gente eternamente.

Mas para isso acontecer somente seguindo o conselho de Tom Jobim e Vinicius de Moraes em A Felicidade: “A felicidade é como a pluma/que o vento vai levando pelo ar/voa tão leve/mas tem a vida breve/precisa que haja vento sem parar”. Enquanto Chico Buarque em Felicità, versão de Lucio Dalla, canta que “pra sermos felizes bastaria um fio de música” e se depender da MPB nossa felicidade Será completa. E você está feliz?

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