24/09/2011

Financiamento público fortalece a democracia e democratiza a política


Por Henrique Fontana

Caros Amigos

 

Vivemos um momento da sociedade brasileira em que a democracia está cada vez mais forte. Podemos dizer com orgulho que uma sociedade que saiu da ditadura militar há poucas décadas tem conseguido trazer os conflitos de interesse para a arena institucional, ampliando a capacidade de representação, incluindo cada vez mais setores historicamente alijados do poder. Encontrar os caminhos para fortalecer e legitimar a política no Brasil é fundamental para que continuemos este processo.

A política brasileira tem sido com muita frequência associada a casos de corrupção. O canal eleitoral, sem o qual a maioria da população dificilmente consegue fazer valer seus interesses, parece sob constante suspeita de servir mais para promover compromissos obscuros do que o interesse público. Parece-nos que encontrar formas de diminuir a possibilidade de relações escusas entre interesses privados e representantes políticos é dar um passo seguro no fortalecimento dos canais de representação. Por isto, estamos propondo que a Comissão de Reforma Política enfrente o problema de mudar a legislação sobre o financiamento das campanhas eleitorais.

É fato conhecido, por qualquer pessoa que tenha dedicado algum tempo a analisar as campanhas eleitorais, no mundo inteiro, que os problemas de financiamento são generalizados e observados em praticamente todos os países. As empresas e grandes corporações sempre procuram os meios de influir na política, e é no financiamento das campanhas que encontram o calcanhar de Aquiles dos políticos. Nas últimas décadas, os problemas parecem ter se agravado. Houve uma clara escalada dos gastos de campanha – da década de 1970 para cá, os aumentos foram gigantescos. Veja os números recentes da campanha para deputado federal em todo o Brasil: em 2002, foram gastos R$ 191 milhões; em 2006, foram R$ 439 milhões; e em 2010 os custos pularam para R$ 926 milhões. Se essa escalada continuar, onde chegaremos em 4 ou 8 anos? 

E os dados mostram, ainda, que o volume de gastos nas campanhas é decisivo para a capacidade de obter sucesso e se eleger: dentre os 513 eleitos em 2010 para a Câmara, por exemplo, 369 estão entre os candidatos que mais gastaram, segundo as prestações de conta ao TSE. Os eleitos gastaram em média doze vezes mais do que o restante dos candidatos.

É claro que é possível fazer campanhas no sistema atual de maneira digna e honrada, mas o financiamento privado, especialmente quando feito por empresas, mesmo de forma transparente e legal, mantém sempre acesa a chama da suspeita de que a fatura será cobrada e os interesses privados se sobreporão ao interesse público. Esta situação repercute também para o lado das empresas, cada vez mais resistentes a se expor a este tipo de ilações.

Financiar as campanhas eleitorais com os recursos públicos nos parece ser a melhor maneira de enfrentar este quadro.

Em primeiro lugar, porque possibilita um financiamento livre de interesses outros que não sejam os legítimos interesses de representação política. Pela nossa proposta, o financiamento pelo Estado será definido por critérios claros e transparentes, vinculados à força dos partidos junto à sociedade.

Em segundo lugar, porque permite aumentar a participação política de setores hoje mal representados, possibilitando que se tornem competitivos candidatos que hoje não têm acesso a recursos. A redução da influência do poder econômico permite assim aumentar a representatividade do sistema político.

Dentre as objeções mais comuns que temos ouvido sobre o financiamento público encontra-se a de que o sistema não impede a burla, e que o caixa 2 e as fraudes continuarão. As ilegalidades se apresentam em todas as atividades reguladas por lei, por isso o projeto prevê a criminalização pelo desvio de recursos e arrecadação ilícita (caixa 2), além de outras sanções eleitorais e administrativas.

Os recursos seriam definidos pela Justiça Eleitoral, responsável também pela gestão do futuro fundo para financiamento das campanhas, e distribuídos aos comitês financeiros das candidaturas, de forma qu,e desde o início da campanha, qualquer eleitor possa saber quanto e como estão sendo gastos os recursos. O financiamento público gerará assim campanhas mais baratas, com um teto de gastos estabelecido e fiscalizável. O aumento da transparência e da possibilidade de controle dos gastos são evidentes.

A outra objeção frequente é quanto à fonte dos recursos: não seria correto onerar os cofres públicos, desviando recursos de outras frentes, onde seriam mais importantes. A pergunta crucial a fazer, contudo, seria: quantos recursos públicos serão poupados pela ausência dos compromissos espúrios que o atual sistema propicia (as emendas orçamentárias favorecendo gastos desnecessários, os favorecimentos em licitações, os superfaturamentos)? Além disso, em muitos casos há suspeitas de que as empresas embutem os gastos com financiamento eleitoral nos seus preços, o que também acabaria sendo pago pelo contribuinte. O investimento público nas campanhas certamente será compensado pela economia na outra ponta.

Não pretendemos com este projeto criar um sistema perfeito e invulnerável, mas dar passos seguros para que tenhamos campanhas mais baratas, mais representativas, mais transparentes e, sobretudo, mais legítimas. O fortalecimento da democracia merece este investimento.

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