25/07/2011

Janelas abertas sobre a China (Marli Olmos, no Valor Econômico)

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O povo maltratado pelo imperialismo e a revolução em curso são retratados em obras no Museu Nacional da China, em Pequim: mostra é a mais importante da celebração dos 90 anos do PCC
 
O anfitrião empurra as portas que dão acesso à varanda com o gesto de quem pretende abrir as cortinas de um palco. O cenário é, de fato, de tirar o fôlego. Talvez dali se tenha a melhor vista de Pudong. Começou a anoitecer e as luzes dos arranha-céus deixam a cidade cintilante. Satisfeito ao ver seus convidados boquiabertos, Shao Huixiang, representante do Ministério de Relações Exteriores em Xangai, declara o óbvio: "Essa é a vitrine da China".
A vista deslumbrante foi a surpresa ao fim de um jantar na área reservada do elegante Hotel Mansion, em Huangpou, à beira do rio que leva o mesmo nome. O rio separa a parte antiga da cidade da efervescente Pudong, que 20 anos atrás servia à plantação de arroz e trigo e hoje abriga o setor financeiro da China.
O bairro onde está o hotel tem ares de Europa. Por isso, na varanda tem-se a impressão de estar numa cidade como Paris assistindo ao futuro do planeta pela janela.
Seguindo o ritual das refeições chinesas tradicionais, de servir a comida em pequenas porções, o jantar de hoje é composto por 15 pratos, que vão de ensopados e verduras refogadas ao frango e carne de porco, ingrediente quase obrigatório na gastronomia do país asiático.
O sabor da culinária em Xangai, bem mais suave e menos apimentada do que em Pequim e outras partes do país, remete ao gosto de comida preparada por mãe. A observação agrada a Huixiang, que nasceu na cidade. Ele fala com orgulho sobre o porto mais movimentado do mundo, sobre a ponte de 32 quilômetros que está sendo construída e sobre o trem-bala, que desde o dia 30 encurtou a viagem até Pequim de 11 para 5 horas.
Tempos de opressão imperialista são lembrados para justificar o fato de o país estar nas mãos de um único partido há mais de seis décadas
Mas por que em Xangai não se veem enfeites da celebração dos 90 anos de fundação do Partido Comunista Chinês, como em Pequim?
Huixiang esconde repentinamente o sorriso que exibiu durante todo o jantar e dá uma resposta oficial: "A comemoração dos 90 anos é de suma importância para todo o país e tivemos uma série de atividades".
Foi justamente em Xangai que nasceu o Partido Comunista Chinês. Inspirado no modelo político que chegava da Rússia, um grupo de militantes reuniu-se, em 21 de julho de 1921, numa casa que ficava na área de concessão francesa. Seu líder, Mao Tsé-tung, um filho de camponeses, tinha 28 anos à época. A reunião que começou naquele local, transformado hoje em museu, teria, no entanto, terminado numa província vizinha. O grupo teria escapado ao ser surpreendido pela polícia. Numa exposição de fotografias no hall da agência de notícias Xinhua, em Pequim, está retratado o pequeno barco que teria sido usado na fuga dos revolucionários.
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Obra retratando o povo maltratado pelo imperialismo

Pequim ganhou enfeites especiais para a celebração dos 90 anos de fundação do Partido Comunista Chinês. Arranjos florais, cartazes e esculturas que destacam os números 1921-2011 foram espalhados principalmente nos pontos turísticos, como a famosa Praça da Paz Celestial. A CCTV (China Central Television), canal de televisão estatal, tem exibido uma minissérie contando a história da formação do PCC. São dois episódios de 45 minutos por dia.
Também em Pequim, no Museu Nacional da China, está a maior e mais importante exposição organizada para celebrar os 90 anos do PCC. Um acervo que reúne quadros, esculturas, filmes e até reproduções de pichações da época, além de símbolos, relata as histórias dos tempos do imperialismo à criação da República Popular da China, há 62 anos. Na mostra, que traz obras de artistas chineses, as esculturas de pessoas em tamanho natural ocupam espaço nobre. Trabalhos recentes, como o de Li Xiangqun (2009), retratam a época que antecedeu a chegada do comunismo.
Os tempos de opressão imperialista são citados com frequência pelos representantes do governo chinês quando se trata de buscar, seja no passado ou no presente, razões políticas e econômicas para justificar e celebrar o fato de o país estar nas mãos de um único partido há mais de seis décadas.
O discurso ganha uma dimensão ainda maior quando a conversa entra no tema direitos humanos - seja ou não falando diretamente sobre a prisão do ativista Liu Xiaobo, que ganhou o Prêmio Nobel da Paz de 2010.
Enquanto tentam se livrar de rótulos que os prejudicam, chineses têm de lidar com mudanças impostas pela explosão do crescimento
Diante de uma questão sobre os direitos humanos, o diretor de informação do Ministério das Relações Exteriores, porta-voz da chancelaria, remete o interlocutor aos tempos da guerra do ópio: "Os países nos criticam pela falta de liberdade de expressão. Mas temos de lembrar que o povo de um país que em menos de cem anos se transformou na segunda economia mundial não podia antes ter nenhum direito humano. Os chineses viveram como cachorros e foram até mesmo tratados assim quando, na invasão britânica, parques receberam cartazes proibindo a entrada de cachorros e de chineses. Salvamos 300 milhões da miséria e, mesmo que a renda per capita ainda seja pequena, agora somos donos de nós mesmos. Por isso, temos de receber elogios e não críticas".
Os representantes do governo reconhecem, no entanto, as dívidas na área social, como a necessidade de criar um sistema previdenciário forte e diminuir a pobreza na área rural. O vice-ministro de Relações Exteriores, Zhang Kunsheng, conta que quando percorre cidades do interior de carro às vezes demora duas horas para ver uma única família. "Nesse sentido nossa tarefa é árdua", afirma. Ele aponta como desafios, daqui para a frente, reduzir as diferenças entre as áreas urbana e rural e ajustar o modelo de desenvolvimento econômico à sustentabilidade ambiental. "O desenvolvimento traz problemas. Mas o PCC acumulou muitas experiências. O partido também pode encontra um caminho nesses sentidos."
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Arte sobre a revolução chinesa

Nas ruas e estradas das megalópoles não faltam exemplos do que o poderio econômico já levou para a China. Resultado da preparação para os Jogos Olímpicos de 2008, grandes cidades, como Pequim, Xangai e Chengdu (na região central), podem servir como referência de planejamento urbano. E, mesmo com voos internos, num reflexo do crescimento do poder aquisitivo da classe média, a organização e modernização dos aeroportos garantem check-in e embarques sem atropelos.
A regiões centrais das grandes cidades chinesas têm ares de Primeiro Mundo. Não só pelos edifícios gigantes e envidraçados. Mas também pelo burburinho em lojas de grifes famosas, como Louis Vuitton, Rolex e outras do gênero. O movimento também nos departamentos comerciais mais modestos expõe o motivo de preocupação de um governo que tem elevado as taxas de juros na tentativa de reduzir o consumo que leva ao aumento da inflação.
A China quer livrar-se das imagens negativas que o mundo ocidental lhe atribui, seja no cenário ambiental ou econômico. Sabe que tem um longo caminho ainda para evitar que suas empresas sejam vistas como a ameaça do desemprego em outros países.
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Exposição em Xangai sobre o Partido Comunista: sob liderança de Mao e inspirados no modelo que chegava da Rússia, militantes se reuniram numa casa da cidade, em 1921, para fundá-lo

O estigma de país da cópia barata ainda ronda essa potência. Motivos não faltam. No centro de Chengdu, por exemplo, é possível hospedar-se no "Hiyatt", uma rede local com hotéis em diversas cidades que não tem nada a ver com o grupo americano Hyatt.
Mas os chineses também reclamam pela falta de reconhecimento de suas obras originais. Recente artigo na "China Hoy", uma revista produzida no México em espanhol e distribuída em embaixadas na América Latina, queixa-se de a Ópera de Pequim ser considerada uma cópia de óperas ocidentais e não uma forma artística original da China. A revista reivindica que essa forma de arte seja tratada por seu nome original, Jingju, assim como o Kabuki, do Japão, é considerado um gênero próprio e não uma reprodução do teatro ocidental.
Enquanto tenta se livrar de rótulos que prejudicam sua imagem no exterior, os chineses são obrigados a lidar com as mudanças que a explosão de crescimento econômico impõe ao país e estão alterando rapidamente o imaginário chinês. A grande muralha, herança do período imperial, continua sendo uma das maiores atrações turísticas. Mas o que os novos visitantes mais querem ver e os chineses mostrar são os símbolos do futuro, como a Pérola Oriental - a torre de 468 metros que reluz em Xangai e Shao Huixiang tem tanto prazer em exibir aos seus convidados.

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