10/06/2011

Estação das Perdas

Há horas em nossa vida que somos tomados por
uma enorme sensação de inutilidade, de vazio...
Questionamos o porquê de nossa existência e
nada parece fazer sentido.
Concentramos nossa atenção no lado mais cruel
da vida, aquele que é implacável e a todos afeta
indistintamente: As perdas do ser humano.


Ao nascer, perdemos o aconchego ,
a segurança e a proteção do útero.
Estamos, a partir de então, por nossa conta.
Sozinhos.
Começamos a vida em perda e nela continuamos.
Paradoxalmente, no momento em que perdemos algo,
outras possibilidades nos surgem.
Ao perdermos o aconchego do útero,
ganhamos os braços do mundo.
Ele nos acolhe: nos encanta e nos assusta,
nos eleva e nos destrói...
E continuamos a perder...e seguimos a ganhar.
Perdemos primeiro a inocência da infância.
A confiança absoluta na mão que segura nossa mão,
a coragem de andar na bicicleta sem rodinhas
por que alguém ao nosso lado nos assegura
que não nos deixará cair...
E ao perdê-la, adquirimos a capacidade de questionar.
Por que? Perguntamos a todos e de tudo...
Abrimos portas para um novo mundo e fechamos janelas,
irremediavelmente deixadas para trás...

Estamos crescendo. Nascer, crescer, adolescer, amadurecer, envelhecer, morrer, renascer (?).....

Vamos perdendo aos poucos alguns
direitos e conquistando outros.
Perdemos o direito de poder chorar bem
alto, aos gritos mesmo, quando algo
nos é tomado contra a vontade.
Perdemos o direito de dizer absolutamente
tudo que nos passa pela cabeça sem
medo de causar melindres.
Assim, se nossa tia às vezes nos parece gorda
tememos dizer-lhe isso.

Receamos dar risadas escandalosamente da
bermuda ridícula do vizinho ou puxar as
pelancas do braço da vovó com a
maior naturalidade do mundo e ainda
falar bem alto sobre o assunto.
Estamos crescidos e nos ensinam que não
devemos ser tão sinceros.
E aprendemos..
E vamos adolescendo...
ganhamos peso,
ganhamos, seios,
ganhamos pelos,
ganhamos altura....
ganhamos o mundo.
Neste ponto, vivemos em grande conflito.
O mundo todo nos parece inadequado
aos nossos sonhos...
ah! os sonhos!!!
Ganhamos muitos sonhos. Sonhamos dormindo, sonhamos acordados, sonhamos o tempo todo.

Aí de repente, caímos na real!
Estamos amadurecendo...todos nos admiram.
Tornamo-nos equilibrados, contidos, ponderados.
Perdemos a espontaneidade.
Passamos a utilizar o raciocínio, a razão acima de tudo.
Mas não é justamente essa a condição que nos coloca acima (?) dos outros animais?
A racionalidade, a capacidade de organizar nossas ações de modo lógico e racionalmente planejado? (???)

E continuamos amadurecendo....
ganhamos um carro novo, um companheiro, ganhamos um diploma.
E desgraçadamente perdemos o direito de gargalhar,
de andar descalço, tomar banho de chuva,
lamber os dedos e soltar pum sem querer...
Mas perdemos peso!!!
Já não pulamos mais no pescoço de quem amamos
e nem conseguimos dar neles aquele beijo estalado...
mas apertamos as mãos de todos,
ganhamos novos amigos, ganhamos um bom salário, ganhamos reconhecimento, honrarias, títulos honorários e a chave da cidade...
E assim, vamos ganhando tempo....
enquanto envelhecemos.

De repente percebemos que ganhamos algumas rugas,
algumas dores nas costas (ou nas pernas),
ganhamos celulite, estrias, ganhamos peso...
e perdemos cabelos.
Nos damos conta que perdemos
também o brilho no olhar,
esquecemos os nossos sonhos, deixamos de sorrir...
Perdemos a esperança.
Estamos envelhecendo.

Não podemos deixar pra fazer algo
quando estivermos morrendo...
Afinal, quem nos garante que haverá mesmo
um renascer, exceto aquele que se faz em vida,
pelo perdão a si próprio, pelo compreender que
as perdas fazem parte, mas que apesar delas,
o sol continua brilhando e felizmente
chove de vez em quando,
que a primavera sempre chega após o inverno,
que necessita do outono que o antecede...

Que a gente cresça e não envelheça simplesmente...
Que tenhamos dores nas costas e alguém que as massageie...
Que tenhamos rugas e boas lembranças...
Que tenhamos juízo mas mantenhamos o bom humor
e um pouco de ousadia...
Que sejamos racionais, mas lutemos por nossos sonhos...
E, principalmente, que não digamos apenas eu te amo,
mas ajamos de modo que aqueles à quem amamos,
sintam-se amados mais do que saibam-se amados.

Afinal, o que é o tempo?

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